O futebol provoca tanta paixão em tanta gente que já houve quem nomeasse esse fenómeno de adesão com a palavra «futebolismo». Este desporto, que se sobrepôs a todos os outros e conquistou o mundo, merece no entanto ser visto numa perspectiva analítica e crítica que o retire dos «ismos» vazios e redundantes. O futebol é hoje um «sistema» muito poderoso e complexo que está para lá dos estádios e das competições desportivas e invadiu o nosso quotidiano, mesmo quando não somos adeptos. O futebol é tão expansivo e tem uma presença tão generalizada no quotidiano que os estádios estão longe de ser a sua principal morada. Ele atrai o poder político e cristaliza de forma extrema e exacerbada as manifestações do poder económico e mediático. É um mundo marcado por heróis e por cultos que geralmente são de duração efémera e estão sujeitos à lei da circulação do dinheiro. Aqui, a glória geralmente corre célere e não se detém. A significação antropológica do futebol como espectáculo, como competição e como ritual é um desafio que mobiliza apurados instrumentos de análise.

O futebol tornou-se no nosso tempo um facto social total. Podemos nunca ter entrado num estádio, não acompanhar os resultados e classificações das competições, conhecer apenas o nome de uns poucos jogadores, aqueles que é impossível ignorar e permanecer subtraído ao brilho espectacular da sua presença universal — mas não conseguimos habitar um espaço público de onde o futebol esteja ausente, porque ele está em permanência por todo o lado. Por isso, não falta até quem ache que ele é como uma infecção que se difunde no corpo social. Ou que é uma nova versão, tão alienante como a outra, do «ópio do povo».

Yann Moulier-Boutang, economista, ensaísta, fundador, em 2000, da revista francesa Multitudes, reflecte neste artigo sobre as alterações que se irão dar na natureza e na organização do trabalho, atendendo à crise estrutural em que este se encontra e que o confinamento devido à pandemia tornou mais evidente, sobretudo porque um extenso sector informal ganhou uma grande visibilidade, o que acentua uma necessária distinção entre estas categorias: actividade, trabalho, emprego.

É estranho compor um diário sobre o que significa viver em Queens durante a quarentena. A experiência diária da quarentena é atomizada, delimitada pelas paredes do apartamento de cada pessoa. Estes fragmentos de informação tornam-se eventos que se desenrolam no espaço entre o ecrã do meu telemóvel e a janela de onde se vê a rua.

Escritora, fundadora e editora da revista Art Press, Catherine Millet começou, em 1968, como crítica de arte no semanário cultural Lettres Françaises, dirigido por Louis Aragon. É deste escritor que Millet escolheu uma passagem para comentar, fazendo dela uma alavanca com a qual levanta o seu mundo. A partir desta citação de Aragon, cujo impudor verbal provoca um empolgamento erótico, a autora de A Vida Sexual de Catherine M., livro que a tornou conhecida do grande público, afirma, provocatoriamente, as suas ideias infalivelmente polémicas sobre as mulheres e a sua relação com os homens. No seu comentário, Millet prolonga uma controvérsia marcada por anátemas violentos e acusações virulentas, cujos ecos continuam presentes.

O tema central deste número da Electra é O gosto. Para início da discussão talvez pudéssemos dizer que é difícil reconhecer na máxima latina De gustibus non est disputandum — os gostos não se discutem — um valor de verdade universal, a partir do momento (e esse momento é o século XVIII) em que o mundo do gosto substitui o mundo do belo que tinha imperado desde a Antiguidade.

O filósofo e sociólogo francês Geoffroy de Lagasnerie explora neste artigo o facto de o objecto dos seus investimentos intelectuais nunca ter sido a literatura, mas sim a teoria. Essa sua condição pessoal fornece-lhe um motivo para analisar o que significa, tanto no plano do conhecimento como no plano libidinal, a atracção pela teoria.

Mais de uma década depois do Grande Terramoto de Fukushima (Leste do Japão, 2011), Taro Igarashi analisa, neste ensaio, o impacto para a arquitectura e para a arte de uma catástrofe com esta dimensão e os ensinamentos que as exigências da reconstrução nos proporcionam. O autor é historiador e crítico de arquitectura, e professor na Universidade de Tohoku, no Japão. Foi curador do Pavilhão do Japão na Bienal Internacional de Arquitectura de Veneza, em 2008, e director artístico da Trienal de Aichi, em 2013. É um dos autores da obra Vuitton: Arte, moda e arquitectura (2009).

A relação entre o Hospital e a Cidade é o tema deste «Metropolitano». Daniela Arnaut, arquitecta, professora universitária e investigadora no domínio dos «edifícios de saúde» e dos «espaços de cura», convida-nos a seguir uma história que, muitas vezes, por estar em frente do nosso olhar, se torna invisível. Em tempos de pandemia, este ensaio leva-nos a reflectir sobre questões como a da higiene ambiental, e nele figura uma pergunta: será que estamos perante uma nova ordem no espaço urbano?

O dinheiro, decifrado em chave antropológica e psicanalítica pelo antropólogo José Gabriel Pereira Bastos, remete para uma organização simbólica que tem no seu centro o poder do Pai, tal como ele é celebrado nos rituais das comunidades onde domina o pensamento mágico. E, a partir daí, torna-se então possível, recorrendo não apenas a Freud mas também ao saber da Antropologia, entender o dinheiro na sua função originária, arquetípica, remetendo para leis, tabus e interditos trans-históricos.