Queríamos que alguém nos levasse a alguma parte e pensávamos ir de um lado para outro, mas, na verdade, depois de tanta espera, apenas podíamos chegar a um sítio de onde já tínhamos vindo. A casa, a escola e o trabalho eram a mesma coisa. Em Cuba, há um momento no qual todos os lugares voltam ao mesmo lugar, em que não se avança nem se retrocede, mas em que nos movemos na estagnação. Se fores a pé, demoras mais, mas envelheces menos. Era preciso ter em conta a raiva que invadia os habitantes de Havana quando nenhum autocarro passava, ou quando os que passavam iam cheios. Devíamo-nos ter montado nessa mesma raiva e conduzi-la nós mesmos, transportando-nos sobre a sua garupa a todos os lugares. A espera sem propósito é um ácido que derrete o plástico da juventude.
Avancei então pelo Malecón, pisando cuidadosamente o musgo húmido e escorregadio do muro. Àquela hora da manhã, o sol tinha um efeito fantasmagórico sobre as coisas, que pareciam prematuras. Encontravam-se desfocadas, como se tivessem sido arrancadas à força do ninho da noite.
Tinha saído de Cuba há quase quatro anos, levado pela cólera nacional do êxodo, e Havana encolhia com cada um dos meus regressos. Parecia-me cada vez mais uma aldeia, tão dócil, tão nada. Tinha agora um apartamento na Cidade do México, a mãe das desproporções, e as perspectivas tinham-se alterado na minha cabeça. Os sentidos, elásticos, eram mais permissivos, e a minha ideia de proximidade incluía agora infinitamente mais quilómetros. A terra continental ensina--nos que, por maior que seja uma ilha, tudo nela é perto entre si.
Na primeira vez que cheguei a Havana, contudo, também me pus a caminhar. Mas caminhei porque me parecia enorme, de uma magnitude tal que só a capital das tuas ilusões pode ter. Era aquele sítio que durante anos se cozinha a lume brando com o pavio da imaginação, onde a mente se escapa à espera da chegada do corpo, para finalmente juntos explodirem.
Tinha acabado de ingressar na universidade, após uma vida confinado à província, e caminhava pelas ruas principais, guiado pelo tumulto. O meu medo não me permitia entrar no sistema circulatório da cidade. Sentia que não conseguia pertencer nem entender os códigos internos, os sinais de trânsito, as estradas e os atalhos do costume. Por isso, caminhava.
Aquela Havana, a Havana imensa, era fruto da sobrevivência e da escassez.E esta de agora, a aldeia, também o é. Eu estava de visita para me enfiar na sua noite, repleta de grandes e frívolas festas. Festas muito sedutoras e convencidas de si mesmas. O dia em Cuba continua a ser comunista. É linear, cansativo, faz suar, consome, e até as pessoas com dinheiro têm dificuldade em adaptar-se ao ritmo que o dia impõe. Mas a noite, embora também nos consuma e faça suar, é cada vez mais neoliberal.
Pode dizer-se que o dia é o passado e que, de certa forma, a noite antevê o futuro, ou o afã de encontrar uma saída sem demasiado esforço, um buraco através do qual as pessoas se escapam sem fugir. Entre esses dois tempos impossíveis, move-se um país em que nada parece acontecer em tempo real. Todas as notícias, por exemplo, da fome ou da escassez de produtos nas lojas cubanas, já circularam anteriormente.
A noite está infestada de estabelecimentos privados de média dimensão, agora autorizados, que se construíram com base numa ideologia conservadora sinais do capitalismo de Estado que como uma tímida vanguarda surgem sobre a paisagem do estalinismo nacional e denunciam a cor da única pele de relevo que poderia existir debaixo desses escombros.
São os espaços que mais eficazmente materializam num êxito comprovado a ideia de que a política é uma coisa aborrecida da qual se encarregam o Castrismo e o exílio de Miami, algo de que já não precisamos para viver bem. Há clubes, centros culturais recreativos, galerias de arte e armazéns abandonados convertidos em espaços para cocktails ou exposições de natureza diversa.
A publicidade destas empresas vende uma série de coisas desejadas e aparentemente ao alcance de todos, sem passar pelo osso do sistema nem das suas relações sociais. Algo mais ou menos próximo daquilo a que Mark Fisher designou como «as protuberâncias semióticas [que] parasitam o que outrora foi o espaço público».
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