No dealbar do século XX o psicólogo americano G. Stanley Hall publicava o primeiro levantamento exaustivo do que chamou adolescência. Os dois tomos de Adolescence coligiam, em mais de mil e quinhentas páginas, um vasto conjunto de dados sobre esta «segunda fase da vida» situada entre a infância e a idade adulta, que o autor circunscrevia ao tempo entre os 13 e os 24 anos. Stanley Hall caracterizava esta fase crucial como a idade da inquietação e do desassossego (uma ideia inspirada nos pré-românticos de setecentos), e por isso carente de afecto e de conselhos.
A sua proposta era, pura e simplesmente, a criação de uma nova fase da vida que iria aumentar a dependência dos jovens e retardar a sua entrada no mundo do trabalho: «à medida que a civilização avança, a educação expande-se. Os anos de escolaridade necessariamente aumentam à medida que a comunidade vai robustecendo os seus ideais». Continuar a restringir o tempo passado na escola ou na universidade seria «uma tentativa de regresso à barbárie. O valor de um sistema educativo deve medir-se pelo êxito que alcança na missão de levar os adolescentes a atingir o mais elevado grau do seu desenvolvimento».
Nesta perspectiva, a adolescência estava indissoluvelmente ligada à potencial ascensão de todo um continente, também ele jovem: «Nós, americanos, somos uma raça mista, o que torna o período da adolescência na América um caso único. Quando a natureza permanece pura, este agitado período de crescimento cumpre-se rapidamente e com poucos problemas, como acontece entre os judeus e os alemães. O período da adolescência é mais prolongado na América devido à mistura de sangue, mas, se sobrevivermos às provações e aos perigos desta idade, seremos os mais esplêndidos homens e mulheres que o mundo alguma vez conheceu».
O grande impacto de Adolescence nos meios académicos, aliado a um inusitado êxito de livraria, contribuiu para reforçar a urgência de um aumento de oportunidades educativas e abriu os olhos dos americanos para esta idade omnipresente mas mal definida. Ao mesmo tempo, Stanley Hall oferecia à América uma visão de si mesma como um país jovem que seria o farol do novo século: «Pelo próprio facto de pensarmos que somos uma jovem nação, a nossa fé no futuro regenera-se, e um dia esta terra de liberdade e oportunidades inigualáveis há-de atrair a juventude do mundo inteiro».
Na altura em que o estudo de Hall foi publicado (1904) vários indícios haviam alertado adultos e educadores para a possibilidade de a juventude ter tanto de sonho como de pesadelo. Os adolescentes tinham uma presença visível e hostil nas ruas de muitas cidades europeias e americanas e já eram alvo de denúncias e boatos alarmistas nos jornais, como aconteceu com o Growler Gang, fotografado por Jacob Riis em Nova Iorque, com os Apaches de Paris, com os Hooligans e os Scuttlers da Grã-Bretanha — os novos tipos urbanos que eram tão perigosos quanto bizarros no vestir.
De facto, as primeiras definições de uma fase autónoma da vida, situada entre a infância e a idade adulta, vieram da área da criminologia. A expressão delinquente juvenil foi cunhada em meados do século XIX para descrever um novo fenómeno — um crime específico de uma certa faixa etária e de uma certa classe — quando rapazes e raparigas da classe trabalhadora tiveram a audácia de exprimir as oportunidades novas que a urbanização e a industrialização em massa lhes traziam: a falta de supervisão dos pais, o dinheiro no bolso graças às novas indústrias. À deriva das velhas normas, eram eles os precursores de um futuro novo e inquietante.
Também os livros mapeavam a experiência da adolescência vista pelos próprios. O diário de Marie Bashkirtseff, publicado em 1887, após a morte prematura da autora, falava com desassombro da frustração adolescente, prefigurando a cultura das celebridades do século XX: «Se eu não morrer nova, tenho a esperança de viver a vida de uma grande artista; mas se morrer nova quero que um dia se publique o meu diário, que tem tudo para ser interessante», escreveu; «sonho em ser célebre, famosa». O diário íntimo tornar-se-ia a expressão intrínseca e talvez a mais verdadeira da experiência adolescente.
Anunciado não só por Stanley Hall em Adolescence mas também por Peter Pan, de J. M. Barrie e O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, o novo estatuto dos jovens era inquietante, que tanto adultos como governos procuraram conter e orientar. Na primeira década do século xx assistiu-se à criação do movimento de escoteiros (Boy Scouts) nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, e à formação de grupos paramilitares de jovens na Alemanha, nomeadamente a Jungdeutschland-Bund (Liga da Juventude Alemã), que em 1914 contava com cerca de 750 mil membros — o maior grupo juvenil do mundo.
Na Europa, a Primeira Guerra Mundial veio dar outro relevo à percepção da juventude que então emergia. Com a morte inútil de centenas de milhares de jovens veio a sensação de que a juventude era um tempo simultaneamente escasso e precioso, e que a juventude em si mesma e como princípio poderia ajudar a traçar de outra maneira os contornos do mundo no pós-guerra. Como escreveu o pintor Percy Wyndham Lewis, «toda a gente queria, digamos assim, voltar a nascer. Apagar o passado, especialmente o tempo antes da guerra; era essa a ideia».
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