Estes famosos, que como tal são definidos e que como tal se definem, são de várias espécies e fazem coisas muito diferentes. Vão de apresentadores, actores e pivôs de televisão a políticos e humoristas, de treinadores e futebolistas a influencers e bloggers, de cantores a participantes em reality shows e a socialites, de comentadores a chefs de cozinha. O que os liga e os iguala é aparecerem nas televisões, nas revistas e nas redes sociais, tornando-se conhecidos e sobretudo reconhecidos.
Esta lista, feita de tudo o que parece e aparece, poderia ser interminavelmente dilatada. É deste mundo que saem os rostos e as vozes que ocupam, em harmoniosa cacofonia, o espaço público como se fosse um território próprio e exclusivo.
É deste mundo que se soltam diariamente as gargalhadas estridentes, os gritos agudos, os gestos dramáticos, as opiniões categóricas, as piadas repetitivas. É deste mundo, feito de avidez e vulgaridade, que irrompem quotidianamente os sinais de um narcisismo sem travão, de um exibicionismo sem limite e de uma vaidade sem vagar.
É a este mundo que pertencem pessoas que, todos os dias, se mostram a fazer tudo o que dantes não se mostrava: a dormir, a comer, a vestir, a maquilhar, a namorar, a cozinhar, a conduzir, a fazer ginástica. São deste mundo os que, todos os dias, exibem a família, os animais, as casas, os carros, as piscinas. É deste mundo que vêm, todos os dias, notícias, boatos, intrigas, rivalidades, traições, vinganças, mentiras, desmentidos. Este é o mundo onde vale tudo para chegar, ver, vencer, passar à frente, ganhar dinheiro, ficar com o lugar, ter o prémio. Este é o mundo onde tudo se falsifica: a imagem, o êxito, a carreira, a moral, a felicidade, a fé.
Este é o mundo onde os famosos e o seu público se infantilizam reciprocamente, olhando-se como crianças que jogam um jogo para confirmarem mutuamente os seus papéis nele. Este é o mundo onde se é famoso por e para se ser famoso (famous for being famous).
Como Flaubert disse da estupidez (foi este o «Assunto» da Electra 2), a fama é de todos os tempos, mas cada tempo tem a sua fama. Qual é a fama do nosso tempo (este é o «Assunto» desta Electra 11)? E que famosos são estes e são estas que, hoje, querem impor a imagem, fazer a moda, servir de modelo?
Há quem pergunte com melancólica indignação: como lhes foi dado tanto poder e tamanha importância para que os mais altos representantes do Estado ou as mais ilustres figuras da sociedade corram para eles, em cumplicidade que tão facilmente se confunde com vassalagem a esses famosos? De que modo é que o desejo de receber popularidade de quem é popular não se torna um populismo? Como é que a popularidade sem prestígio a que se colam não desprestigia os cargos que ocupam ou as posições que detêm?
Como é possível que o nosso tempo e o nosso mundo se tenham deixado representar por estas figuras que fazem da mediocridade uma vantagem? Como é possível que esta fama tão vulgar se tenha tornado a aura que electriza o nosso tempo, a alavanca que levanta o mundo, o elevador que leva ao topo da torre social?
Se a fama era o averbamento de uma superioridade, a autenticação de uma grandeza e a certificação de uma glória, como aconteceu termos trocado a superioridade pela inferioridade, a grandeza pela pequenez e a glória pela falta de razão para a ter?
Andy Warhol foi tímido: quando imaginou o momento em que todos teriam os seus quinze minutos de fama, não imaginou que alguns desses iriam ter, não quinze, mas quinze mil ou mesmo quinze milhões de minutos dessa fama fácil.
Há, porém, quem veja em tudo isto uma democratização inevitável e um nivelamento igualitário que, na cultura de massas e na sociedade do espectáculo, acaba com a separação entre alta cultura e baixa cultura, entre elites e povo, entre privilegiados e o comum dos mortais. Assim, a classe média universal e a pequena burguesia planetária são o sopé onde a montanha desta nova fama, vigorosa e vingadoramente, se levanta.
Sabemos que o desejo de se ser famoso é de todos os tempos. Desde que o homem se olha como homem (ou talvez ainda antes), quis ser conhecido e celebrado, publicitado e reconhecido.
A celebridade nasceu do mito e ao mito ficou sempre agarrada, crescendo nele como a hera cresce no muro. As primeiras grandes celebridades do Ocidente, de uma beleza feita de esplendor divino e de perigo animal, foram criadas pela imaginação mítica: Helena de Tróia, filha de Zeus e de Leda, que provocou disputas, guerras e mortes; Aquiles, o do calcanhar vulnerável, filho de Peleu e de Tétis, amigo de Pátroclo e herói da Ilíada; ou Ulisses, filho de Laerte e Anticleia, rei de Ítaca e astuto herói da Odisseia. Jorge Luis Borges disse que a Ilíada e a Odisseia permanecem vivas no coração humano porque falam de uma guerra e de uma viagem — e a vida é uma guerra e uma viagem.
Quem deu fama e lenda a estas figuras fundadoras foi Homero, cuja lenda e cuja fama se fundam, também elas, numa existência fantasmática, incerta e mítica. Depois, houve Heróstrato, de que Fernando Pessoa fez um título e um texto para pensar a celebridade, o génio e a imortalidade. Há mais de 2400 anos, o jovem Heróstrato deitou fogo a uma das sete maravilhas do mundo antigo, o templo de Artemisa, em Éfeso. O incêndio que ateou teve como móbil o desvairado e conseguido propósito de fazer falar de si, alcançando o renome e a imortalidade.
A história da fama e da celebridade é uma das mais reveladoras, entre as muitas histórias e contra-histórias de que se faz a história humana. É uma miragem que percorre os longos corredores de espelhos dos séculos, onde o ser humano se fita com um olhar ávido e ansioso.
Na sua Histoire de la célébrité [História da celebridade], Georges Minois escreve — e há aqui o eco das teses do antropólogo, historiador e filósofo René Girard — sobre o desejo mimético, figurando o triângulo sujeito-mediador-objecto:
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