Os dois textos que surgem aqui em confronto indirecto falam linguagens diferentes, são o exemplo eloquente de um diferendo (isto é, duas linguagens que não têm uma medida comum) a que a questão da «raça» dá origem. O primeiro texto é da autoria de Vasco M. Barreto, biólogo, investigador da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; o segundo é de Pedro Schacht Pereira, doutorado em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Brown University, nos EUA, com intervenções cívicas frequentes na imprensa portuguesa sobre o racismo. Uma figura importante dos estudos culturais, Anthony Appiah, disse uma vez que «é tempo de o conceito biológico de raça desaparecer sem deixar vestígios». Mas, na verdade, como mostra o texto de Vasco M. Barreto, o conceito não desapareceu e os seus vestígios continuam a manifestar-se no debate científico, bem distante daquele racismo «científico» anterior à Segunda Guerra Mundial, mas ainda assim suscitando sempre polémicas, reservas e precauções. Pelo contrário, do ponto de vista dos estudos pós-coloniais ele não passa de uma categoria discursiva. E é precisamente o pressuposto da raça como construção discursiva no quadro de uma cultura, como uma linguagem, que está na base da análise que Pedro Schacht Pereira faz da questão do racismo num texto de Eça de Queirós.