A vida dos escritores, dos artistas, dos filósofos e das figuras que desempenham funções públicas ou por qualquer motivo se celebrizaram não é apenas matéria para eruditas biografias. Na nossa época, em que há um forte domínio dos media, a pessoalização de todos os aspectos da vida social, cultural e política está por todo o lado; e a relação entre vida e obra tornou-se, em certos casos, uma zona que dá origem a escândalos e controvérsias. Esta condição faz com que a obra e a acção de escritores, artistas, políticos e demais figuras públicas sejam muitas vezes avaliadas pelo filtro da respectiva moralidade privada. Não faltam casos recentes que o confirmam e sabemos os efeitos devastadores que por vezes isso tem. É preciso perceber que os factores que estruturam actualmente o espaço público geraram uma tendencial indiferenciação entre o público e o privado, essas duas esferas que desde o Iluminismo estavam separadas por fronteiras muito nítidas. No campo político, tornou-se comum, e às vezes quase obrigatório para satisfazer tácitos requisitos, a exibição da vida privada, os gostos e idiossincrasias pessoais, os hábitos. O fenómeno people, que era um território reservado das revistas cor-de-rosa, alargou-se. E tornou-se habitual traçar linhas de sobreposição e conflito entre a vida e a obra.