José Marmeleira, crítico de arte e professor na Escola Superior de Artes e Design (Caldas da Rainha), escreve sobre um livro recente de Hal Foster, um dos mais importantes críticos e historiadores de arte norte-americanos, membro da revista October, já entrevistado na Electra (n.º 22, Outono 2023). Está em jogo nesse livro o binómio arte-crítica.

Foi outrora o erudito por excelência, o filólogo, o exegeta. Todos eles decifravam e interpretavam textos antigos, obscuros ou muito especializados. A Bíblia é certamente o texto que mais comentadores e comentários convocou até hoje. E inumeráveis são os livros antigos autodesignados como commentarii, nome que os inscrevia imediatamente num género, com as suas regras tão específicas como uma gramática. Essa tradição chegou até nós, completamente «secularizada», sob a forma do comentário de texto, um exercício que faz da leitura e da interpretação de textos literários um objectivo clássico, mas em extinção, do sistema escolar e universitário.

Falar, de novo, do novo é pedir ao tempo que nos dê as palavras com que ele se torna outro — ou com que se nos mostra diferente no seu fluxo, entregando-nos os signos que poderiam dizer como Arthur Rimbaud: «Je est un autre.» É nesse movimento de mudança, ruptura, revolução, heresia, revelação, que os verbos, com os seus tempos, passam do passado ao futuro e que os nomes, com os seus poderes, nomeiam o que está a nascer, a emergir, a romper, a mostrar-se, a dizer-se.

A partir de uma frase, que se tornou clássica, de Charles Péguy, o escritor Christian Salmon, que foi assistente de Milan Kundera, reflecte, com grande originalidade, sobre a relação da nossa actualidade com a Antiguidade grega, tendo presente «a nostalgia dos Antigos e a apetência pós-moderna para os heróis e as histórias».

Uma das características da nossa época, que pode ser observada em muitos domínios e a partir de diferentes postos de observação, é a tendência — e esta palavra, em si mesma, já faz parte do complexo — para cultivar e conceder os maiores privilégios a tudo o que se apresenta como novo, que se conforma ao regime geral da novidade como imperativo social e cultural. O novo, neste regime, não é o que interrompe o curso do mundo e do tempo (como foram os fenómenos que seguiram o modelo da revolução; por exemplo, as vanguardas artísticas), mas o que se adequa perfeitamente ao espírito da época, à futilidade do tempo, à «neopatia» vigente. Assim, a atitude que promove o novo como um grande imperativo que se forma na superfície da actualidade não é incompatível com uma posição conservadora. O novo como mandamento satisfaz plenamente os desejos de homogeneização que habitam inevitavelmente a cultura, num tempo em que até a patrimonialização e a museificação tentam inventar factores de novidade.

Para o «Assunto» deste número da Electra, escolhemos um tema que, por definição, é sempre actual: «o novo». E, para desenvolvê-lo em várias direcções, contámos com os preciosos contributos de autores vindos de várias áreas do conhecimento e do saber: Boris Groys (sob a forma de uma entrevista), crítico, teórico da arte e dos media e filósofo; François Hartog, historiador; Iwan Rhys Morus, historiador da ciência; Lionel Ruffel, crítico e ensaísta na área da teoria e dos estudos literários; Nuno Nabais, filósofo.

Ninguém melhor do que o autor de Chronos, L’Occident aux prises avec le Temps, o grande historiador François Hartog, poderia escrever sobre o modo como surgiu e como evoluiu a noção de novo e de moderno; ou como se estabeleceu a oposição, que iria resultar numa querela de séculos, entre o Antigo e o Moderno; ou quando o novo passou a suscitar um olhar positivo. Este modo de investigação histórica que deve muito à filologia, como se pode ver neste artigo, é uma marca do método historiográfico de Hartog.

Nesta entrevista, o consagrado filósofo Boris Groys fala sobre a questão do novo — um tema que tratou com enorme argúcia no livro Über das Neue. A entrevistadora, Catarina Pombo Nabais, é autora do livro Philosophical Conversations – Towards Self-Design, que é uma longa conversa com Groys.

O conceito de «novo», tal como é entendido na filosofia, na ciência e na arte, tem uma longa história que começa com a noção de desvio, que Lucrécio identificou como origem de todas as formas do novo. Nuno Nabais, professor de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, percorre algumas etapas dessa história para chegar à complexa concepção do novo no pensamento filosófico e científico contemporâneo.

Escrito poucos dias antes das eleições legislativas em França, este texto de Lionel Ruffel — ensaísta, investigador e professor de Literatura na Universidade Paris 8 — responde com emoção à situação política da crise, e à expectativa que ela engendrou, no país que fez emergir o novo por excelência, sob a forma da «revolução».