Muitas vezes, pensamos na Acrópole de Atenas como se tivesse sido sempre como a conhecemos, ou melhor, como se tivesse perdido algo do seu esplendor original apenas com o passar do tempo. E, face às reivindicações recorrentes dos governos gregos que exigem o retorno dos mármores que Lord Elgin levou do Parténon para Londres, e que estão hoje no British Museum, muitos acreditam que essa perda foi o único ou o maior momento do declínio que teria posto fim, de um momento para o outro, à beleza perfeita da Acrópole de Péricles. Não é bem assim. A Acrópole foi, ao longo dos séculos, o núcleo de um jogo de montagem e desmontagem; e foi o cristianismo, ao transformar o Parténon em igreja e ao transferir a tomada de posse do bispo para o Propileu, que alterou radicalmente o seu aspecto. Nessa altura, o Parténon foi muito modificado: foi-lhe retirada a imponente estátua de Atena, em marfim e ouro, foi fechada a entrada principal, a nascente, e foi aberta uma nova entrada na parte oposta; foi construída uma abside no interior da cela e as colunas exteriores foram unidas umas às outras por um muro (como acontece ainda hoje na Catedral de Siracusa, um templo contemporâneo do Parténon).

O problema não é só o livro ter mais de trinta anos e não haver uma única tradução portuguesa disponível. Não é caso raro, embora seja mais difícil de explicar que nem no Brasil, um país muito dinâmico intelectualmente, uma editora qualquer, de nicho ou universitária, tenha a obra à venda. O problema, argumentava, é que a tese de que os media dependem de uma economia política que pretende fabricar a anuência, publicada pelo economista Edward S. Herman e pelo linguista Noam Chomsky em 1988, é o último grande contributo crítico num tema em que a crítica é generalizada.

Os números são a cifra da harmonia universal, da criação divina, da magia, mas também da racionalidade científica, do cálculo e da técnica. O saber críptico por excelência exprime-se em números, como se fosse a emanação de um deus matemático. A nossa época é pouco dada à numerologia, mas obcecada com a quantificação, sob a forma das estatísticas, que se tornaram o principal instrumento da governação, dos rankings, dos ratings e da avaliação generalizada como modo de gestão dos recursos materiais e humanos. É precisamente porque os números ganharam na nossa época um poder dominante no mais alto grau, ao ponto de a política se ter tornado uma pequena província da economia, que a Electra dedica a este tema um dossier que ocupa a secção «Assunto». Nele encontramos artigos sobre a filosofia do número, sobre as formas de arte digitais, sobre a moderna governação através dos números, sobre a história do algoritmo e o seu funcionamento nas redes digitais. Estas estações obrigatórias permitem uma variedade de incursões num imenso universo que no nosso tempo — o tempo do digital — entrou em expansão. Todas as imagens apresentadas neste dossier dedicado aos Números são de obras de António Sena. No seu trabalho artístico de mais de meio século, os signos de números e letras captam as tentativas, conseguidas ou falhadas, de legibilidade do mundo e de tudo o que nele acontece, mas também interrogam as exigências, potencialidades e ilusões da comunicação humana, na variedade das suas linguagens. Ao convidar António Sena para esta colaboração, a Electra presta reconhecimento a um artista que, através de uma pesquisa intelectual e de uma prática artística, feitas de integridade e persistência, criou uma obra de grande coerência formal e de valiosa singularidade na arte contemporânea.

O dossier temático que publicamos neste número da Electra responde a uma característica fundamental do nosso tempo: há um império dos números em todos os sectores da sociedade e da esfera política e são eles que determinam as decisões de gestão tomadas pelos governos, os planos económicos, as medidas sociais , os programas culturais, as orientações educativas, as directrizes para a investigação científica. Enfim: tudo à nossa volta se move por imposição numérica e não há território que lhe possa escapar.

Na área da teoria política, há hoje uma discussão muito acesa sobre as metamorfoses e o destino da forma partido, essa instituição que teve um papel fundamental na construção do corpo político moderno, mas que, enquanto partido de massas, chegou ao seu fim. Para entrar nessa discussão, convocámos dois «politólogos»: o sociólogo Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e Damiano Palano, professor de Filosofia Política e autor de Bubble democracy. La fine del pubblico e la nuova polarizzazione. Duas reflexões que coincidem muito no diagnóstico, mas se afastam por vezes nas conclusões que dele retiram.

Um verso de Goethe, citado de passagem por Hannah Arendt num ensaio sobre Brecht, onde a filósofa analisa de maneira muito crítica os efeitos do empenhamento político e ideológico do poeta nalguns dos seus poemas e peças, é aqui objecto de um comentário — por José Maria Vieira Mendes, membro do Teatro Praga, autor de peças de teatro, de ensaios e de um muito singular diário (Arroios. Diário de um Diário, Dois Dias, 2015) — que não podia ignorar a mediação de Arendt.

Youssef Rakha é escritor, jornalista, crítico literário, editor e fotógrafo. Nasceu e vive no Cairo, tendo estudado Inglês e Filosofia no Reino Unido. A sua obra, reconhecida e premiada, dá ao árabe a oportunidade de uma ousada renovação e reinvenção linguística. Nela, o Cairo é uma cidade que se descobre a si própria. Além da ficção, este autor, que cultiva muitos interesses e pratica várias actividades, tem escrito muito sobre a relação entre fotografia e literatura. Na conversa que aconteceu no Egipto, os fotógrafos e editores André Príncipe e José Pedro Cortes falam com Rakha de política, de religião, de arte, de viagens, da vida — da infelicidade a que fugimos e da esperança que nos foge. Com este trabalho em que as palavras e as imagens se desafiam, Príncipe e Cortes continuam a série que iniciaram com Hisham Mayet em Tânger, publicada na Electra 7.

Para Álvaro Siza, o desenho é o seu entendimento com o mundo e consigo-mesmo. Este arquitecto de grande renome, que recebeu o Prémio Pritzker em 1992, com obras em tantos países do mundo, não pára de desenhar o que olha e o que imagina: edifícios, objectos, corpos, rostos, figuras (a dele muito), animais, paisagens, visões, sonhos, sentimentos. Os seus desenhos vêem e fazem ver. Escutam e perscrutam. Brincam e divertem-se. Mencionam e medem. Pensam e meditam.

Dar tempo ao tempo é saber tirar de nós e do mundo, criando-as, as ideias, as palavras e as imagens que o fixam na sua resistente imutabilidade e o prolongam na sua insolente mobilidade. É por isso que Parménides, o mestre do ser, e Heráclito, o filósofo do devir, mantêm entre si um diálogo e uma disputa que Electra escuta com os seus ouvidos atentos. 

O filósofo italiano escreveu um livro sobre Hölderlin, sobre a segunda fase da sua vida, a fase da loucura, de 1806 até 1843, ano da morte do poeta. Foi, durante trinta e seis anos, habitante de uma casa junto ao rio Neckar, em Tubinga, sob os cuidados do carpinteiro Ernst Zimmer e a sua mulher. O que significa habitar, o que é uma vida «habitual» e «habitante»? Esta é a questão central do livro de Agamben, lido aqui por Bernardo Vaz de Castro.