Os dedos são os das mulheres no metropolitano parisiense, de manhã cedo, que saíram das suas casas firmemente decididas; as braguilhas são as dos homens sobre os quais Louis Aragon escreve terem sido «violentamente arrancados ao sono» e que, ali, de pé no metropolitano, antes do sequestro do seu dia pelo trabalho, «readquirem a consciência do seu corpo». As mulheres são aquelas que a promessa de uma aventura, ou talvez apenas de um prazer furtivo, arranca momentaneamente à moral que torna o seu quotidiano tão triste. Aquele que narra ter sido sua presa deslumbrada admira «a sua coragem no assalto». Ditosos os homens que, no meio da multidão indiferente e dos sobressaltos das carruagens, foram abordados por mulheres tão livres! Nas páginas seguintes, Aragon relata tais encontros: como uma mulher da qual espera uma carícia o agarra, pelo contrário, violentamente, ou como quando se encontra colado às costas de uma outra, esta, sob o pretexto de manter o equilíbrio face ao movimento do comboio, afasta as nádegas para melhor ir e vir ao longo do seu sexo. A entrada em circulação das primeiras linhas de metropolitano é contemporânea dos primeiros movimentos de emancipação das mulheres.
Este relato, escrito no final dos anos 20, faz parte, sob o título «L’instant», da obra La Défense de l’infini, cujo manuscrito Aragon queimou diante da sua amante de então, a muito independente Nancy Cunard, que mantinha numerosas relações. Nancy deixou Louis pouco tempo depois. Alguns excertos desse livro já anteriormente publicados, alguns textos publicados anonimamente, como Le Con d’Irène, e ainda outros inéditos foram editados com o título La Défense de l’infini (fragments) em 1986, ou seja, depois da morte do escritor. Há páginas cujas justeza do olhar e beleza da língua elevam a potência pornográfica ao seu paroxismo. Não consigo lê-las sem sentir um ardor imediato na parte inferior do meu ventre.
Sou uma mulher tímida, menos agora do que quando era mais nova. O olhar dos homens embaraçava-me, não por ter medo daquilo que ele supunha, nem por vergonha do que poderia supor de mim, mas sobretudo porque me remetia para o pensamento do meu corpo, que eu achava pouco elegante, e esse pensamento encerrava uma panóplia de preocupações narcísicas. Foi por essa razão que muito me precipitei nos gestos, sem dúvida para neles ocultar o meu corpo. Mas tomar a iniciativa dos gestos no metropolitano que utilizo todos os dias desde que tive de começar a ganhar a vida, ou seja, desde os meus 18 anos, isso, nunca o ousei. Claro que acontecia deixar que mo fizessem com gentileza. Um dia, na soleira da minha porta, beijei um tipo que me tinha seguido até à rua e que não queria mais nada, que se foi embora satisfeito. Uma única vez revoltei-me, mas foi no autocarro, num dia de greve, e os congestionamentos da circulação tinham-me atrasado muito para uma consulta no psicanalista. É verdade que estávamos numa época diferente daquela de que fala Aragon: já não acreditávamos na virtude da castidade, vivíamos juntos sem nos casarmos ou divorciávamo-nos quando o amor acabava, já não acreditávamos em Deus e atirávamos pedras à polícia. Eu fazia amor como queria, com quem queria.
Toda a minha vida, no entanto, tive a fantasia de que um desejo flutuante, lábil, preenchesse a atmosfera urbana e suavizasse os hábitos dos citadinos apressados, agredidos e prisioneiros. Uma mão que nos segura a porta e que acariciamos, uma outra que sobe ao longo das nossas pernas quando as expomos à pessoa atrás de nós na escada rolante, um descomprometido roçar ou sorriso cúmplice quando se tem de deslizar para fora da massa humana de uma carruagem de metropolitano em hora de ponta. Tudo desta forma, apenas de passagem, sem outras consequências. Gestos e olhares que preencheriam o ar entre cada um de nós e todos os outros com uma matéria suave como algodão, que amoleceria a carne, apaziguaria os mais hostis, venceria a resistência dos mais blindados. Infelizmente, no metropolitano de hoje instalou-se um espaço incomensurável entre as mulheres e os homens, que não se dedicam senão a acariciar os seus telemóveis.
*Tradução de João Reis
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