Pensar hoje os media e o jornalismo é pensar um mundo que todos os dias muda ainda mais do que o Mundo. E é pensá-lo na certeza da incerteza. Neste tempo em que todos os poderes se ameaçam como ferozes animais mitológicos a devorarem-se no amor que fazem uns com os outros, o «quarto poder», ou, numa versão mais idealista e radical, o louvado «contrapoder» falou muito do que estava a acontecer e pouco do que lhe estava a acontecer a ele próprio.
 

A paisagem mediática do nosso tempo transformou-se radicalmente com os novos media e as redes sociais: as regras e a configuração do espaço público foram completamente alteradas, as antigas hierarquias foram quebradas, os poderes fragmentaram-se, o real e o virtual, tanto quanto a verdade e a mentira, tornaram-se reversíveis. No início, pensou-se que estava a ser criada uma sociedade transparente, mas hoje é evidente que triunfou a opacidade. Sob esta condição, o jornalismo já não se pode arrogar, como outrora, de ser o «quarto poder» e muito incerto é hoje o poder que lhe resta. Os artigos aqui reunidos procedem ao exercício de pensar e traçar uma cartografia teórica destas e de outras questões.

A relação entre o ver e a razão: é por esta via que Fernando Belo, autor de uma vasta obra que vai dos estudos teológicos à filosofia da linguagem, inicia um comentário da fala de uma personagem de Beckett. Este texto, solicitado pela Electra, foi escrito dois meses antes de Fernando Belo morrer. A sua publicação vale também como homenagem ao homem e ao filósofo com um percurso singular que atravessou, jubilante, saberes e fronteiras disciplinares.

Em 1905, um jovem judeu alemão chamado Albert Einstein, então simples técnico do bureau de patentes e da propriedade intelectual em Berna, publicou cinco artigos que abalaram os fundamentos da física, tornando o seu autor um ícone do século XX, arquétipo do génio e modelo do cientista. Os anos de estudo e formação (1895–1901) deste jovem são fundamentais para se compreender como se deu o milagre do annus mirabilis de 1905 — e dos anos que se lhe seguiram. Esse período, menos conhecido do que outros desta vida fenomenal, é aqui descrito e interpretado pelo historiador das ciências Christian Bracco, autor do recente livro Quand Albert devient Einstein.

Num tempo a que já chamaram o do «império do efémero», o urbanismo efémero é hoje uma necessidade, uma escolha e um sintoma, pondo em causa as nossas concepções habituais de urbanismo e revelando resistências, rituais, desastres, dramas e desvios. O arquitecto e curador chileno Felipe Vera, especialista nos temas das cidades temporárias, que com o arquitecto indiano Rahul Mehrotra participou na Bienal de Veneza de Arquitectura de 2016, fala-nos da outra visão destas cidades que fluem como flui o rio de Heraclito que é o tempo.

Há 100 anos, enquanto a I Guerra Mundial devastava os corpos e os espíritos, o jovem Ludwig Wittgenstein, que nela foi soldado e prisioneiro, acabava de redigir um enigmático, fascinante e difícil livro que, publicado alguns anos depois, se tornou uma das grandes obras da história da filosofia, dando origem a um infinito acumular de estudos e controvérsias. O Tratactus Logico-Philosophicus mudou a filosofia pela maneira radical como a questionou. É isso que nos diz Leonel Azevedo, cujo trabalho filosófico tem sido sobretudo dedicado a Wittgenstein.

O portfólio que aqui apresentamos foi destinado à Electra por um dos artistas mais consagrados e, ao mesmo tempo, mais inovadores do nosso tempo. É também um dos mais sofisticadamente cultos e um dos mais eficazmente comunicativos.

Neste trabalho, William Kentridge alia uma semiologia a uma iconologia e encontra nas palavras o sentido sagrado e o uso profano. Ao pôr estes dois modos frente-a-frente, faz do seu encontro uma indeterminação e uma interpelação. Estas obras são como centelhas visíveis lançadas pelo sopro incessante de um fogo invisível. Por isso, nos são ao mesmo tempo familiares e estranhas.

Alexander Kluge é uma figura excepcional da cultura alemã desde os anos 60 do século passado. Enquanto escritor, cineasta e ensaísta foi sempre, e continua a ser, uma consciência crítica, não apenas em relação à Alemanha, obrigando-a a confrontar-se com os traumas da sua história, mas também em relação a muitos aspectos da vida mutilada no mundo em que vivemos.

Berlim, essa cidade-palimpsesto, grande metrópole e laboratório da modernidade, onde a história alemã ostenta o seu lado mais trágico, foi construída e reconstruída na literatura, no cinema, no teatro, por grandes escritores, grandes cineastas, grandes dramaturgos. Aqui, é o poeta e ensaísta alemão, o mais consagrado da geração pós-Muro, Durs Grünbein, que se coloca à altura das grandes representações literárias de Berlim para descrever a cidade que «ressuscita uma e outra vez dos seus escombros».

O conflito israelo-palestiniano entrou numa fase marcada pela lei que define Israel como «Estado- -nação do povo judeu» e o hebreu como a sua única língua oficial. Uma filósofa italiana, Donatella Di Cesare, e um importante autor francês de estudos literários, Éric Marty, ambos com obra e intervenção pública sobre Israel, o judaísmo e a questão judaica, comentam esta lei, avançando por caminhos diferentes, quanto ao seu sentido, o seu alcance e as suas consequências.

Lohengrin, a ópera de Wagner, foi este ano apresentada numa nova produção, no Festival de Bayreuth. E esse acontecimento foi potencializado pela experiência da sua transmissão live para cerca de uma centena de salas de cinema na Alemanha, promovendo assim uma conjugação da ópera com os meios audiovisuais.

Com Les contes cruels de Paulo Rego, a grande pintora portuguesa é a primeira artista a ter, em vida, uma exposição individual no Musée de L’Orangerie, amplamente notada pela imprensa e louvada pela crítica. Foi também esta a primeira grande oportunidade para os franceses verem de frente uma obra que apenas tinham espreitado. É sobre a história (e a psicologia) da relação dos franceses com esta obra e a sua violência que o historiador e crítico de arte João Pinharanda nos fala, acercando-se de um enigma que talvez agora possa começar a ser desvendado. A decifração desse enigma é um contributo insubstituível para revelar melhor tanto a pulsão de uma obra como o recalcado de uma cultura.

Situando-se na confluência de várias disciplinas e saberes, a vasta obra de Emmanuel Todd, pela ambição do seu alcance e pela originalidade das suas análises e teses, não tem parado de suscitar interesse e de gerar controvérsia. Usando os seus livros como pontos de apoio, Bernardo Futscher Pereira desenha-nos um pensamento que olha o espaço geopolítico do mundo e o tempo da história humana, arriscando responder à pergunta: Onde estamos?
 

A obra de Jorge Molder, que pode ser entendida como uma «série de séries», olha para nós como uma pergunta misteriosa. Nas suas fotografias, há os jogos de sentido que interpelam as convenções, tornando instáveis os conceitos (de realidade e ilusão, por exemplo) e movediços os mapas das nossas geografias interiores. A propósito da publicação de dois livros sobre Molder, Claudio Rozzoni pensa esta obra (a «máquina Molder» e os seus efeitos) e a sua persistência artística e filosófica.

Na Fundação Calouste Gulbenkian de Paris e com curadoria de Helena de Freitas, uma exposição pôs lado a lado e frente a frente, obras de Rui Chafes e de Alberto Giacometti. Ímanes uma da outra, elas atraíram-se e atravessaram o olhar de quem as viu, na evidência do que as aproxima e distingue. Conhecedor das obras de Giacometti e Chafes, o escritor, filósofo e curador Federico Nicolao fala-nos delas e da exposição onde se encontraram.

Por outro lado, depois de visitar a exposição de Paris, o poeta Manuel de Freitas escreveu uma carta a Rui Chafes. O ponto de partida dessa carta é uma citação de Alberto Giacometti que diz a imperfeição, a virulência e a violência da poesia, da pintura e da escultura. O poeta fala-nos da sombra, do silêncio, do abismo e da noite que nesta exposição se tacteiam. E, como acontece sempre com Manuel de Freitas, fala-nos da morte.

Não há transparência sem luz e a associação da luz ao conhecimento é imemorial. Também o vidro, por excelência o sólido transparente, se liga ao saber.