É curioso que tão pouco tenha sido escrito sobre a curiosidade. A Metafísica de Aristóteles começa com uma afirmação lapidar sobre a curiosidade — «Todos os homens por natureza desejam conhecer» — e David Hume acaba o Livro II do Tratado da Natureza Humana com uma secção intitulada «Da curiosidade, ou amor à verdade». Também Santo Agostinho dedica à «tentação» da curiosidade um capítulo inteiro (X-35) das Confissões, e a Encyclopédie de Diderot e D’Alembert assume como seu objectivo «tratar de tudo o que diz respeito à curiosidade do homem em geral» (IV: 577-578). E também é verdade que um dos mais fulgurantes romances de Flaubert é inteiramente dedicado a retratar os excessos, as aventuras, as peripécias extravagantes que a curiosidade — aí elevada à categoria de paixão — desencadeia nessas deliciosas personagens que são Bouvard e Pécuchet.
Mas, para lá destes e de alguns outros momentos ilustres, para lá de referências, mais ou menos circunstanciais, espalhadas aqui e ali, em textos de autores tão diversos como Tertuliano ou Einstein, Séneca ou Montesquieu, Kepler ou Sigmund Freud, os escritos sobre curiosidade, os estudos que procuram tematizar esse universal desejo de conhecer, são surpreendentemente escassos.1
Como se não tivesse havido nunca curiosidade suficiente para pensar, de forma cuidadosa e perseverante, esse apetite que dá pelo nome de curiosidade. Ou, talvez, porque ela, a curiosidade, pertence àquela classe de conceitos demasiado vulgares, triviais, humilíssimos, de tal modo fugidios e disseminados que, justamente por isso, são rebeldes à teorização. Talvez mesmo impróprios.
Todos somos curiosos sem pensarmos nisso, portanto. Desde as crianças cuja curiosidade é supostamente incentivada nas escolas e proverbialmente reprimida nas famílias, até aos homens de ciência, vistos como aqueles em quem essa virtude alcança uma maior intensidade, passando pelos homens e mulheres de todas as idades e condições que, espontaneamente, estariam possuídos por esse desejo imprudente de conhecer a verdade dos factos, dos acontecimentos, das opiniões ou das teorias.
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