O problema não é só o livro ter mais de trinta anos e não haver uma única tradução portuguesa disponível. Não é caso raro, embora seja mais difícil de explicar que nem no Brasil, um país muito dinâmico intelectualmente, uma editora qualquer, de nicho ou universitária, tenha a obra à venda. O problema, argumentava, é que a tese de que os media dependem de uma economia política que pretende fabricar a anuência, publicada pelo economista Edward S. Herman e pelo linguista Noam Chomsky em 1988, é o último grande contributo crítico num tema em que a crítica é generalizada.

O arquitecto, autor e editor espanhol Moisés Puente analisa aqui um fenómeno do nosso tempo, do qual nem sempre foi notada a grande importância: «ao contrário do que figuras como Peter Eisenman defendiam na década de 90, a arquitectura deixou de ler-se como texto para passar a propor-se como imagem». Esta mudança tem muitas consequências, entre elas a transferência de funções de autoria das imagens do arquitecto para o fotógrafo de arquitectura. Puente cita o exemplo dos conhecidos arquitectos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron, que, para apresentar a sua obra na 5.ª Bienal de Arquitectura de Veneza, decidiram expor exclusivamente fotografias de quatro fotógrafos-artistas. Neste admirável mundo novo, as imagens da cidade e a cidade das imagens equivalem-se e revelam-se em representações, que se vão tornando abstractas e se aproximam dos não-lugares.

O escritor mexicano Octavio Paz recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1990. Grande poeta, ensaísta e crítico, é autor de uma obra onde tudo parece estar presente: a literatura e a linguística, a filosofia e a história, a política e a geopolítica, a psicologia e a sociologia, a antropologia e as artes visuais. Para ele, a cultura revela este mundo e cria outros mundos. Os escritos de Paz sobre arte e artistas são muitos e muito originais. Neles, as palavras procuram as imagens e as imagens encontram as palavras. Juan Manuel Bonet analisa-os, neste ensaio escrito para a Electra, estabelecendo um inventário e mostrando-se «rigoroso como um geómetra e lúcido como um poeta». Apresenta assim, da figura de Paz, uma face menos conhecida. Bonet é um dos mais destacados intelectuais espanhóis: poeta, ensaísta, crítico de arte, curador. Foi director do Instituto Valenciano de Arte Moderna (IVAM), do Museu Reina Sofía e do Instituto Cervantes. Tem uma reconhecida obra publicada, sendo autor do monumental Diccionario de las vanguardias en España (1907–1936).

A fotógrafa Viviane Sassen preparou para esta edição de Electra um conjunto de trabalhos recentes e inéditos, que mostram simultaneamente aquilo que, ao longo da sua carreira, a singularizou como artista e a actual fase da sua criação visual. Num ensaio de apresentação da sua obra, a curadora e escritora norte-americana Josseline Black afirma: «Poucos conseguem fundir dois mundos, o da fotografia de moda e o da fotografia de arte, e Sassen está na vanguarda deste movimento de fusão — na subtil medida em que ela própria rejeita categorizações.» A curadora destaca a influência do surrealismo na artista e, sobre as imagens reveladas neste «Portfolio», diz: «Uma das particularidades mais marcantes destas fotografias é não precisarem de legenda; neste sentido, o que têm de mundano transcende a mundanidade. E estamos de novo em sintonia com a ideia de “encarar o mundo de frente”, de estabelecer contacto visual com o que está à nossa frente. Nestas imagens, o delicado jogo, quase totémico, entre a fotografia e a pintura é ainda a prova de que Sassen mansamente contraria as comuns expectativas.»

Rui Manuel Amaral, escritor portuense, descreve e analisa o «problema» — isto é, a problemática — da sua cidade, a partir de um conjunto de sintomas que ele apreende com olhar literariamente treinado. E o que ele vê são as representações ilusórias que os seus cidadão cultivam, a cidade real e a cidade imaginária, o Porto objectivado e as belas fantasmagorias que o alimentam no seu narcisismo.

Uma exposição recente de Gaëtan (1944–2019), apresentada em Lisboa, dá motivo a Gillian Sneed para escrever sobre esta obra feita de auto-retratos serialmente obsessivos, por onde passam todos os olhares que alguém consegue lançar sobre si mesmo e que vão da apreensão trágica da passagem do tempo ao sorriso irónico e triste perante essa fuga-perda. Gillian Sneed é historiadora de arte e escritora, especialista em arte contemporânea, e deu cursos no City College de Nova Iorque e no MoMA. Neste seu ensaio, afirma: «Apesar de as metodologias críticas moldadas pela teoria queer serem talvez ainda novas no discurso sobre arte em Portugal, gostaria de sugerir que a obra de Gaëtan oferece uma oportunidade única para explorar este modo de análise visual.»

Escolhido pelo seu curador, o arquitecto Hashim Sarkis, How will we live together? [Como vamos viver juntos?] é o tema geral da 17.ª edição da Exposição Internacional de Arquitectura — La Biennale di Venezia 2021. Com a pandemia presente, são levantadas questões sobre as nossas futuras condições de vida num mundo crescentemente dividido e desigual. Esta exposição revela ainda como a prática curatorial se transformou num instrumento que agita os fundamentos da própria Bienal. Curadora, historiadora e crítica, Julia Albani esteve em Veneza e faz para a Electra um relato do que viu e de como viu o que viu.

Toda a poesia de Hölderlin, traduzida por João Barrento: é sobre este grandioso empreendimento que o crítico João Oliveira Duarte escreve, mostrando o que está em jogo na obra deste poeta alemão que teve ao longo do século XX uma enorme e complexa recepção.

Bazuca é uma palavra gozona. Quando tinha oito anos, e comprava guloseimas com os vinte e cinco tostões que a minha mãe me dava para levar para a escola, a Bazooka era uma pastilha elástica que fazia uma bolha que rebentava com um estalo. Derivada de «bazoo», calão inglês que significa bazófia, a palavra foi criada para designar um instrumento de sopro inventado na América em 1910 por Bob Burns, um músico de jazz e comediante de rádio. Foi popularizada na Segunda Guerra Mundial para designar uma arma antitanque utilizada pelo Exército americano, cuja forma de tubo com uma pequena bolha na extremidade lembrava o instrumento com o mesmo nome.

Ouve-se e, desde o início, apetece cantar o que se ouve. Apetece cantar, mesmo que não tenhamos voz e que por isso o canto não seja exterior: apenas silencioso e solitário no nosso interior. A ária do catálogo e a ópera em que ela surge — o Don Giovanni, com música de Mozart e libreto de Lorenzo Da Ponte — são cimos da história deste género artístico, musical-teatral, nascido em Itália, na passagem do século XVI para o século XVII, e que até hoje foi conhecendo uma variedade e uma variação cheias de surpresas e prodígios.