Nesta edição de Electra, o dossier, para falar do nosso tempo, fala da comida. Nos dias que correm e nas horas em que corremos para metas que parecem afastar-se sempre de nós, a comida é hoje um assunto planetário, que atrai e enfeitiça, convoca e mobiliza, fascina e até fanatiza. E que, nalgumas partes do mundo, muitas vezes falta. (...)

Inumeráveis são hoje os discursos sobre a comida e tudo o que a rodeia. Objecto antropológico por excelência, consagrado na fórmula «somos o que comemos», tornou-se um assunto de alto teor cultural e social estudado ao mais alto nível e com um lugar privilegiado nos media e na edição. 

A relação entre o Hospital e a Cidade é o tema deste «Metropolitano». Daniela Arnaut, arquitecta, professora universitária e investigadora no domínio dos «edifícios de saúde» e dos «espaços de cura», convida-nos a seguir uma história que, muitas vezes, por estar em frente do nosso olhar, se torna invisível. Em tempos de pandemia, este ensaio leva-nos a reflectir sobre questões como a da higiene ambiental, e nele figura uma pergunta: será que estamos perante uma nova ordem no espaço urbano?

No centenário do seu nascimento, evocamos a grande escritora brasileira, de origem ucraniana, Clarice Lispector, olhando o tempo que viveu e vendo como esse tempo se reflectiu na sua obra intemporal. O autor deste ensaio é Ricardo Domeneck, poeta, artista visual e crítico brasileiro que vive em Berlim. Nele, fala-nos surpreendentemente da Clarice «política», se dermos à palavra «política» o inabitual sentido do que está antes e é «prévio à cidade dos homens». A obra de Clarice Lispector está aberta sobre outros mundos e nela as palavras são criadas de novo, assim parece acabada de criar a beleza que nos é mostrada nas suas fotografias de uma elegância melancólica.

Foi a deusa das deusas, a esfinge das esfinges, o mistério dos mistérios. Madame Grès brilhou no universo exclusivo da alta-costura parisiense, deixando como legado uma obra marcada por uma incessante busca da beleza absoluta. Os seus longos vestidos drapeados, feitos de mestria técnica e de obsessão, constituem uma profunda reflexão sobre a moda, o tempo e a memória. Quem escreve sobre a vida e a obra desta grande couturière é Anabela Becho, curadora e investigadora da área da moda.

Henning Lundkvist é um artista visual e escritor sueco que vive na capital da Dinamarca. Através da Kharabat, «a última casa de chá do seu género», o autor estabelece uma estranha ligação entre duas cidades tão distantes e tão diferentes: Copenhaga e Cabul. De repente, ficamos mergulhados num universo de sons (musicais também), sabores, imagens e tecnologias, em que espaços e tempos se cruzam numa sinestesia que nos faz viajar, imaginar, divagar. E assim esta «Vista de Delft» se torna uma pintura móvel em que as formas, as figuras e as cores são perseguidas pela ameaça subterrânea das águas.

Nesta entrevista sobre a sua obra e a sua vida, Adam Phillips fala-nos de psicanálise e de literatura — e da relação entre elas, quer na sua actividade pessoal, quer naquilo que as constitui como disciplinas de compreensão humana e intervenção. Autor de uma obra vasta e diversa, é colaborador regular da London Review of Books, do Observer e do The New York Times. Phillips é psicanalista, crítico literário e ensaísta traduzido em muitas línguas. É, actualmente, o organizador das novas obras completas de Freud para a editora Penguin. Nesta conversa ágil, conduzida por Afonso Dias Ramos, o intelectual britânico fala do mundo contemporâneo, das mudanças que aconteceram e daquelas que poderão acontecer. E diz-nos que devíamos ter mais conversas abertas e móveis — e menos conversões fechadas e fixas.

«Era agora a minha vez de repintar com a fotografia uma nova imagem de algumas das obras-primas do Museu do Prado. Como há anos que utilizo a técnica da exposição dupla ou múltipla sobre películas analógicas vi nele a fórmula para construir o meu imaginário.» Na memória descritiva deste trabalho, escrita para a Electra, o conhecido fotógrafo Alberto García-Alix, vencedor do Prémio Nacional de Fotografia de Espanha, conta-nos a sua relação, desde a infância, com o Prado, aonde ia levado pela mãe, e fala-nos do método que usou para criar fotografias a partir das obras do Museu. São algumas dessas fotografias inéditas que apresentamos neste «Furo». Assim se vê como as imagens podem dar às imagens uma continuidade que tanto as vela como as revela, numa viagem feita a um mundo que ora se reconhece ora se desconhece.

Nathalie Quintane e Olivia Rosenthal são dois nomes destacados do campo literário e artístico, em França. A ambas foi pedida uma leitura ou um comentário de uma frase de Virginia Woolf que estabelece uma relação entre a condição da mulher e o acesso à «profissão» de escritor baseada em determinações materiais. Daqui resultaram dois textos que projectam a afirmação de Woolf num horizonte actual.

* Comunicação de Virginia Woolf à Liga Inglesa das Mulheres, 1931.