Figura
Octavio Paz, um poeta perante a arte
Juan Manuel Bonet

O escritor mexicano Octavio Paz recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1990. Grande poeta, ensaísta e crítico, é autor de uma obra onde tudo parece estar presente: a literatura e a linguística, a filosofia e a história, a política e a geopolítica, a psicologia e a sociologia, a antropologia e as artes visuais. Para ele, a cultura revela este mundo e cria outros mundos. Os escritos de Paz sobre arte e artistas são muitos e muito originais. Neles, as palavras procuram as imagens e as imagens encontram as palavras. Juan Manuel Bonet analisa-os, neste ensaio escrito para a Electra, estabelecendo um inventário e mostrando-se «rigoroso como um geómetra e lúcido como um poeta». Apresenta assim, da figura de Paz, uma face menos conhecida. Bonet é um dos mais destacados intelectuais espanhóis: poeta, ensaísta, crítico de arte, curador. Foi director do Instituto Valenciano de Arte Moderna (IVAM), do Museu Reina Sofía e do Instituto Cervantes. Tem uma reconhecida obra publicada, sendo autor do monumental Diccionario de las vanguardias en España (1907–1936).

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Octavio Paz por Manuel Álvarez Bravo, 1977 © Fotografia: Scala, Florença / ADAGP Images, Paris

 

A tradição do moderno em que Octavio Paz se inscreve é a do poeta-crítico, tipificado logo nos primórdios da modernidade por Charles Baudelaire (a cujo papel como crítico de arte dedicou em 1967 um lúcido ensaio) e depois por J. K. Huysmans e outros simbolistas, por Guillaume Apollinaire, Blaise Cendrars e outros cubistas, por André Breton, Louis Aragon, Paul Éluard e outros surrealistas… Tradição continuada por diversas vozes da geração francesa do pós-guerra: Yves Bonnefoy, muito amigo, sem dúvida, do mexicano; Michel Tapié, o pai da art autre; Julien Alvard, o do nuagisme; o telqueliano Marcelin Pleynet, promotor da peinture-peinture… Tradição que nos Estados Unidos é a de John Ashbery, Frank O’Hara, James Schuyler ou, actualmente, John Yau ou Vincent Katz. Tradição que, no âmbito hispânico, contou com bastante menos cultores, ainda que alguns se destaquem poderosamente: Ramón Gómez de la Serna (que Paz tanto admirava), Guillermo de Torre, Juan Eduardo Cirlot, Ángel Crespo ou, actualmente, Andrés Sánchez Robayna, Enrique Andrés Ruiz ou Enrique Juncosa, em Espanha; Aldo Pellegrini, na Argentina; Severo Sarduy, em Cuba; Juan Calzadilla ou, actualmente, Luis Pérez-Oramas, na Venezuela; João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar ou os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, no Brasil… Procuro nas estantes as Obras Completas de Paz, que manuseio na edição do Círculo de Lectores de Barcelona, e volto a abrir os dois volumes nos quais, com o título gongórico Los privilegios de la vista, o poeta reuniu os seus escritos sobre arte. Terá voltado a escrever sobre o assunto depois dessa recolha, e alguma coisa terá ficado por resgatar no labirinto dos seus papéis, mas, em substância, nessas páginas encontra-se o essencial do Paz fascinado pelo trabalho dos artistas plásticos e capaz de dizer esse fascínio, seja em prosa, seja, mais raramente, em verso.

"A tradição do moderno em que Octavio Paz se inscreve é a do poeta-crítico, tipificado logo nos primórdios da modernidade por Charles Baudelaire."

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Frida Kahlo, Cocos gimientes [Cocos em lágrimas], 1951 © Fotografia: Scala, Florença / Art Resource / Image Museum Associates / LACMA, Los Angeles

 

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Philip Pearlstein, Two models with One Wicker Roker and Mexican Blanket [Dois modelos com uma cadeira de baloiço e uma manta mexicana], 1983 © Fotografia: Scala, Florença / Christie’s Images, Londres

 

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Leonora Carrington, Big Badger Meets Domini Boys [O texugo gigante encontra os dominicanos], 1986 © Fotografia: Scala, Florença / Christie’s Images, Londres

 

Apesar de o primeiro volume se centrar na arte moderna universal, e o segundo, na mexicana, na verdade, tendo em conta o contexto em que Paz cresce, convém, se queremos analisar o seu olhar sobre a arte, ao qual foram dedicadas várias exposições no México e em Paris, seguir a ordem inversa. Paz é um dos grandes poetas da nossa língua, e é a grande voz surgida na cena poética mexicana depois dos estridentistas e dos Contemporáneos. É, além disso, um dos grandes ensaístas de um continente ao qual o México também deu Alfonso Reyes (com quem o benjamim teve uma relação privilegiada, como o revela a sua correspondência), e no qual muitos dos grandes criadores foram também mestres do ensaio, como é o caso de Borges, de César Vallejo ou de Mario Vargas Llosa, de Alejo Carpentier, de Lezama Lima ou de Luis Cardoza y Aragón. Nos seus ensaios, Paz interrogou-se sobre o destino do México, sobre a obra de Sóror Juana, sobre a poesia provinciana de Ramón López Velarde (obra que comparou, num exercício crítico especialmente esclarecedor, com a pintura provinciana do espanhol Julio Romero de Torres) ou de Xavier Villaurrutia. E participou activamente no debate artístico, tomando partido contra a quase ditadura dos muralistas, enfatizando aquilo que distinguia Rufino Tamayo do resto, analisando o trabalho de surrealistas de que foi próximo, ressaltando o especialíssimo que foi o olhar de um fotógrafo como Manuel Álvarez Bravo e apoiando nomes mais jovens, aqueles que romperam com os lugares-comuns, de entre os quais o seu preferido foi, sem dúvida, Vicente Rojo, com quem, como veremos, teve uma especial cumplicidade, e não só com o pintor, «rigoroso como um geómetra e lúcido como um poeta», mas igualmente com o designer gráfico e com o editor.

A arte pré-hispânica e as suas esculturas e monumentos, «obras ao mesmo tempo maravilhosas e horríveis», sobre as quais falou como poeta, mas Octavio Paz, um poeta perante a arte também como especialista (ainda que neste terreno se sentisse um intruso, como afirmou num texto publicado em 1987 na sua revista Vuelta), o barroco, Manuel Tolsá e o século XVIII e a Academia, a arte da Independência e as figuras singulares de José María Estrada e Hermenegildo Bustos (a propósito do qual cita o pintor e crítico norte-americano Walter Pach, para quem os retratos deste não ficam a dever aos retratos egípcios de Faium), as luminosas paisagens da região mais transparente que José María Velasco pintou (que compara acertadamente com os norte- -americanos da Escola de Hudson, pela forma como soube sentir a grandeza da natureza americana) e as madeiras de José Guadalupe Posada: tudo isto figura, obviamente, no museu imaginário paziano. Da arte da Revolução, pelo contrário, Paz, sem deixar de reconhecer o talento de muitos dos seus cultores, lamenta mais de uma vez, quase obsessivamente, o seu dogmatismo e a ditadura que acabaram por impor. Tem muitas reservas sobre Rivera e Siqueiros, e menos sobre Orozco. Reconhece o talento de Leopoldo Méndez, a seu ver a figura mais interessante da comunista Taller de Gráfica Popular, mas considera que a sua obra, como a de todo esse grupo de pintores, se baseia na «aberração moral» do realismo socialista. Em compensação, sente-se fascinado por Marius de Zayas e pela sua actividade na Nova Iorque pré-dadá, por Ángel Zárraga, Frida Kahlo e María Izquierdo, pelo japonesismo de José Juan Tablada e pelo estridentismo de Manuel Maples Arce, sob cujas ordens trabalhara quando, logo após a Segunda Guerra Mundial, esteve destacado em Tóquio.

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