As primeiras duas semanas após o primeiro turno foram de ansiedade e tensão; nunca uma vitória teve tanto sabor a derrota, um gosto amargo de que novamente a realidade nos atingia desde um ponto cego. Eu nunca acreditara que as coisas fossem tão fáceis quanto as pesquisas sugeriam, mas ainda assim tomara um susto quando os resultados de lugares como São Paulo e Rio de Janeiro começaram a sair e a força do bolsonarismo, mesmo após quatro anos de um Governo que parecia tão auto-evidentemente desastroso, se mostrou bem maior que o imaginado. A ilusão que muita gente alimentava — de que ainda vivíamos essencialmente no mesmo país que elegera quatro governos sucessivos de centro-esquerda, de que tudo poderia voltar ao que era e de que este não seria mais que um hiato ruim — se desfizera de vez.

O populismo, esse conceito muito actual e tão elástico que tem servido para nomear fenómenos políticos de diversas proveniências e muito diferentes entre si, é definido e analisado, neste artigo, em nove hipóteses, por Yves Citton, filósofo francês com uma vasta produção ensaística na área da filosofia política, membro do secretariado de redacção da revista Multitudes, autor de Pour une écologie de l’attention e de Médiarchie.

Os panfletos anti-semitas de Céline, escritos entre 1937 e 1941, interditos desde o final da Segunda Guerra Mundial, voltaram a ser motivo de uma violenta polémica no final do ano passado, quando a Gallimard anunciou que iria republicá-los numa edição crítica e, logo depois, perante algumas reacções públicas, desistiu do diagonal Serge Klarsfeld O que fazer dos textos infames? projecto. Sobre esta questão polémica, publicamos aqui as posições não coincidentes de dois intervenientes autorizados na matéria: Pierre-André Taguieff, autor de um notável ensaio sobre o anti-semitismo de Céline, e Serge Klarsfeld, um grande activista, em França, pelos direitos dos judeus deportados.

Diz-se que o Outono nos dá ao pensamento aquelas cores mudas e tardias que alguns artistas puseram nas suas obras como se elas lhe pertencessem: Arcimboldo, Brueghel, Poussin, Boucher, Goya, Friedrich, Monet, Cézanne, Van Gogh, Gauguin, Klimt, Schiele, Mucha, Klee, Hockney. Contemplar, divagar, recordar, sonhar, meditar, cismar, pensar são verbos que fazem parte dessa sabedoria que não desconhece o outro lado da moeda da vida, aquele que, só ao fim, se vira inteiramente para nós.

Em 18 de Janeiro de 1892 a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro passou a incluir um suplemento literário, que foi inaugurado por uma crónica prefacial da autoria de Eça de Queirós. O texto exibe o sugestivo título de «A Europa em Resumo. O nosso suplemento», e destina-se primordialmente a um público que o autor sabia predisposto a aceitar com poucas reservas a informação que chegava da Europa. O que não é imediatamente evidente é o propósito com que o escritor português, que presumivelmente redigiu o texto em Paris, decidiu inaugurar um suplemento literário com uma descrição da situação social europeia no seu tempo.

O historiador francês Patrick Rambourg, autor de uma Histoire de la cuisine et de la gastronomie françaises (2010), descreve neste artigo o nascimento, no século XVIII, e o desenvolvimento do restaurante, essa instituição parisiense exportada para todo o mundo. O restaurante francês, dotado da aura gastronómica de Paris, torna-se assim um lugar de sociabilidade e de convívio requintados.

O meu ponto de vista sobre uma edição crítica dos panfletos antijudeus de Céline é o oposto daquele de P.–A. Taguieff, que deseja que esta se concretize, se possível sob a sua direcção, dado ser o mais qualificado para o efeito, juntamente com Annick Duraffour, a co-autora de Céline, la race, le Juif. Presto uma homenagem vibrante a essa obra monumental, a qual li de um só fôlego assim que foi publicada. Os autores explicaram na perfeição o anti-semitismo de Céline, exploraram todas as suas fontes, desmontaram todas as suas astúcias e indignidades.

Para o «Assunto» deste número da Electra convocámos um tema ao mesmo tempo muito universal e muito contemporâneo: a mentira. As variadas contribuições desenham percursos com estações obrigatórias na política (Martin Jay), na arte e nas imagens (Peter Hill e Daisy Dixon), no regime mediático da pós-verdade (Myriam Revault d’Allonnes), nas etapas da história natural filogenética, até à hegemonia da técnica (António Bracinha Vieira), e em dois case studies de duas intelectuais brasileiras perseguidas e ameaçadas por fake news (Bárbara Reis).

Foi há oitenta anos que o químico suíço Albert Hofmann, em 19 de Abril de 1943, realizou a primeira viagem psicadélica intencional com LSD. Essa viagem-descoberta teve efeitos radicais na cultura e na arte (literatura, artes visuais, música, dança, cinema), tornando-se um símbolo — divinizado e diabolizado — da contracultura e do movimento hippie. Autor de obras sobre este tema, Marcelo Leite é jornalista premiado e colunista do jornal brasileiro Folha de S. Paulo, onde escreve regularmente sobre ciência e meio ambiente. Neste ensaio, trata das investigações em curso desde os anos 90, com vista ao uso farmacológico e terapêutico dos psicadélicos, especialmente em neurologia e psiquiatria.

Neste diário da cantora e compositora Lula Pena, a reinvenção das palavras («Não encontrei o que queria no dicionário…») é uma condição para a reinvenção do tempo («Por vezes é dia de muito e véspera de absolutamente nada»). Num estilo que se vai olhando enquanto se constrói, o texto faz-se de sons e de imagens («Dos vestígios gráficos e fonográficos»). «Os sons são lançados na aventura do escrito e na sua exploração oral, nas suas possíveis escutas», diz a autora. É por isso que este «Livro de Horas» é um livro em que as horas são o tabuleiro de um jogo em que só ganha quem nele apostar tudo o que é.