O mercado neoliberal apresenta-se como um cosmos, uma ordem, na medida em que governa as condutas individuais e apela por isso a uma antropologia. Assim, ele actualiza a concepção de que o homem nunca será o patrão do seu destino e pressupõe que tudo é quantificável e, portanto, sujeito ao governo do algoritmo: esta é a tese que Dario Gentili, filósofo, professor na Universidade Roma Tre, autor, entre outros, do livro Crisi come arte di governo (uma genealogia do conceito de crise), desenvolve neste texto.

O autor de Knowledge and the Philosophy of Number (2020), Keith Hossack, professor de Filosofia em Birkbeck, Universidade de Londres, explica neste artigo algo que parece muito elementar, mas que é de uma enorme complexidade para um leigo: o que é um número, o que é contar e como a quantidade infinita de números é análoga à mente de Deus, o supremo matemático.

Uma afirmação de Noel Gallagher, antigo vocalista dos Oasis, é aqui comentada pela investigadora de comunicação política Susana Salgado, advertindo-nos que, neste tempo de «sobre-democratização do individual», «as emoções tomam precedência sobre os factos».

Neste diário da cantora e compositora Lula Pena, a reinvenção das palavras («Não encontrei o que queria no dicionário…») é uma condição para a reinvenção do tempo («Por vezes é dia de muito e véspera de absolutamente nada»). Num estilo que se vai olhando enquanto se constrói, o texto faz-se de sons e de imagens («Dos vestígios gráficos e fonográficos»). «Os sons são lançados na aventura do escrito e na sua exploração oral, nas suas possíveis escutas», diz a autora. É por isso que este «Livro de Horas» é um livro em que as horas são o tabuleiro de um jogo em que só ganha quem nele apostar tudo o que é.

Reunida num só volume, a poesia de António Franco Alexandre mostra o quão diversa é de livro para livro, e mostra também que respondeu sempre a uma elevadíssima exigência formal, sem ser formalista, e temática, sem ser conteudística, que a tornaram um lugar essencial na paisagem da poesia portuguesa contemporânea.

Acontecer, acontece não encontrar as palavras, embora saibamos onde elas se escondem: debaixo da língua. Parece fácil recuperar as dissimuladas, porque relativamente à mão, é como quem diz, mas não basta destapar-lhes o covil para desatar o nó das palavras esquecidas, abandonadas pela memória. O meu caso? Ao espelho, observei-me a repetir novo- -normal, na realidade um conceito com idade para ter juízo. Podia e devia ignorar estes factos da minha intimidade e assim o farei, sobretudo porque debaixo deste texto aqui impresso existe um outro, brilhante, que nunca verá a luz da tinta no papel, a luz deste túnel do tempo onde nos encontramos com origem no latim para o caso de novo — novum, coisa nunca vista, e normalis, no caso de normal ou o rame-rame sem surpresa.

Dar, ao tempo, os números em que ele se conta e comemora é procurar uma continuidade que junta o futuro ao passado nesse lugar, que nos é tão habitual e tão estranho, chamado presente. É também praticar uma aproximação àquilo a que os antropólogos chamam um domínio simbólico ou, porventura até, uma ordem mágica. Nessa proximidade, tocamos aquela distância onde os surrealistas viram a vida e a liberdade coincidirem no mito que eterniza o instante.

A identidade é a grande questão política do nosso tempo, de tal modo que as reivindicações identitárias passaram a ter um papel importante no espaço político onde se travam batalhas. Género, sexualidade, «raça», etnia, cultura e nacionalidade são territórios que fazem apelo a um sentimento de pertença, ao mesmo tempo que determinam uma luta pelo reconhecimento e uma consciência induzida pelo auto- -reconhecimento. Dir-se-ia que a sensibilidade política que tinha no centro uma ideia de construção da justiça social se viu diminuída face à mudança da sensibilidade moral dos indivíduos. Esta acentuada inflexão trouxe para a cena novos sujeitos, fez aceder a um estatuto de igualdade, em termos simbólicos, mulheres, gays, negros e outros grupos igualmente marcados por uma história de humilhação, subalternização e exploração. Em torno de questões identitárias e da política que a elas tenta responder erguem-se hoje bandeiras e barricadas, perfilam-se amigos e inimigos.

Nesta entrevista por escrito, Éric Marty detém-se nalgumas estações obrigatórias do seu livro Le sexe des Modernes: as consequências do binómio sexo/género, o «trans» como a figura que perturba a teoria do género, e o diálogo crítico com Judith Butler.

Partindo de uma «descoberta» duvidosa de uma estudiosa da literatura clássica francesa, a de que afinal a obra de Louise Labé tem como autores «autênticos» um conjunto de homens, a escritora e artista Olivia Rosenthal escreve sobre o apagamento a que as mulheres foram sujeitas na história da literatura e da arte.