No dia 28 de Abril de 1958, foi inaugurada em Paris uma exposição de Yves Klein com o título La Spécialisation de la sensibilité à l’état matière première en sensibilité picturale stabilisée. A inauguração foi um sucesso tremendo, o dia era também o do trigésimo aniversário do artista, e às nove da noite juntou-se um grupo imenso na Galerie Iris Clert, situada no n.º 3 da rue des Beaux-Arts, em Saint-Germain-des-Prés. Yves Klein afirmou, com grande satisfação, que às 21h45 já não se conseguia mexer, tamanha era a multidão. O sucesso da inauguração justificou-se plenamente, uma vez que a obra exposta era bastante invulgar. Além do longo título oficial (e algo inacessível e críptico), a exposição teve também uma outra designação abreviada que descreve, de forma mais precisa, o único objecto exibido: Le Vide. Albert Camus esteve na inauguração e anotou sucintamente: «Avec le vide, les pleins pouvoirs.» [Com o vazio, os plenos poderes.]
Exibir o vazio é já uma experiência altamente transcendente, mas a inauguração teve ainda um aspecto bastante irónico, uma vez que o objecto principal da exposição — o vazio — desapareceu no momento em que a única sala da galeria começou a encher-se de convidados. O vazio deixa de ser vazio no momento em que é preenchido. Dois anos mais tarde, o vazio ressurgiu muito visivelmente numa outra obra iconográfica de Yves Klein. Na montagem fotográfica Le Saut dans le vide vê-se o artista a saltar para um espaço vácuo. Na mesma altura, o vazio tornou-se o centro dos seus trabalhos monocromáticos e chegou a ser, a partir de 1960, a referência principal para o Nouveau Realisme em França ou para o grupo ZERO na Alemanha, que tencionaram estabelecer novas formas de perceber o real. Por outras palavras, a representação do vazio teve a função de despertar, no observador, uma maior sensibilidade espiritual. O vazio não foi entendido como um horror vacui ou um niilismo filosófico, mas sim como tentativa de reproduzir uma beleza imanente que aponta para uma realidade que se encontra — ou que se encontra supostamente — além do físico: tà metà tà physiká. Neste sentido, uma galeria vazia ou uma pintura monocromática representam uma questão que ultrapassa as capacidades epistemológicas do ser humano. Como se pode exibir o vazio? Em termos filosóficos, a pergunta não tem resposta. O vazio desaparece logo no momento em que um observador pretende observá-lo, uma vez que há sempre uma relação imediata e imanente entre o observador e o observado. O observador faz parte do observado, e ao supor que o observador existe na realidade, ele não pode observar o vazio sem preenchê-lo involuntariamente com a sua própria presença. O vazio é um paradoxo. Ou seja, será que o vazio (ou o nada) existe realmente?
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