Obsessão memorial, vaga memorial, cultura memorial: assim tem sido chamado um fenómeno do nosso tempo que consiste numa hipertrofia da memória cujas manifestações são culturais, sociais e políticas. Um conceito ligado à psicologia individual — a memória pessoal que, pelo menos desde Freud, sabemos que é incerta e passível de inconscientes desvios — transferiu-se para um âmbito colectivo e expandiu-se como matéria viscosa e dotada de um enorme poder de atracção. De tal modo que a palavra «memória» se tornou um significante-mestre deste nosso tempo que vive no regime do presente a que o historiador François Hartog chamou «presentismo» (e para esta questão da memória, tal como a tematizamos neste dossier da Electra, as elaborações teóricas deste historiador francês sobre os «regimes de historicidade» são muito importantes; por isso, lhe fizemos a entrevista aqui incluída). Mas este nosso tempo dominado pela categoria histórica do presente é, ao mesmo tempo, obcecado pelo passado.