Figura
A. J. P. Taylor: historiador e estrela mediática
Kathleen Burk

O britânico A. J. P. Taylor foi um dos historiadores mais influentes e polémicos do seu tempo, com uma obra fundamental sobre a história política e diplomática dos séculos XIX e XX. Foi ainda pioneiro na utilização dos meios de comunicação de massas para a divulgação da história a um vasto público. A investigadora e professora da Universidade de Londres Kahtleen Burk, autora da biografia Troublemaker: The Life and History of A. J. P. Taylor, escreveu, para esta edição da Electra, o retrato desta figura intelectual, que nunca gerou indiferença, e cuja obra continua a suscitar paixões e controvérsias, frequentemente paralelas àquelas que os acontecimentos e as personalidades por ele estudados ainda hoje geram.

gsdsd

A. J. P. Taylor © Hulton Archive / Getty Images

A. J. P. Taylor não partilhava a propensão de alguns para confundir profundidade com impenetrabilidade. Para ele, o mais importante era a clareza, como na prosa inglesa clássica. De facto, na Grã-Bretanha suspeita-se muitas vezes que se um autor não torna as suas ideias e explicações claras é porque ele próprio não as entendeu verdadeiramente. Taylor era conhecido pelo seu domínio da palavra. Era igualmente conhecido pela diversidade dos seus conhecimentos, e a combinação destes dois elementos com a sua capacidade para pensar rapidamente de forma original e surpreendente cimentaram o seu carácter único.

No seu auge, A. J. P. Taylor foi o historiador diplomático mais famoso do mundo. No estrangeiro, foram os vinte e três livros que publicou. No seu país, o Reino Unido, foram os livros, mas também o jornalismo e a televisão. Foi o primeiro a fazer palestras na televisão; como se diz coloquialmente em Inglaterra, foi o primeiro tellydon (Taylor era um membro do Magdalen College, de Oxford, onde se costumava chamar dons ao corpo docente). Em suma, ele foi simultaneamente um académico e uma estrela mediática, a primeira combinação deste género no Reino Unido e provavelmente a nível mundial.

Taylor nasceu no condado de Lancashire, no Norte de Inglaterra. Os condados do norte aliam uma grande beleza natural — o Lake District e o Peak District, por exemplo — a centros comerciais e industriais cujo aspecto é por vezes sujo e deprimente. Em geral, as gentes do Norte orgulham-se do seu modo de falar brusco e daquilo que as diferencia do Sul: por exemplo, consideram-se mais simpáticos e com um espírito comunitário mais forte. Taylor revia-se neste inconformismo, em particular na oposição à corrente política dominante. Cresceu no seio de uma família abastada, mas com um pai socialista de esquerda e uma mãe comunista empedernida. Taylor sempre se considerou de esquerda, embora se arrogasse o direito de determinar ele próprio o que entendia por isso. Outro traço supostamente nortenho que ele partilhava era o prazer de ganhar e ter dinheiro — terá dito que a sua altura preferida do ano era a primeira semana de Abril, quando tratava dos impostos. De facto, ao fim de vinte anos como historiador académico, os rendimentos provenientes da crítica de livros, jornalismo e televisão eram superiores ao seu salário. Esta discrepância não parou de aumentar.

Precisava de dinheiro porque, a par do seu gosto por carros velozes e bons vinhos, acumulou três mulheres, duas amantes que mais tarde se tornaram suas mulheres, seis filhos e dois enteados. Por vezes a sua vida pessoal era turbulenta. Margaret, a primeira mulher, com quem nunca romperia completamente os laços forjados nos primeiros anos da relação e com quem teve quatro filhos, tinha tendência para se apaixonar por outros homens, primeiro Robert Kee, aluno de Taylor, depois, e mais significativamente, o poeta Dylan Thomas, que a roubou e ridicularizou. Taylor arranjou uma amante, Eve Crosland, cujo irmão, Tony Crosland, se tornaria ministro no governo liderado pelo Partido Trabalhista em 1974–79. Esta acabaria por lhe exigir que se divorciasse da mulher, de quem já estava separado há algum tempo, e se casasse com ela, caso contrário deixava-o. Fez as duas coisas, mas o casamento, que produziu mais dois filhos, não foi um sucesso a longo prazo. Voltou a acontecer o mesmo. Ainda casado com Eve, começou uma relação com a historiadora húngara Éva Haraszti; ao fim de alguns anos esta disse-lhe que ou ele se divorciava de Eve e eles casavam, ou ela o deixava. Fez as duas coisas. Com este casamento adquiriu dois enteados húngaros. Taylor raramente tomava decisões na sua vida pessoal, preferindo deixar-se andar até ser forçado pelas circunstâncias. No meio de tudo isto, manteve-se um pai dedicado. No entanto, é inegável que a sua atenção estava sobretudo concentrada noutros assuntos: a história e a sua carreira.

A razão fundamental da sua importância, e a base sobre a qual assentaram as outras partes da sua carreira, são sobretudo os livros. Dos vinte e três livros que publicou, alguns eram ilustrados e concebidos para atrair o grande público interessado em história, como The First World War: An Illustrated History e o excelente The Second World War: An Illustrated History. Outros eram livros de ensaio, contendo principalmente crítica literária, pièces d’occasion (que contextualizavam um aniversário histórico, como a Guerra da Crimeia, ou uma personalidade, como Napoleão III) e as suas palestras televisivas. Eram obras bastante populares junto do grande público e dos estudantes.

"Ele foi simultaneamente um académico e uma estrela mediática, a primeira combinação deste género no Reino Unido e provavelmente a nível mundial."

Muito mais importante foi o facto de em cada uma das suas quatro décadas de carreira ter escrito dois livros de incontestável valor histórico. Concentrou-se sobretudo na história europeia dos séculos XIX e XX, primeiro no império Habsburgo, e depois na Alemanha. Desde o início da sua carreira, em 1930, mostrou-se fluente em três línguas: além do inglês, lia e falava francês e alemão (tinha passado vários meses em França a fazer investigação e a montar a cavalo e dois anos em Viena a fazer investigação e a assistir a concertos). Mais tarde, quando surgiu a necessidade, juntou-lhes o italiano e depois o russo. Consultou atentamente diversas fontes no original. Bem cedo, por exemplo, comprou a um judeu refugiado em Inglaterra os 54 volumes de Die grosse Politik der europäischen Kabinette 1871–1914, que contêm documentos diplomáticos dos arquivos do Ministro Alemão dos Negócios Estrangeiros; pouco depois, seguiram-se volumes equivalentes com documentos britânicos e franceses e um volume com documentos italianos. Para além disso, leu a maior parte dos livros publicados sobre história europeia e muitas vezes escreveu as respectivas recensões. De facto, somou mais de 1600 críticas literárias: o primeiro texto que publicou, assim como o último, foram críticas de livros. Resumindo, num período em que os arquivos não estavam abertos a historiadores, o seu conhecimento profundo de história diplomática europeia era provavelmente inigualável.

Taylor acreditava no valor da história diplomática, hoje tantas vezes menosprezada. Como escreveu em Maio de 1939, «uma vez o Sr. G. M. Young [historiador britânico] desvalorizou a história diplomática como “aquilo que um escriturário disse a outro escriturário”, e efectivamente os detalhes da história diplomática parecem de uma trivialidade irremediável; mas, na verdade, a história diplomática lida com o maior dos temas — as relações entre Estados, paz e guerra, a existência e destruição de comunidades e civilizações». Por isso, faz sentido que dos seus três trabalhos mais importantes, dois sejam essencialmente história diplomática.

[...]

*Tradução de Ana Macedo

fxbbnfx

As causas da Segunda Guerra Mundial explicadas com detalhe na BBC por A. J. P. Taylor, 1977