A história faz-se do que, dela, continua em nós e nos faz lembrar o que não vivemos, ou imaginar o que vivemos e assim se faz ainda mais nosso. O grande historiador Fernand Braudel, num dos seus «Escritos sobre a História» (Posições da História), afirma que as grandes convulsões políticas e sociais nos intimam a pensar ou a repensar o Universo.

O mais importante crítico literário italiano, Alfonso Berardinelli, que deu uma importante entrevista para a Electra 20, escreve nesta edição sobre Italo Calvino, o grande escritor, que, informado pelo estruturalismo, levou a narrativa, o conto e as formas breves, a um grau supremo de construção literária.

Michael Hardt, um dos teóricos políticos mais conceituados do nosso tempo, conversa com a Electra sobre amor e revolução, linguagem e libertação, e o seu novo projecto acerca da necessidade urgente de voltar a olhar para os movimentos revolucionários dos anos 70.

Nesta evocação de Tokushima, no Japão, José Bértolo segue o rasto — isto é, as palavras e as imagens — do diplomata e escritor Wenceslau de Moraes e do cineasta Paulo Rocha. O primeiro fez do Japão a sua morada e o segundo fez de Wenceslau o seu fantasma. Ao percorrer os caminhos de Tokushima, esta evocação fala-nos do desejo de conhecer e também da vida e da morte. Daí o seu título enigmático. O autor é professor, ensaísta (escreve sobre cinema e fotografia) e fotógrafo.

Uma lei do excesso governa o mundo contemporâneo em todos os domínios. Os produtos da sociedade do consumo, a lógica financeira, a riqueza e a pobreza, os fenómenos da vida social e política, o crescimento das cidades, a circulação de pessoas e mercadorias, o lixo e os resíduos: tudo abandonou a justa medida e se pôs a crescer e a proliferar sem contenção. Somos confrontados incessantemente com a morfologia da obesidade e do monstro. Traduzindo esta regra em termos estéticos, podemos dizer que o mundo se tornou eminentemente barroco, já não conhece a quieta grandeza e a nobre simplicidade do clássico. Como sabemos, muitas são as disfunções e as formas de entropia que se geram quando tudo aquilo que determina o mundo pragmático vai para além dos seus próprios fins. É do excesso e dos seus efeitos, em várias áreas, que tratam os artigos deste dossier.

Um verso de um poema de Fernando Pessoa, uma vez autonomizado, ganha o valor de uma proposição que poderia ser retirada de uma obra filosófica ou de uma reflexão que tem a forma de um aforismo que constrói uma falsa evidência. Coube ao poeta e professor de Literatura Amândio Reis comentar o verso citado.

A artista visual Mónica de Miranda, a historiadora Sónia Vaz Borges e a coreógrafa Vânia Gala constituem o colectivo que assegura a representação de Portugal na Bienal de Arte de Veneza 2024, cujo tema geral é «Estrangeiros em Todos os Lugares». As três autoras destinaram a esta edição da Electra os textos e as imagens que revelam os grandes temas e motivações do projecto «Greenhouse», que se mostra no pavilhão português sediado no Palácio Franchetti. Este projecto apresenta um jardim crioulo, a partir do qual são pensados os temas do colonialismo, da guerra, das lutas de libertação e da ecologia.

A filósofa italiana Donatella Di Cesare, autora, entre outros, de um livro, já editado entre nós, O Tempo da Revolta, veio a Portugal em 1975 para assistir à revolução em curso que tinha tido uma grande repercussão em Itália. Quase meio século depois, presta o seu testemunho dessas «férias revolucionárias».

Prosseguindo a sua viagem por terras do Mediterrâneo, André Príncipe foi à Tunísia. Em La Goulette, no porto de Túnis, chamada no século XIX «la petite Sicile», assiste a um concerto de Badiaa Bouhrizi, conhecida pelo nome artístico de Neysatu. É com esta cantora, autora e compositora, militante das causas da liberdade e da justiça social, que o fotógrafo e editor conversa, para a Electra, sobre política, música, djinns e identidades africanas. As palavras juntam-se aqui às imagens numa entrevista que fala de alguns dos temas da nossa contemporaneidade global.

Uma «cidade-floresta» é o que propõe Ruedi Baur em oposição à destruição urbana em curso que expulsa os cidadãos, os citadinos. O autor deste artigo é um designer franco-suíço, criador da identidade visual do Centro Pompidou e professor na Escola Nacional de Belas Artes de Lyon, com um notável percurso internacional.

Os Ensaios de Robert Musil, recentemente traduzidos em português, são, no mais alto grau, configurações de uma época que talvez só recentemente tenha chegado ao momento da sua legibilidade. Nélio Conceição, investigador do Instituto de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa, faz deles uma leitura que os ilumina no seu longo alcance.

Afonso Dias Ramos comenta a recente publicação, em França, do curso inédito sobre a relação entre pintura e filosofia que Gilles Deleuze leccionou em 1981, acabado de se mudar para a Universidade de Saint-Denis. Trata-se de um acontecimento editorial que traz a público as célebres palestras semanais que o filósofo proferiu de 1970 a 1987, e que circulavam, desde então, apenas como gravações áudio.

Pessoa tóxica e ambiente tóxico e etc. e já se sabe. Mas uma verdadeira linguagem tóxica é uma linguagem em que o pensamento existe na véspera da frase e a frase vem com forma pré-definida como se fosse não linguagem, mas escultura em pedra transportada pelo colectivo ensinado a ser estúpido com o moderno método infalível.