As polémicas e os escândalos em torno de autores que assumiram posições condenáveis, como Céline ou Heidegger, ou que tiveram atitudes condenáveis, como Polanski ou Gabriel Matzneff, levantaram a questão da relação entre o autor e a sua obra. Pode e deve-se dissociá-los? Existe uma relação entre a moral da obra e a moralidade do autor? Se sim, que consequências se devem tirar daí? Deve-se «suprimi-los», isto é, retirá-los de circulação?
No meu livro Peut-on dissocier l’oeuvre de l’auteur?1, proponho que o autor e a obra são construções sociais, as quais não foram desde sempre identificadas. Da inspiração divina que atinge o poeta à cultura da imitação dos antigos, que prevalecia no Renascimento, outras formas de pensar o acto criativo precederam a concepção romântica da originalidade da criação, a qual não deixa de estar relacionada com o surgimento da propriedade intelectual.
No seu célebre artigo intitulado «O que é um autor?», Michel Foucault define a função-autor como a unificação de uma série de discursos sob um nome próprio. Sublinha que a imputação penal das obras a um autor (que em França remonta ao édito de Châteaubriant, que, em 1551, impõe a cada autor e impressor o dever de colocar o seu nome num livro publicado) precedeu historicamente a propriedade intelectual e artística, a qual só foi reconhecida a partir do século XVIII (primeiro em Inglaterra, depois em França). Antes de ser um bem, a obra foi um discurso susceptível de ser punido.
O nome pessoal assinala a relação entre a obra e a identidade do autor, logo, entre a obra e a sua vida. Encerra, por outro lado, o capital simbólico associado ao autor, devido à sua obra. É isso que significam as expressões «fazer nome na literatura» e «ser um grande nome da literatura». O nome do autor é, no entanto, um caso particular, remetendo menos para uma pessoa do que para um corpus de obras que lhe são atribuídas.
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