Em Veneza, a Bienal torna-se o centro de um mundo. O Palácio Cavalli Franchetti, este ano Pavilhão de Portugal, está neste momento habitado pelos vampiros criados por Pedro Neves Marques. É a partir desta instalação narrativa, andando com ela para trás e para a frente, que se constrói este «Livro de Horas», feito de evocações e meditações, de ficções científicas e reflexões poéticas. Não-binário, Pedro fala-nos de «um futuro no qual a gestação não estará mais associada ao género e categorias de feminilidade e masculinidade serão irrelevantes». E acrescenta: «Ecologia, género, antropologia, a incorporação de tecnologias numa cosmotécnica, saúde e sexualidade são palavras que foram usadas, e que também eu usei, para pensar o meu trabalho.»

A cidade contemporânea é habitualmente vista como um espaço civil, profano e laico, que se opõe ao espaço rural, religioso e ritualizado. No entanto, os vínculos entre o espaço urbano e o fenómeno religioso tiveram uma grande importância histórica e continuam activos nos nossos modos de viver a cidade. «A relação entre cidade e religião é marcada por uma grande tensão», diz, neste seu texto, Jörg Rüpke, professor universitário alemão, dirigente do Max Weber Centre, especialista em estudos religiosos e autor de várias obras sobre estes temas.

Duas posições antagónicas sobre o RBI são convocadas nesta secção dedicada à manifestação de oposições e a confrontos ideológicos. A ideia de um rendimento básico atribuído a todos os cidadãos é hoje objecto de uma discussão pública cada vez mais intensa e alargada, em que as posições contra e a favor atravessam a Direita e a Esquerda, desalinhando fronteiras tradicionais. 

O filósofo italiano Enrico Campo, autor de um livro — La testa altrove — sobre a crise da atenção na sociedade digital, discute neste artigo a ideia da atenção como recurso em processo de degradação, encontrando assim argumentos para contestar os lugares-comuns segundo os quais estamos à beira de um apocalipse cognitivo.

A nova configuração do espaço mediático desenhada pelos media digitais, impondo o regime da resposta imediata, tem consequências notáveis. Partindo deste quadro, Jacinto Godinho, jornalista de investigação, autor de grandes reportagens para a Rádio e Televisão de Portugal (RTP) e professor de jornalismo escreve sobre a relação necessária, mas geradora de muitos equívocos, entre jornalismo e ficção.

Uma vez postas em circulação, certas palavras causam estranheza a quem tem hábitos de escrita. Umas vieram para ficar e instalam-se. Outras adejam mas não pousam e, mais cedo ou mais tarde, levam sumiço. Há quem invoque, a propósito, uma misteriosa e justiceira «índole da língua». Mas talvez fosse mais apropriado recorrer ao sentido prático. Dão jeito, é o que é… Pode ser, até, que a tal «índole da língua» venha a propósito.

Henry James é um grande escritor dos anos em que o século XIX passa para o século XX. Profundo conhecedor da psicologia humana e refinado estilista, foi o criador de uma vasta obra, poderosa e prenunciadora, na qual aparece, insistente, o tema do encontro-confronto da Europa com os Estados Unidos. Nela, a subtileza dos mistérios alia-se à dureza dos conflitos. Nascido há 180 anos, as feições enigmáticas da sua personalidade e os surpreendentes acontecimentos da sua vida continuam a gerar enorme curiosidade e fascínio. Romancista, contista, ensaísta, crítico literário e jornalista, o consagrado escritor irlandês Colm Tóibín é um devotado conhecedor de James, sobre quem escreveu O Mestre, um romance biográfico traduzido em muitas línguas. Nesta edição da Electra, Tóibín revisita o autor de Retrato de Uma Senhora, mostrando a importância das casas na sua vida e obra. A partir delas, dá-nos uma imagem cheia de verdade e vigor deste génio atormentado.

São muitos e facilmente identificáveis os motivos geralmente evocados para explicar a crise dos jornais e as debilidades do jornalismo actual. Mas, para além de tudo o que se apresenta como inevitável, determinado por fortes contingências externas, há razões suficientes para concluir que no interior da profissão e da vocação do jornalismo algo correu mal.
 

Uma cidade também se faz das intenções e das vontades, dos gestos e dos actos que a atravessam de outros movimentos e a cobrem de diferentes ritmos. Observando-a nos seus caminhos e obstáculos, desvendando-a nas suas aberturas e fechamentos, agir performativamente na cidade é, ao mesmo tempo, confirmá-la e transformá-la, percorrê-la e perscrutá-la, transpô-la e transcendê-la, preservá-la e perturbá-la. É dar à sua estabilidade uma instabilidade, à sua perenidade uma efemeridade, à sua permanência uma partida, à sua forma uma metamorfose. A arte da performance é sempre uma práxis: transformamo-nos ao transformar, tornamo-nos no que somos e no que não somos. É disso que nos fala aqui Ana Pais, crítica de teatro e professora, investigadora e organizadora da obra Performance na Esfera Pública.

Os Ensaios de Robert Musil, recentemente traduzidos em português, são, no mais alto grau, configurações de uma época que talvez só recentemente tenha chegado ao momento da sua legibilidade. Nélio Conceição, investigador do Instituto de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa, faz deles uma leitura que os ilumina no seu longo alcance.