Para o «Assunto» deste número da Electra convocámos um tema ao mesmo tempo muito universal e muito contemporâneo: a mentira. As variadas contribuições desenham percursos com estações obrigatórias na política (Martin Jay), na arte e nas imagens (Peter Hill e Daisy Dixon), no regime mediático da pós-verdade (Myriam Revault d’Allonnes), nas etapas da história natural filogenética, até à hegemonia da técnica (António Bracinha Vieira), e em dois case studies de duas intelectuais brasileiras perseguidas e ameaçadas por fake news (Bárbara Reis).

Foi há oitenta anos que o químico suíço Albert Hofmann, em 19 de Abril de 1943, realizou a primeira viagem psicadélica intencional com LSD. Essa viagem-descoberta teve efeitos radicais na cultura e na arte (literatura, artes visuais, música, dança, cinema), tornando-se um símbolo — divinizado e diabolizado — da contracultura e do movimento hippie. Autor de obras sobre este tema, Marcelo Leite é jornalista premiado e colunista do jornal brasileiro Folha de S. Paulo, onde escreve regularmente sobre ciência e meio ambiente. Neste ensaio, trata das investigações em curso desde os anos 90, com vista ao uso farmacológico e terapêutico dos psicadélicos, especialmente em neurologia e psiquiatria.

Neste diário da cantora e compositora Lula Pena, a reinvenção das palavras («Não encontrei o que queria no dicionário…») é uma condição para a reinvenção do tempo («Por vezes é dia de muito e véspera de absolutamente nada»). Num estilo que se vai olhando enquanto se constrói, o texto faz-se de sons e de imagens («Dos vestígios gráficos e fonográficos»). «Os sons são lançados na aventura do escrito e na sua exploração oral, nas suas possíveis escutas», diz a autora. É por isso que este «Livro de Horas» é um livro em que as horas são o tabuleiro de um jogo em que só ganha quem nele apostar tudo o que é.

Partindo da exposição Earthkeeping / Earthshaking – Arte, feminismos e ecologia, que se apresentou na Galeria Quadrum, em Lisboa, a curadora e investigadora Margarida Mendes escreve sobre os temas culturais e éticos aí tratados artisticamente e que estão no centro dos debates contemporâneos.

A actividade da realizadora franco-libanesa Jocelyne Saab desenvolveu-se entre 1970 e 2019. Desde a sua morte, no dia 7 de Janeiro de 2019, o seu trabalho tem vindo a ser (re)descoberto pela nova geração de realizadores libaneses, árabes e internacionais que proclamam a sua identificação com aquele audacioso cinema político. Testemunha do seu tempo, Jocelyne Saab fez filmes que reescreveram a história do Médio Oriente nos últimos 30 anos do século XX.

Algum tempo antes da noite entre os dias 1 e 2 de Novembro de 1975, quando foi brutalmente assassinado, Pier Paolo Pasolini se encontrou com o jornalista inglês Peter Dragadze, com quem durante seis anos manteve um diálogo e a quem concedeu diversas entrevistas. Naquele dia, Dragadze mostrou-lhe algumas folhas, nas quais havia recolhido opiniões de Pasolini sobre os mais diversos assuntos, dizendo que aquilo faria parte de um espécie de longa matéria dedicada à vida e obra do poeta. Pasolini tomou as folhas, levou-as consigo e, alguns dias depois, no último encontro que teria tido com o amigo inglês (a quem carinhosamente chamava de «enche-o-saco»), as entregou a ele dizendo: «Este é quase um testamento espiritual- intelectual. Se acontecer algo, Dragadze, mostre-as. Creio que poderia interessar a alguém.» Quinze dias depois, o texto foi publicado no semanário Gente com o título «Quase um testamento».

Atravessando algumas etapas decisivas do pensamento e das representações do trabalho em alguns filósofos, da Antiguidade aos tempos modernos, o ensaísta André Barata, professor de filosofia, detém-se num filme de Béla Tarr, O Cavalo de Turim, para mostrar como o hábito e a repetição são factores da humanização que se realiza pelo trabalho.

Anunciado muitas vezes ao longo do século XX, à medida que cresceu o espectro da «desocupação tecnológica», o fim do trabalho tornou-se um tema forte com a emergência das novas tecnologias digitais e com o desenvolvimento das máquinas inteligentes que substituem os humanos na produção. Este artigo percorre os vários anúncios do fim do trabalho (ou, pelo menos, do emprego), incidindo sobretudo num debate contemporâneo sobre a «crise do trabalho», que ora ganha uma feição utópica, ora traça um cenário apocalíptico.

O dossier que apresentamos neste número da Electra tem como tema dois conceitos, o ócio e o lazer, com uma longa história, feita de desvios e deslocações. A nossa perspectiva incide sobre a condição contemporânea do lazer e do ócio, embora conscientes de que o significado actual desse par dicotómico não pode ser devidamente compreendido se não regressarmos a um tempo que já não é o nosso, do qual estamos distantes. Na verdade, estas duas entidades, que já foram radicalmente distintas, na sociedade moderna tendem a sobrepor-se, apenas com algumas ligeiras diferenças: enquanto o lazer é entendido como um intervalo no ritmo do trabalho, o ócio evoca uma condição existencial ou uma característica psicológica de conotações negativas. Daí o adjectivo «ocioso», formado com um sufixo que indica uma qualidade. A antiga dicotomia desfez-se e transferiu-se para um outro par muito mais pertinente, para a relação entre trabalho e lazer, cuja alternância determina a sociedade do trabalho.

Contrariando, com forte pendor polémico, as ideias mais comuns sobre o turista, que o representam geralmente como uma figura ridícula e grotesca, o sociólogo e etnólogo Jean-Didier Urbain, autor de L’ idiot du voyage: histoires de touristes, critica os argumentos dos detractores do turismo e atribui-lhe a condição de verdadeira experiência da viagem, no nosso tempo, que não merece ser desclassificada.