«O projecto de Daniel Malhão que ostenta o portentoso título O Problema da Habitação é um conjunto de imagens que resultam de um processo permanente de deambulação pela cidade. Em rigor, por duas cidades: Lisboa e Viena […]. Sem nenhum programa senão poder deter-se tempo suficiente para olhar para o que não tem história, ou para o que tendo não foi por ela que foi captado.» Quem assim apresenta a colecção de fotografias que constitui este «Metropolitano» é o crítico de arte e curador Delfim Sardo, num ensaio que é ele próprio uma deambulação pela História da Fotografia, que conduz à história destas fotografias. Representado em importantes colecções e com uma obra mostrada em várias exposições nacionais e internacionais, Daniel Malhão é um reconhecido fotógrafo português contemporâneo, cuja obra tem sido marcada por uma estreita ligação da fotografia com a arquitectura.

O tema do dossier que elaborámos para este número da Electra enuncia-se numa dicotomia que é quase um matriz das diferenças arquetípicas: cidade–campo. Impõe-se no entanto afirmar à entrada, quase em jeito de aviso aos incautos, que esta dicotomia, mantendo muito embora o seu valor expressivo e simbólico cristalizado pelas nossas representações binárias, já não tem a pertinência e o teor operatório de outrora. Tal polarização continua acesa na nossa imaginação e corresponde até a um ideal, mas em muitos aspectos já não corresponde à verdade do seu sentido original: o campo está cada vez mais semelhante à cidade ou, pelo menos, acolhe cada vez mais modos de trabalho e estilos de vida urbanos. Como escreveu há mais de uma década o arquitecto holandês Rem Koolhaas, num texto que intitulou precisamente Countryside, até «o cultivo da terra é agora uma prática digital».

Às megalópoles cada vez mais numerosas e às várias formas de desastre urbano com que estamos hoje confrontados, Thierry Paquot, autor de Mesure et démesure des villes e de outros livros sobre questões do urbanismo contemporâneo, opõe o conceito de «biorregião», num tempo em que se tornou evidente que a escala das grandes cidades as torna frágeis em todos os domínios, especialmente quando é preciso enfrentar um vírus invisível.

O filósofo australiano Jeff Malpas questiona neste texto o sentido de uma antiga e persistente oposição entre a cidade e o campo (dois territórios que as muralhas da cidade antiga delimitavam) numa época, a da sociedade moderna, em que se deu o processo de urbanização total, de tal modo que o campo, tendo sido rasurado, surge hoje como uma realidade a redescobrir.

A geógrafa suíça Joëlle Salomon Cavin, professora na Universidade de Lausanne, retoma neste artigo um tema que tem sido o seu objecto de investigação privilegiado: a hostilidade em relação à cidade, no contexto suíço, inscrita numa história e numa cultura, mas que a covid-19 fez emergir com maior força.

A entrevista que aqui publicamos com Yves Cabannes centra-se num conceito que já tem cento e vinte anos, mas que ganhou nos últimos tempos, tanto por efeito da pandemia como das alterações climáticas, uma grande actualidade: o conceito de «cidade-jardim». Este urbanista e especialista do planeamento urbano tem contribuído para a reactivação deste conceito, especialmente através de um manifesto em favor das cidades-jardim do século XXI, que publicou em 2014 com Philip Ross.

Raul Cerveira Lima é investigador em poluição luminosa no Instituto de Astrofísica e Ciência do Espaço, Universidade de Coimbra. Este campo de investigação forneceu-lhe matéria e motivos para intervenções públicas pela eliminação dos factores que causam a poluição luminosa, uma forma de poluição de que pouco se fala. Este texto inscreve-se nessa defesa da noite, eliminada do campo pela imposição da lógica da vida urbana.

O encontro e o diálogo já antigo entre o crítico e ensaísta italiano Alfonso Berardinelli e o poeta, ensaísta e romancista alemão Hans Magnus Enzensberger é um exemplo de afinidade electiva cheia de consequências, por exemplo num livro que tem a autoria de ambos: Che noia la poesia. Pronto soccorso per lettori stressati (2006). Este texto de Berardinelli sobre o Enzensberger ensaísta prolonga esse fecundo encontro.

Por circunstâncias biográficas, o historiador de arquitectura e escritor Paulo Varela Gomes foi durante mais de uma década um habitante e observador do campo e da vida no campo. Essa experiência ofereceu-lhe abundante matéria de reflexão e foi para ele, desde sempre mergulhado nas questões e na cultura da cidade, um desafio teórico importante, como se pode perceber nesta passagem de um dos seus textos onde ocorre esta problemática.

Esta é uma original história inédita, destinada à Electra pelo seu autor. Com romances, contos e livros de não-ficção publicados, Navtej Sarna é um reconhecido escritor indiano. O seu recente romance-histórico Crimson Spring tem sido aclamado pela crítica. É colunista regular sobre assuntos literários e políticos. Diplomata prestigiado, representou a Índia em diversos países, tendo sido seu embaixador nos Estados Unidos, no Reino Unido e em Israel.