Uma experiência de juventude numa terra que é, segundo o autor, «O último subúrbio de Lisboa». Narrada na primeira pessoa e filtrada por um olhar que adquiriu, entretanto, a linguagem e as ferramentas analíticas para compreender os ódios e as leis cruéis desse mundo cheio de fronteiras e territórios demarcados, essa experiência adquire aqui um valor paradigmático.

Pessoa tóxica e ambiente tóxico e etc. e já se sabe. Mas uma verdadeira linguagem tóxica é uma linguagem em que o pensamento existe na véspera da frase e a frase vem com forma pré-definida como se fosse não linguagem, mas escultura em pedra transportada pelo colectivo ensinado a ser estúpido com o moderno método infalível.

O trabalho é uma questão maior do nosso tempo, um facto social total e um território de paradoxos: é o que está simultaneamente em falta e em excesso, nesta época em que as tecnologias da inteligência artificial substituem os humanos e lhes retiram os empregos, ao mesmo tempo que a vida dos empregados é cada vez mais subtraída pelo aumento do tempo de trabalho e pela perda de autonomia. O anunciado fim da sociedade do trabalho e as antevisões de um novo regime a que foi dado o nome de «pós-trabalho» não encontraram ainda uma resposta adequada no plano político nem nos hábitos e convenções de todo o sistema social. Mas ganha cada vez mais força a ideia de que é preciso reinventar o trabalho e o modo de o distribuir de maneira a eliminar uma oposição cada vez mais irredutível entre uma elite do trabalho e uma imensa massa de desempregados, precários, intermitentes e supranumerários. As circunstâncias actuais da pandemia vieram dar força ao teletrabalho e ao smart working que, funcionando muito embora no quadro e segundo as regras de um regime de trabalho que desde há muito se revela disfuncional, podem ser o início de uma transformação radical. Esta problemática do trabalho, diversa e irradiando em muitas direcções, constitui a matéria do «Assunto» deste número da Electra.

O trabalho imaterial, as actividades de natureza cognitiva potenciadas pelas novas tecnologias digitais que deram origem ao chamado «capitalismo de plataforma», implicaram uma enorme transformação do mundo do trabalho e um alargamento da precariedade, de tal modo que a tradicional ideia de emprego começa a ser vista como uma coisa do passado: é destas questões que trata este artigo de José Nuno Matos, especialista em sociologia do trabalho e investigador no Instituto de Ciências Sociais, em Lisboa.

Uma pessoa chega ao seu destino depois de uma longa jornada e depara-se com um obstáculo. Posto mesmo entre a pessoa e o seu devir, um enorme corpo rochoso, peso plúmbico, arranha-céus. Não é contornável. Para que o supere, é inevitável que convoque o prefixo trans-, aquele que catapulta, ignora fronteiras e penetra obstáculos. O prenúncio das metamorfoses.

Não há transparência sem luz e a associação da luz ao conhecimento é imemorial. Também o vidro, por excelência o sólido transparente, se liga ao saber. 

Doutorado com a tese «Nanni Moretti enquanto cineasta e personagem», Ivan Nunes escreve sobre Três Andares, o último filme do realizador italiano, um texto em que o conhecimento profundo da obra não desconhece o ponto de vista pessoal que afirma: «Pode ser o primeiro filme de Moretti velho — e é bem possível que, de entre todas as suas fases, o Moretti velho seja o meu favorito.»

Neste diário que Ted Bonin, galerista em Nova Iorque, escreveu para a Electra, o tempo pessoal e o tempo do mundo agarram-se num interminável abraço. Nos dias registados, a presença é uma máquina de ausências. Aqui, o que se encontra vem com o que se perdeu: as obras de arte trazem rostos e os rostos trazem mortes. Por estas palavras que se entristecem e alegram, passam as perguntas que o tempo faz à arte e à vida. São dias atravessados pelos brilhos e pelos escuros de uma cidade onde tudo não cessa de acontecer. No final, há um nome que não se pronuncia — e o silêncio é a voz de uma ameaça.

Trieste, a cidade de fronteira e de cruzamento de culturas, estação marítima da Mitteleuropa habsbúrgica, berço de um ambiente cultural e literário de extraordinária riqueza, é aqui revisitada por quem conhece bem a brilhante constelação triestina.

A amizade entre o sociólogo Gilberto Freyre e o historiador Sérgio Buarque de Holanda encontrou correspondência nas obras com que cada um tentou pensar o Brasil a partir da noção de trópico e do excepcionalismo lusitano, respectivamente Casa-grande & senzala (1933) e Raízes do Brasil (1936). Mas depois, o segundo desvia-se completamente dessa maneira de pensar o espaço brasileiro e, com a noção de fronteira, entra em rivalidade duradoura com o seu amigo. A essa divergência devemos duas visões distintas do Brasil, aqui analisadas e postas em confronto por Luiz Feldman, diplomata brasileiro e autor de Clássico por amadurecimento: estudos sobre Raízes do Brasil.