A fama é hoje, na sociedade da comunicação generalizada, dotada de um enorme arsenal de instrumentos tecnológicos, um conspícuo objecto de desejo, uma aspiração que nem precisa de ser justificada por feitos ou obras de excepção porque aparecer e ser conhecido em larga escala se tornou um fim em si mesmo. Famosos, celebridades, vedetas, estrelas: eis uma vasta constelação de figuras da fama, verdadeiros actores sociais que atravessam hoje o nosso universo com uma grande velocidade e de maneira efémera. As regras e os factores da fama e da celebridade ao longo da história são determinados pela estrutura do espaço público e pelos códigos e técnicas de socialização. Assim, a televisão, com todo o seu poder de criar e difundir uma imagem, determinou uma nova época na história da fama que ainda não chegou ao fim, muito embora conte hoje com a fortíssima concorrência da Internet e das redes sociais que introduziram novas regras na forma e na frequência da difusão que constrói a fama. Para trás, sujeitas a formas de legitimação que perderam muita da sua força, ficaram o prestígio, o reconhecimento e a autoridade — figuras que partilhavam com a fama um espaço comum.

«Fama» é o tema de que nos ocupamos no «Assunto» deste número 11 da Electra. Comecemos por apresentá-lo com um brevíssimo apontamento metalinguístico: a palavra ganhou num tempo ainda recente uma leve tonalidade anacrónica, parecendo referir-se a uma forma de irradiação própria de um espaço público com características que já não são as que dominam sob a condição integral dos media. Por isso, dos «famosos» dizemos hoje que são «mediáticos», e à margem dos mais recentes mecanismos de visibilidade não há verdadeiramente nada a que se possa chamar «fama». Existe, quando muito, quem beneficie de um prestígio de curto alcance, outorgado e reconhecido por um público restrito e pelos pares. Mediático é o nome que se dá a quem aparece com frequência nos media: aparecer, não pontualmente, mas constantemente aparecer, nos meios onde toda a aparição profana é a forma quase exclusiva que a fama adquiriu.

Formulando a lei que determina a fama das vedetas na sociedade do espectáculo, o filósofo italiano Mario Pezzella fala de uma encenação e do modo afirmativo de aparecer, próprios da vedeta, capazes de produzir um regime de desejo e uma forma sedutora de servidão voluntária, ao mesmo tempo que reactiva arquétipos míticos.

Robert van Krieken, professor na Universidade de Sidney e autor de Celebrity Society (2012), analisa e traça uma genealogia da celebridade, identificando as condições e os factores sociais historicamente mutáveis que a tornam possível, mostrando ao mesmo tempo que a história da celebridade não pode ser desligada da história da esfera pública.

A infâmia, o oposto da fama, foi objecto de uma procura por parte de Michel Foucault, que escreveu sobre «A vida dos homens infames». Infames são os anónimos, votados ao esquecimento, mas cuja existência obscura e infeliz fornece interessante matéria narrativa. Da família dos homens infames são os escritores sem obra, sem literatura. Sobre a misteriosa relação entre a literatura e a infâmia, a partir do texto de Foucault, escreve o ensaísta e professor de literatura Éric Marty.

Partindo de um episódio mais ou menos anedótico ocorrido no universo das celebridades da música pop e dos reality shows, o filósofo Laurent de Sutter define a fama nas suas características fundamentais, remontando ao mundo romano e à noção de «reputação», à Idade Média, para chegar ao sentido contemporâneo do «famoso».

Este texto, com alguns aspectos de reportagem, da autoria do jornalista João Pacheco, introduz-nos no laboratório onde se criam as celebridades da cultura de massas e mostra os mecanismos e as tecnologias que as engendram, muito especialmente a televisão. Três exemplos portugueses são aqui contemplados: Cristiano Ronaldo, Marcelo Rebelo de Sousa e Cristina Ferreira.

A comunicação política, que é o campo de investigação de Rita Figueiras, professora na Universidade Católica, tem hoje à sua disposição, na época das novas tecnologias digitais, da Internet e das redes sociais, uma parafernália de instrumentos sofisticados que constroem um espaço público completamente mediatizado e sujeito a todas as manipulações. O sucesso no palco político passou por isso a depender das técnicas comunicativas desenvolvidas no ecossistema digital.

Investigador na Universidade de Tecnologia de Auckland, a trabalhar actualmente sobre os mecanismos que tornam alguém «icónico», Barry King parte, neste texto, do conceito de fama e das condições que a produzem, para traçar a seguir o percurso histórico do trinómio celebridade-fama-prestígio, com paragens obrigatórias no renome, na reputação e no carisma. E assim ganha forma uma constelação de conceitos que adquiriram uma importância enorme na sociedade da comunicação de massas.

Este diário anda entre o Líbano e a Argentina, entre o pai e a mãe, o amor e o sexo, a liberdade e a ameaça, a vida e a morte. O autor chama-se Anthony El Chidiac, nasceu em Beirute há 32 anos e é realizador de cinema. O seu documentário Room for a Man [Espaço para um homem] foi visto e premiado em Portugal. De uma beleza sombria e de uma força inocente, fala do medo e da vontade de ser o que se é, num mundo privado e público onde a homossexualidade é condenada. Neste «Livro de Horas» que escreveu para a Electra, Chidiac diz: «Nasci e cresci no seio de uma família destroçada, numa sociedade dividida, num corpo e num espírito não conformes às normas de género.» Há neste diário os ecos de um mundo em crise. Há uma confissão que se torna acusação, uma exactidão seca que procura a sua fuga. A isto podemos chamar poesia.