Partindo de casos que provocaram algum escândalo, a socióloga Gisèle Sapiro prossegue neste artigo a questão que dá o título ao seu livro, Peut-on dissocier l’oeuvre de l’auteur?, e avança nas respostas possíveis, que variam conforme os casos, a uma outra complexa questão: o que fazer à obra quando a conduta pessoal do seu autor é censurável?

«A vida é um jogo»: assim se pode enunciar o princípio que determina uma gamification generalizada do mundo em que vivemos. É sobre esta problemática, que convoca a noção de homo ludens, que escreve Claire Siegel, professora na Universidade Paul Valéry, de Montpellier, cujo trabalho tem incidido sobre a relação entre os videojogos e as artes plásticas.

Este diário anda entre o Líbano e a Argentina, entre o pai e a mãe, o amor e o sexo, a liberdade e a ameaça, a vida e a morte. O autor chama-se Anthony El Chidiac, nasceu em Beirute há 32 anos e é realizador de cinema. O seu documentário Room for a Man [Espaço para um homem] foi visto e premiado em Portugal. De uma beleza sombria e de uma força inocente, fala do medo e da vontade de ser o que se é, num mundo privado e público onde a homossexualidade é condenada. Neste «Livro de Horas» que escreveu para a Electra, Chidiac diz: «Nasci e cresci no seio de uma família destroçada, numa sociedade dividida, num corpo e num espírito não conformes às normas de género.» Há neste diário os ecos de um mundo em crise. Há uma confissão que se torna acusação, uma exactidão seca que procura a sua fuga. A isto podemos chamar poesia.

A pandemia da covid-19 e as consequências sobre as nossas vidas arrastam-se, tornando-se uma «anormalidade normal», com a sua trágica melancolia e a sua desesperante monotonia. No seu romance A Peste, um clássico da literatura existencialista escrito como crónica da vida quotidiana durante uma epidemia, o escritor Albert Camus usa a doença, o contágio e o medo para uma poderosa meditação filosófica sobre os comportamentos humanos. Ensaísta e cronista, Sebastian Dieguez é neurocientista da Universidade de Friburgo e tem-se ocupado, no seu trabalho de investigação, da relação entre psicologia, ciências cognitivas e literatura. Nesta edição, comenta uma passagem do livro de Camus.

Biógrafa reconhecida e professora de Escrita de Biografia na Universidade Nova de Lisboa, Maria Antónia Oliveira fala aqui da sua experiência de autora de biografias literárias e artísticas, reflectindo sobre a relação que se vai construindo entre biógrafo e biografado. Neste ensaio, que assume em certas passagens um tom intencionalmente autobiográfico, as questões da ligação entre vida e obra são perspectivadas historicamente e pensadas com uma clareza astuta.

Retomando uma célebre citação da Correspondência de Flaubert, de que Marguerite Yourcenar fez o ponto de partida das Memórias de Adriano, o historiador alemão e professor universitário da Antiguidade Grega e Romana, autor de uma vasta e reconhecida obra, Benedikt Eckhardt aclara o que actualmente sabemos de um passado que não passa e que ressoa no nosso presente.

Vivemos sob o império das narrativas. É certo que isto não é novidade, homo sapiens é desde sempre indissociável de homo fabulator. No entanto, na era da pós-verdade o imperialismo narrativo tem vindo a expandir-se e a intensificar-se (lembramos que «post truth» foi designada em 2016 palavra do ano pelo dicionário da Oxford University Press).

A socióloga francesa Nathalie Heinich, autora de Ce que n’est pas l’identité, defende nesta entrevista o «universalismo» contra as especificidades identitárias. Pelas suas posições públicas, tem estado envolvida em enormes polémicas, explicáveis pelo modo como estas questões, olhadas durante muito tempo, no ambiente intelectual francês, como um produto nefasto dos vários studies desenvolvidos nas universidades americanas, desencadearam ultimamente uma autêntica «guerra civil».

O território da arte moderna e contemporânea é hoje dominado por instituições que operam a transferência simbólica de uma nova «aura» da arte para os produtos de luxo e vice-versa. O resultado é uma circulação colossal de dinheiro em torno de obras e artistas que são integrados na lógica especulativa dos produtos enriquecidos.

Dividida (ou multiplicada) entre Lisboa e Trás-os-Montes, entre a cidade e o campo, a pintora Graça Morais vem mantendo, ao longo dos anos, um diário intermitente, onde regista, em imagens e palavras, as suas impressões e as suas reflexões sobre o que vai vendo e o que vai vivendo. Nesse diário, desenha os frutos da terra, as figuras dos animais, os rostos humanos ou as vítimas da guerra, acompanhando essas anotações visuais de comentários verbais directos e velozes. Neste «Livro de Horas», dão-se a conhecer, correspondendo a tempos diferentes, algumas páginas inéditas dos cadernos dos diários da artista, que correm ao lado de uma vasta e reconhecida obra, desenvolvendo com ela um diálogo descontínuo, mas incessante e esclarecedor.