Nos últimos anos, fomos confrontados com a irrupção de um conceito — a «pós-verdade» — que não só invadiu a cena política e mediática, como o próprio léxico comum. De tal forma que o termo foi nomeado «palavra do ano» de 2016 pelo respeitável dicionário de Oxford. Com efeito, a sua utilização aumentara 2000% em relação ao ano precedente. Dois acontecimentos marcantes desencadearam esta proliferação: a campanha do Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos da América.
De acordo com o dicionário de Oxford, a «pós-verdade» refere-se «às circunstâncias nas quais os factos objectivos têm menos influência na opinião pública do que aqueles que apelam à emoção ou às crenças pessoais». Pouco importa se a realidade dos factos informa ou não as opiniões, o que conta é o impacto da mensagem e a eficácia do «fazer crer». Poder-se-ia facilmente objectar que nada disto é novo e que é frequente — e há muito — que a capacidade do discurso político para modelar a opinião pública se baseie nos sentimentos, nas emoções e nas paixões, e não no apelo ao juízo e à reflexão.
A esta constatação, o dicionário acrescenta uma observação mais interessante: a noção à qual o prefixo «pós-» se vem juntar — isto é, a verdade — tornou-se inessencial, secundária, quando não irrelevante. A ruptura decisiva, se houve alguma, deveu-se, portanto, ao facto de a própria verdade se ter tornado obsoleta ou sem pertinência. Ela deixou de ter qualquer efeito sobre a realidade. Dito de outra forma, a «pós-verdade» não se refere à emergência de uma era de mentira generalizada que sucederia à era do triunfo da verdade. Com efeito, a mentira distorce, trunca, dissimula ou nega a verdade, mas não a abole. Ela não a faz desaparecer enquanto referência normativa. Ela não anula a diferença entre o verdadeiro e o falso.
O mesmo não acontece com a pós-verdade: ela apaga a própria divisão entre o verdadeiro e o falso, baralha de tal forma os pontos de referência e as fronteiras que instaura um regime de indiferença assumida em relação à verdade. Este fenómeno — ou melhor, as condições que o facilitam — tem sido frequentemente abordado pelo prisma das fake news e da sua difusão viral na Internet e nas diversas redes sociais. Por muito que os jornalistas tentem resistir-lhe opondo-lhe procedimentos de rectificação e de verificação das informações (o fact-checking), o processo parece irreversível. E, desde 2016, o fenómeno generalizou-se ainda mais, como ficou patente na difusão maciça de notícias falsas pelo candidato Jair Bolsonaro durante a campanha para as eleições presidenciais no Brasil, ou nas técnicas de guerra de informação utilizadas pelo regime de Vladimir Putin, que consistem em promover a multiplicação de mensagens antinómicas em todos os canais.
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