Os dois «Livros de Horas» que publicamos nesta edição da Electra falam dos dias que antecederam o final da eleição presidencial e em que o Brasil fez voltar para si os olhos do mundo. A autora de um deles, Flora Thomson-DeVeaux, nasceu nos Estados Unidos e vive no Rio de Janeiro. É escritora, tradutora e directora de pesquisa da Rádio Novelo. O autor do outro diário, Rodrigo Nunes, é professor universitário no Brasil e no Reino Unido, sendo autor de uma vasta e referida obra sobre filosofia e ciência política. Num tempo de risco, ansiedade e expectativa, todos os momentos foram vividos com uma intensidade tensa e dramática. Nestes diários, aparecem a vida e a política, com o confronto entre Bolsonaro e Lula, observadas por dois olhares que se distinguem e completam. Estão também pessoas, animais, livros, filmes e os gestos quotidianos que alcançam a força dos símbolos que perduram para além dos dias que passam.

Não consigo te explicar direito o que eu ando sentindo sem voltar para uma noite seis anos atrás. Eu ainda estava morando em Providence, nos Estados Unidos, fazendo meu doutorado em estudos portugueses e brasileiros na Universidade Brown. Naquela noite de Novembro de 2016, assisti à apuração das eleições presidenciais americanas na casa do brasilianista e historiador James Green. Tinha cerveja, petiscos, e um convidado de honra: o deputado Jean Wyllys, então o único legislador abertamente gay no Congresso brasileiro.

As primeiras duas semanas após o primeiro turno foram de ansiedade e tensão; nunca uma vitória teve tanto sabor a derrota, um gosto amargo de que novamente a realidade nos atingia desde um ponto cego. Eu nunca acreditara que as coisas fossem tão fáceis quanto as pesquisas sugeriam, mas ainda assim tomara um susto quando os resultados de lugares como São Paulo e Rio de Janeiro começaram a sair e a força do bolsonarismo, mesmo após quatro anos de um Governo que parecia tão auto-evidentemente desastroso, se mostrou bem maior que o imaginado. A ilusão que muita gente alimentava — de que ainda vivíamos essencialmente no mesmo país que elegera quatro governos sucessivos de centro-esquerda, de que tudo poderia voltar ao que era e de que este não seria mais que um hiato ruim — se desfizera de vez.

Sobre uma figura muito singular de artista, Jaime Fernandes (1899–1969), escreve João Pedro Fróis, professor e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Internado em 1938 no «Manicómio Bombarda», mais tarde chamado Hospital Miguel Bombarda, Jaime permaneceu aí até morrer. Os seus desenhos sobre papel, a caneta, esferográfica ou a tinta tornaram-no um representante notável da «arte bruta», que o cineasta António Reis consagrou num filme de 1974 intitulado precisamente Jaime.

José Miranda Justo, germanista, tradutor e artista, comenta aqui uma frase retirada de Cartas a um Jovem Poeta, de Rilke, que ele próprio traduziu, onde se trata da relação complexa da obra de arte com a crítica.

A exposição de Yves Klein sobre o vazio foi apresentada há sessenta e cinco anos, em 1958, na Galerie Iris Clert, em Paris, e é considerada um momento fundamental da história da arte. Este ensaio de Steffen Dix faz dela o ponto de partida para uma viagem pessoal de interrogação sobre o lugar do vazio na arte e na filosofia. Ao nome de Klein, juntam-se aqui os de Giorgio de Chirico, com a sua pittura metafisica, de Friedrich Nietzsche, com a sua filosofia de afirmação da vida como obra de arte, e de Fernando Pessoa, com os seus heterónimos e a sua cidade. Steffen Dix é um investigador alemão e professor universitário. Especialista em história religiosa e modernismo na Europa, é também tradutor e autor de reconhecidos estudos sobre Fernando Pessoa.

Uma das pensadoras da imagem e do visual mais consagradas da actualidade, a filósofa francesa Marie-José Mondzain, enveredou recentemente pelo território da palavra escrita, abordando a obra de Kafka num surpreendente ensaio sobre a possibilidade da descolonização a partir da ficção literária. Afonso Dias Ramos escreve sobre o seu último livro, K como Kolónia: Kafka e a descolonização do imaginário.

Aqueles que julgam que o futuro será sempre pior do que o presente podem recuar 2500 anos e descobrir na Atenas clássica influencers diletantes, se por tal se entender aqueles que, aparentemente, ganham a vida sem fazer a ponta de um corno. Sócrates não escreveu uma única palavra — pelo menos que conste — e, no entanto, é um marco na história da filosofia. Portanto, não nos alarmemos com a actual enxurrada de influencers, mas sim com as pessoas facilmente influenciáveis.

Dar tempo ao tempo é saber tirar de nós e do mundo, criando-as, as ideias, as palavras e as imagens que o fixam na sua resistente imutabilidade e o prolongam na sua insolente mobilidade. É por isso que Parménides, o mestre do ser, e Heráclito, o filósofo do devir, mantêm entre si um diálogo e uma disputa que Electra escuta com os seus ouvidos atentos. 

Valerio Olgiati é um conhecido arquitecto suíço e professor em prestigiadas universidades. Com uma carreira internacional e uma obra de referência, tem-se distinguido quer na prática da arquitectura, quer no pensamento sobre ela. Neste portfólio seleccionado para a Electra, apresentam-se imagens de alguns dos seus mais representativos projectos. Sobre esta obra, e num diálogo entre gerações, escrevem três alunos da Accademia di Architettura di Mendrisio, na Suíça italiana, onde Olgiati é actualmente professor.