A memória, na sua dimensão social e colectiva, tornou-se no nosso tempo um tema de discussão pública, muito ligado a acontecimentos históricos violentos ou mesmo traumáticos, desde o Holocausto ao 11 de Setembro. A possibilidade de fazer da memória um dispositivo literário, à maneira de Proust, está hoje reduzida ou é mesmo uma impossibilidade, num tempo em que a memória individual, enquanto mecanismo psíquico, está confrontada com as suas próteses tecnológicas, com os smartphones, os computadores e a Internet, onde toda a memória do mundo, que dantes era representada pela biblioteca e o arquivo, está armazenada. Porque a memória e as manifestações da sua hegemonia (bem visível na obsessão pelo património, na imparável inauguração de museus, na agenda pública das comemorações e dos balanços) marcam a nossa época, com um perfume de decadência, dedicamos a ela o «Assunto» deste número da Electra.

Michael Hardt, um dos teóricos políticos mais conceituados do nosso tempo, conversa com a Electra sobre amor e revolução, linguagem e libertação, e o seu novo projecto acerca da necessidade urgente de voltar a olhar para os movimentos revolucionários dos anos 70.

Michael Morris é um arquitecto com dupla nacionalidade, irlandesa e norte-americana, radicado na cidade de Nova Iorque, onde trabalha em projectos que ligam arquitectura, arte e ciência. Partilhou o atelier Morris Sato Studio com a sua mulher e parceira Yoshiko Sato, que morreu em 2012. Depois da morte de Sato, assumiu a liderança do seu estúdio de design de arquitectura espacial e do grupo de investigação na Universidade de Columbia. Sato e Morris haviam iniciado, em 2006, projectos espaciais em colaboração com os seus antigos alunos e, em 2015, formaram o colectivo SEArch+ (Space Exploration Architecture) com o intuito de colaborar com a NASA em projectos de vanguarda, visando a possibilidade do ser humano viver noutros lugares do espaço.

Uma reflexão de Milan Kundera sobre a história trágica da Europa Central — esse «Ocidente raptado» — é aqui comentada por Christian Salmon, autor de Storytelling. La machine à fabriquer des histoires et à formater les esprits e de Lère du Clash (para citar dois dos seus livros que tiveram uma grande difusão internacional), que foi assistente do escritor checo e fundador, em 1993, do Parlamento Internacional dos Escritores.

A obra de Jorge Molder, que pode ser entendida como uma «série de séries», olha para nós como uma pergunta misteriosa. Nas suas fotografias, há os jogos de sentido que interpelam as convenções, tornando instáveis os conceitos (de realidade e ilusão, por exemplo) e movediços os mapas das nossas geografias interiores. A propósito da publicação de dois livros sobre Molder, Claudio Rozzoni pensa esta obra (a «máquina Molder» e os seus efeitos) e a sua persistência artística e filosófica.

Sepideh Karami é uma arquitecta, escritora, professora e investigadora iraniana, cujo trabalho leva a arquitectura ao encontro de domínios tão diferentes como os das artes performativas, da literatura e da geologia. Professora de Arquitectura na Universidade de Edimburgo, fala-nos aqui da cidade que escolheu para viver e trabalhar com um olhar singular, ao mesmo tempo, próximo (onde está) e distante (de onde veio). Na sua viagem verbal pela capital da Escócia, Sepideh diz-nos o que olha, o que decifra, o que interpreta e o que adivinha. Dos prédios aos jardins, do geral ao particular, dos gestos aos objectos, do chão ao céu, a autora descreve uma cidade que se faz de muitos espaços e de muitos tempos, de muitas velocidades e de muitas camadas de sentido. No início, afirma-se: «Edimburgo é a cidade onde damos por nós molhados e secos de um momento para o outro.» E é como se esta antítese climática atravessasse todo o texto para nos ensinar a sentir Edimburgo e o que nela acontece.

Partindo de casos que provocaram algum escândalo, a socióloga Gisèle Sapiro prossegue neste artigo a questão que dá o título ao seu livro, Peut-on dissocier l’oeuvre de l’auteur?, e avança nas respostas possíveis, que variam conforme os casos, a uma outra complexa questão: o que fazer à obra quando a conduta pessoal do seu autor é censurável?

«A vida é um jogo»: assim se pode enunciar o princípio que determina uma gamification generalizada do mundo em que vivemos. É sobre esta problemática, que convoca a noção de homo ludens, que escreve Claire Siegel, professora na Universidade Paul Valéry, de Montpellier, cujo trabalho tem incidido sobre a relação entre os videojogos e as artes plásticas.

Este diário anda entre o Líbano e a Argentina, entre o pai e a mãe, o amor e o sexo, a liberdade e a ameaça, a vida e a morte. O autor chama-se Anthony El Chidiac, nasceu em Beirute há 32 anos e é realizador de cinema. O seu documentário Room for a Man [Espaço para um homem] foi visto e premiado em Portugal. De uma beleza sombria e de uma força inocente, fala do medo e da vontade de ser o que se é, num mundo privado e público onde a homossexualidade é condenada. Neste «Livro de Horas» que escreveu para a Electra, Chidiac diz: «Nasci e cresci no seio de uma família destroçada, numa sociedade dividida, num corpo e num espírito não conformes às normas de género.» Há neste diário os ecos de um mundo em crise. Há uma confissão que se torna acusação, uma exactidão seca que procura a sua fuga. A isto podemos chamar poesia.

A pandemia da covid-19 e as consequências sobre as nossas vidas arrastam-se, tornando-se uma «anormalidade normal», com a sua trágica melancolia e a sua desesperante monotonia. No seu romance A Peste, um clássico da literatura existencialista escrito como crónica da vida quotidiana durante uma epidemia, o escritor Albert Camus usa a doença, o contágio e o medo para uma poderosa meditação filosófica sobre os comportamentos humanos. Ensaísta e cronista, Sebastian Dieguez é neurocientista da Universidade de Friburgo e tem-se ocupado, no seu trabalho de investigação, da relação entre psicologia, ciências cognitivas e literatura. Nesta edição, comenta uma passagem do livro de Camus.