Os Gregos são conhecidos por respeitarem o «princípio de antiguidade»1. Vem-nos logo à memória, entre milhares de exemplos, o «velho Nestor» dos poemas homéricos, com a sua propensão para as intervenções um pouco longas e para a evocação das suas memórias, mas unanimemente respeitado; o conselho dos anciãos (Gerousia) em Esparta; ou o seu equivalente, nas Leis de Platão, o conselho nocturno. Quanto aos Romanos, sempre apregoaram o valor que atribuíam ao mos majorum, os costumes e as leis não escritas transmitidas pelos seus antepassados. Recordavam regularmente as virtudes da Roma de outrora, sobretudo quando a República estava à beira do colapso e Roma desabava sob o peso das suas vitórias.
Os Gregos opunham os palaioi (os antigos, os velhos, os de antigamente) aos neôteroi (forma comparativa de neos), os mais jovens. Estes são descritos em relação aos primeiros como «mais novos». Mas este mesmo comparativo é também utilizado para designar uma rebelião ou uma revolução, e o verbo neôterizein significa «tomar novas medidas», isto é, fazer uma revolução. Não se deve deduzir daqui indícios de uma valorização excessiva do que é recente; pelo contrário, devemos resguardar-nos ao máximo do novo! A respeito dos antigos, várias estratégias eram possíveis, mas aos antigos não respondiam os «novos» ou os «modernos». Sempre houve antigos, mas ainda não havia modernos. Afirmar ser mais jovem e querer ser reconhecido como tal implica demarcar-se do grupo daqueles que vieram antes, que nos precederam, que são mais velhos: os antigos, portanto. Mas mesmo marcando o seu território, nem por isso os mais jovens deixam de ocupar o lugar dos antigos. Simplesmente, durante uma geração eles vêm depois, mas não estão lá para «fazer algo novo».
Ernst Robert Curtius mostrou que o neologismo modernus só apareceu no final do século v. Formado a partir do advérbio modo, «recentemente» — como hodiernus, «de hoje», o era a partir de hodie —, o adjectivo modernus, recente, resvala para o sentido de agora, actual, do presente2. No século vi, Cassiodore recorreu ao nome antiquitas para o aplicar ao passado romano (antigo) e valorizar a sua exemplaridade para os saecula moderna, ou «nosso tempo» (nostra tempora). Dois séculos mais tarde, a época de Carlos Magno poderá intitular-se, pela boca de alguns dos seus representantes, de século moderno. A entrada em circulação da noção de moderno tornou possível um deslocamento. Com efeito, o moderno deixou de ser apenas, ou simplesmente, aquele que vem depois. Ao afirmar-se como de agora, ele fica como que desalinhado e instaura um hiato (senão mesmo uma fenda) em relação ao que vem antes, o antigo. É este hiato que permite encarar positivamente o novo, que já não tem de ser desvalorizado à partida ou visto como suspeito precisamente por ser novo. Mas nada estava ainda definitivamente decidido no século vi ou mesmo no século viii.
Com a entrada em cena de modernus, o binómio Antigos-Modernos está lançado, assim como as querelas que vão pontuar, ou melhor, fazer a sua história. Não houve, certamente, apenas uma querela, uma longa e contínua querela da renovação Alta Idade Média até ao fim do século XVII, mas querelas, com formas e problemáticas muito diferentes. Estes Modernos são ainda os primeiros modernos, homens do seu tempo, que se contentam em marcar uma fronteira (móvel) com os Antigos: uma fronteira do presente. A partir do final do século XVIII, os segundos modernos serão habitados pelo futuro: para serem plenamente de hoje, terão de se virar para o futuro. De hoje, porque já de amanhã. Contudo, pelo simples facto de apelarem a esta forma de binómio, de atribuir a uns a posição de Antigos e a outros a posição de Modernos, os sucessivos protagonistas serão, durante muito tempo, como duelistas que voltam a resolver as suas velhas querelas no mesmo campo.
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