A memória, na sua dimensão social e colectiva, tornou-se no nosso tempo um tema de discussão pública, muito ligado a acontecimentos históricos violentos ou mesmo traumáticos, desde o Holocausto ao 11 de Setembro. A possibilidade de fazer da memória um dispositivo literário, à maneira de Proust, está hoje reduzida ou é mesmo uma impossibilidade, num tempo em que a memória individual, enquanto mecanismo psíquico, está confrontada com as suas próteses tecnológicas, com os smartphones, os computadores e a Internet, onde toda a memória do mundo, que dantes era representada pela biblioteca e o arquivo, está armazenada. Porque a memória e as manifestações da sua hegemonia (bem visível na obsessão pelo património, na imparável inauguração de museus, na agenda pública das comemorações e dos balanços) marcam a nossa época, com um perfume de decadência, dedicamos a ela o «Assunto» deste número da Electra.