Assunto
A era da adolescência
Jon Savage

A «adolescência», uma categoria psico-sociológica surgida no início do século XX, forneceu à América e à Europa projecções de bem-estar, educação e progresso. Os jovens adquiriram assim um estatuto importante e foram o sujeito de uma nova cultura, cuja história é traçada neste texto por um jornalista e crítico de música inglês, Jon Savage, autor de Teenage: The Prehistory of Youth Culture: 1875–1945 e de Teenage: The Creation of Youth Culture, assim como de outros livros sobre música e cultura pop e punk-rock, onde se destaca uma história dos Sex Pistols.

No dealbar do século XX o psicólogo americano G. Stanley Hall publicava o primeiro levantamento exaustivo do que chamou adolescência. Os dois tomos de Adolescence coligiam, em mais de mil e quinhentas páginas, um vasto conjunto de dados sobre esta «segunda fase da vida» situada entre a infância e a idade adulta, que o autor circunscrevia ao tempo entre os 13 e os 24 anos. Stanley Hall caracterizava esta fase crucial como a idade da inquietação e do desassossego (uma ideia inspirada nos pré-românticos de setecentos), e por isso carente de afecto e de conselhos.

A sua proposta era, pura e simplesmente, a criação de uma nova fase da vida que iria aumentar a dependência dos jovens e retardar a sua entrada no mundo do trabalho: «à medida que a civilização avança, a educação expande-se. Os anos de escolaridade necessariamente aumentam à medida que a comunidade vai robustecendo os seus ideais». Continuar a restringir o tempo passado na escola ou na universidade seria «uma tentativa de regresso à barbárie. O valor de um sistema educativo deve medir-se pelo êxito que alcança na missão de levar os adolescentes a atingir o mais elevado grau do seu desenvolvimento».

Nesta perspectiva, a adolescência estava indissoluvelmente ligada à potencial ascensão de todo um continente, também ele jovem: «Nós, americanos, somos uma raça mista, o que torna o período da adolescência na América um caso único. Quando a natureza permanece pura, este agitado período de crescimento cumpre-se rapidamente e com poucos problemas, como acontece entre os judeus e os alemães. O período da adolescência é mais prolongado na América devido à mistura de sangue, mas, se sobrevivermos às provações e aos perigos desta idade, seremos os mais esplêndidos homens e mulheres que o mundo alguma vez conheceu».

O grande impacto de Adolescence nos meios académicos, aliado a um inusitado êxito de livraria, contribuiu para reforçar a urgência de um aumento de oportunidades educativas e abriu os olhos dos americanos para esta idade omnipresente mas mal definida. Ao mesmo tempo, Stanley Hall oferecia à América uma visão de si mesma como um país jovem que seria o farol do novo século: «Pelo próprio facto de pensarmos que somos uma jovem nação, a nossa fé no futuro regenera-se, e um dia esta terra de liberdade e oportunidades inigualáveis há-de atrair a juventude do mundo inteiro».

Na altura em que o estudo de Hall foi publicado (1904) vários indícios haviam alertado adultos e educadores para a possibilidade de a juventude ter tanto de sonho como de pesadelo. Os adolescentes tinham uma presença visível e hostil nas ruas de muitas cidades europeias e americanas e já eram alvo de denúncias e boatos alarmistas nos jornais, como aconteceu com o Growler Gang, fotografado por Jacob Riis em Nova Iorque, com os Apaches de Paris, com os Hooligans e os Scuttlers da Grã-Bretanha — os novos tipos urbanos que eram tão perigosos quanto bizarros no vestir.

De facto, as primeiras definições de uma fase autónoma da vida, situada entre a infância e a idade adulta, vieram da área da criminologia. A expressão delinquente juvenil foi cunhada em meados do século XIX para descrever um novo fenómeno — um crime específico de uma certa faixa etária e de uma certa classe — quando rapazes e raparigas da classe trabalhadora tiveram a audácia de exprimir as oportunidades novas que a urbanização e a industrialização em massa lhes traziam: a falta de supervisão dos pais, o dinheiro no bolso graças às novas indústrias. À deriva das velhas normas, eram eles os precursores de um futuro novo e inquietante.

Também os livros mapeavam a experiência da adolescência vista pelos próprios. O diário de Marie Bashkirtseff, publicado em 1887, após a morte prematura da autora, falava com desassombro da frustração adolescente, prefigurando a cultura das celebridades do século XX: «Se eu não morrer nova, tenho a esperança de viver a vida de uma grande artista; mas se morrer nova quero que um dia se publique o meu diário, que tem tudo para ser interessante», escreveu; «sonho em ser célebre, famosa». O diário íntimo tornar-se-ia a expressão intrínseca e talvez a mais verdadeira da experiência adolescente.

Anunciado não só por Stanley Hall em Adolescence mas também por Peter Pan, de J. M. Barrie e O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, o novo estatuto dos jovens era inquietante, que tanto adultos como governos procuraram conter e orientar. Na primeira década do século xx assistiu-se à criação do movimento de escoteiros (Boy Scouts) nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, e à formação de grupos paramilitares de jovens na Alemanha, nomeadamente a Jungdeutschland-Bund (Liga da Juventude Alemã), que em 1914 contava com cerca de 750 mil membros — o maior grupo juvenil do mundo.

Na Europa, a Primeira Guerra Mundial veio dar outro relevo à percepção da juventude que então emergia. Com a morte inútil de centenas de milhares de jovens veio a sensação de que a juventude era um tempo simultaneamente escasso e precioso, e que a juventude em si mesma e como princípio poderia ajudar a traçar de outra maneira os contornos do mundo no pós-guerra. Como escreveu o pintor Percy Wyndham Lewis, «toda a gente queria, digamos assim, voltar a nascer. Apagar o passado, especialmente o tempo antes da guerra; era essa a ideia».

"As primeiras definições de uma fase autónoma da vida, situada entre a infância e a idade adulta, vieram da área da criminologia. A expressão delinquente juvenil foi cunhada em meados do século XIX para descrever um crime específico de uma certa faixa etária e de uma certa classe."

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© Márcio Matos / Príncipe Discos

 

Falava-se muito de um conflito de gerações na Europa: a geração anterior à guerra, que enviara os jovens para a morte certa; a geração da guerra, que sofrera tanto; e a geração do pós-guerra, que nada tinha a ver com idealismos e sacrifícios e só queria gozar a vida como se não houvesse amanhã. As posições extremaram-se a ponto de se tornarem quase ideologias, das quais a mais pujante foi, nos anos 20, o hedonismo — viver em estado de festa permanente, cujo exemplo acabado foram as Bright Young Things no Reino Unido e as Flappers nos EUA.

Na América, o aumento do número de jovens que frequentavam a escola secundária e o ensino superior fomentou o aparecimento do tipo feminino juvenil dos anos 20, que ficou conhecido como Flapper. As adolescentes podiam ter agora mais liberdade e, sendo consumidoras ávidas, inspiraram a ideia de criar um mercado exlusivamente destinado a jovens. A ideia ligava-se a outros fenómenos de massa — os novos meios de comunicação, os filmes, a rádio — através da popularidade de bandas de jazz e estrelas de cinema como Rudolfo Valentino, cuja morte em 1926 ficou assinalada por uma histeria colectiva nas ruas de Manhattan na hora em que o seu corpo era velado. Os fãs eram conhecidos como Sheiks e Shebas, uma referência ao seu filme mais famoso, The Sheik.

Entretanto, na Europa dos anos 20 assistia-se ao aparecimento de grupos de jovens orientados para o regresso à natureza. Nos anos que antecederam a guerra haviam surgido na Alemanha os Wandervögel (aves de arribação), mas no espaço de alguns anos despontava toda uma panóplia de grupos, desde os bandos naturistas proto-hippies às organizações sob o lema nacionalista do «regresso à terra». No Reino Unido, comunidades como a Kindred of the Kibbo Kift e os Woodcraft Folk tentaram fundir a etnografia popular, as vestes hieráticas e as competências práticas que lhes permitissem regressar à ruralidade, procurando assim reverter a industrialização e a urbanização.

No entanto, muito mais significativa do que qualquer destes novos tipos era a nova cultura de comunicação de massas que chegava dos EUA, onde o mercado juvenil já estava firmemente estabelecido. O número crescente de estudantes inscritos nas universidades — número que em 1924 sofreu um aumento de 400% em relação a 1890 — contribuiu para o aparecimento de uma nova classe transversal de jovens. Estudar numa universidade levava os adolescentes a deixar as suas cidades natais e a conheceram outros como eles, vindos de diferentes regiões do país; o que todos tinham em comum era a juventude, e essa exprimia-se em filmes, revistas, na música e no álcool.

O prazer pode ter sido o tema unificador para muitos adolescentes dos anos 20, mas o prazer ficou comprometido, como tanto mais, pela queda da bolsa de Nova Iorque em 1929. Com o agravamento da Grande Depressão nos anos seguintes, mudou a atenção dada aos jovens, que se situavam no ponto nevrálgico do desastre económico. A Europa e a América estavam seriamente preocupadas com a polarização política no mundo ocidental, que se dividia entre a ameaça emergente do fascismo e do seu oposto, o comunismo. «De que lado estás?» tornou-se a pergunta e o tema recorrentes.

O conflito acentuou-se depois da tomada do poder por Hitler e os nacional--socialistas em Janeiro de 1933. Na Alemanha os nazis instituíram corporações nacionais de jovens, segregadas por género, a Juventude Hitleriana para os rapazes e a Bund Deutscher Mädel – BDM [Liga das Jovens Alemãs] para as raparigas, enquanto fascistas e comunistas lutavam entre si nas ruas da Grã-Bretanha e da América. Em Espanha desencadeava-se uma guerra sem quartel, a guerra civil de 1936–1939, usada pelos nazis — apoiantes do general Franco — como exercício militar para o conflito que já planeavam.

A resposta da América durante a Grande Depressão foi, em primeiro lugar, envolver os jovens em projectos nacionais de requalificação — através do Civilian Conservation Corps — e depois garantir que um maior número de jovens entre os 13 e os 18 anos iniciava e permanecia no sistema educativo. Foi este plano de acção a causa acidental da criação de uma classe transversal de jovens, que excederia em número a dos estudantes universitários dos anos 20 à medida que os adolescentes americanos de um mesmo grupo etário entravam no ensino secundário e começavam a criar uma cultura geracional própria com os seus pares.

Tal como a geração dos anos 20, estes adolescentes dos finais dos anos 30 gostavam de jazz, mas desta vez os jovens eram tantos e a nova música tinha tal vigor que a conjunção dos factores criou o que se poderia chamar o primeiro estilo juvenil de massas. Impulsionada pelo sucesso da orquestra de Benny Goodman — que invadiu os media nacionais em 1937 — a música e a cultura do swing arrebataram os jovens americanos nos anos seguintes. Red Norvo, o vibrafonista de Goodman, descreveu-a como «um ritmo que inspira e acelera o ouvinte com um sincopado ultramoderno».

"Os filhos do pós-guerra geralmente pensam que inventaram tudo, mas todos os elementos do que hoje consideramos ser uma cultura da juventude já existiam na cultura swing."

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Georgia O’Keeffe, Oriental Poppies, 1928
© Fotografia: Alexandre Ramos

 

Com o swing aumentou o ritmo da vida adolescente. A diferença entre a cultura juvenil do jazz dos anos 20 (hot jazz) e a dos anos 30 (swing) estava no maior número de adolescentes envolvidos graças à cultura geracional da high school. Entretanto, os meios de comunicação de massa — filmes, revistas, jukeboxes e em particular a rádio — atingiam maiores audiências do que na década anterior. Como observaram os editores da Jitterbug, um fanzine adolescente de 1939, «o jazz é hoje uma grande indústria que depende do consumo de massas».

Os filhos do pós-guerra pensam que inventaram tudo, mas todos os elementos do que hoje consideramos ser uma cultura da juventude já existiam na cultura swing. Foi uma forma massiva de entretenimento e comunicação: em 1938, cem mil fãs esgotaram a lotação de um estádio em Chicago para assistir a um Swing Jamboree. Arrebatando os adolescentes de toda a América no final dos anos 30, o swing trazia consigo elementos da cultura negra que lhe deu origem: a linguagem (jive talk), as danças (o jitterbugging, o Lindy Hop) e as roupas (zoot suits). Era um mundo juvenil completo em si mesmo.

Em 1939 o swing começava a espalhar-se pela Europa, mas os anos seguintes iriam dar-lhe maior proeminência. Nesse ano, cerca de 85% dos adolescentes alemães entre os 12 e os 18 anos estava na Juventude Hitleriana e na BDM. Treinados para a guerra, enfileiraram com entusiasmo no serviço militar obrigatório mal se iniciaram as hostilidades, em Setembro; e durante uns dois anos a máquina de guerra nazi varreu grande parte da Europa impondo as suas regras totalitárias nos territórios conquistados e regimes-fantoche em França, na Noruega e na Polónia.

Mas tanto na Alemanha nazi como no Norte da França a música e a cultura do swing foram um ponto de encontro da pequena percentagem de bravos adolescentes que decidiram resistir ao nacionalismo e ao totalitarismo que lhes queriam impor. No início dos anos 40, os Hamburg Swings desafiaram abertamente os nazis recusando-se a usar uniforme e assistindo a concertos proibidos, enquanto em Paris os Zazous enfureceram os ocupantes nazis e os fascistas franceses por vestirem roupas de exagerado estilo americano, ouvirem swing e recusarem submeter-se ao militarismo e aos trabalhos forçados.

Havia a nítida sensação de que o swing, com as suas fortes raízes na cultura desfavorecida dos negros americanos (assim se dizia na época), era uma música intrinsecamente democrática e progressista. Com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, o swing ficou estreitamente associado aos valores de um país que se posicionava como bastião da liberdade contra os nazis; e os jovens fãs levavam esta mensagem muito a sério. Foi no ano em que rebentou a guerra que um americano escreveu a um amigo na Alemanha, com quem se correspondia: «quando se trata de arte, e o swing é uma arte, desaparecem as fronteiras».

Em finais de 1941 a América sofreu convulsões internas. Num tempo de perturbações decorrentes do esforço de guerra (industrialização, migração interna, falta de vigilância dos pais), começou a ser vigiado o comportamento dos jovens — os rapazes menores de 18 anos e as raparigas em geral; em 1943 houve alguns sobressaltos: o consumo de drogas, a violência racial (os Zoot Suit Riots), as Victory Girls (raparigas que se ofereciam aos militares) e a delinquência juvenil. Até o fbi se envolveu e J. Edgar Hoover chegou a falar do assunto em termos de «um lento apodrecer que é a desintegração da moral».

Obviamente, alguma coisa se tinha de fazer com esta juventude, e a resposta estava bem à vista das autoridades que a quisessem ver. Durante a guerra, as subculturas que tinham tido alguma autonomia nos vinte anos anteriores — os Sheiks e Shebas universitários dos anos 20, a cultura swing dos anos 30 — fundiram-se na figura do «adolescente». Estes jovens que, por serem demasiado novos para se envolverem activamente no esforço de guerra, ou por serem do sexo que não era aceite em combate, estavam protegidos contra os efeitos directos do conflito, iriam tornar-se o símbolo vivo do novo sonho americano.

Desde o início da guerra, a cultura swing vinha alargando fronteiras, baseada na música, na moda, no cinema e em outras actividades de lazer. Em 1943 era frequentemente disseminada pelos media nacionais: por exemplo, o suplemento «High School Fads» da revista Life em 1944. Havia várias palavras para descrever este mercado juvenil: sub-debs, teensters ou teeners — esta última baseada no sufixo usado para a segunda década de vida: thirteen, fourteen, etc.

O termo oferecia maior credibilidade devido à instituição, em 1943, dos clubes para jovens patrocinados pelo governo, as Teen Canteens, uma tentativa de desviar a energia juvenil para fins mais úteis, envolvendo os jovens na organização e na administração dos clubes. Entretanto, o poder do mercado juvenil (estimado em 750 milhões de dólares) ganhou ainda maior relevo na sociedade graças ao sucesso de Frank Sinatra, cuja aparição em cinemas como o Paramount de Nova York provocava a histeria colectiva das fãs, também ela amplamente divulgada pelos media.

Em Setembro de 1944 foi lançada a revista Seventeen, que conjugava todos estes elementos. Destinada a raparigas, foi um sucesso imediato, vendendo mais de 500 mil exemplares e codificando a nova definição de juventude com a sua mistura de «moda jovem & beleza, filmes & música, ideias & pessoas». A teenager rondava os 17 anos e era uma consumidora, na boa tradição capitalista americana: na revista abundavam, por exemplo, os anúncios à moda juvenil feminina (a linha «Teen Canteen» da Blum Store, a «Young Circle» do Saks Fifth Avenue).

Mas as coisas não eram assim tão simples. Tanto na Seventeen como em manifestos — basta recordar aquele que Elliot E. Cohen publicou em Janeiro de 1945, «A Teen-Age Bill Of Rights» — o teenager foi concebido para ser consumista e essencialmente materialista, mas também democrata — porque o seu país lutava contra o fascismo — e progressista. Os clássicos produtos dirigidos aos adolescentes americanos incluíam a curta-metragem The House I Live In, de 1945, um filme que promove a tolerância racial protagonizado por Frank Sinatra, a estrela adolescente da altura.

É aqui que Teenage: The Creation of Youth 1875–1945 termina. O livro culmina com o fim da Segunda Guerra Mundial: além dos seus horrores — a detonação de bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki, para citar apenas dois —, 1945 foi também o ano em que os eua se tornaram a potência dominante no mundo ocidental. Com essa ascensão veio a propagação global dos valores americanos, que nessa altura professavam, e em certa medida promoviam, o que poderíamos chamar «consumismo democrático».

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Sara de Campos, Sem título, da série República, 2017
Cortesia da artista

 

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Georgia O’Keeffe, Poppies, 1959
© Fotografia: Alexandre Ramos

 

"Desde os finais do século XIX as nações e os regimes europeus ambicionaram organizar os adolescentes em benefício próprio, ambição que redundou quase sempre em arregimentação e militarismo."

Nesse ano zero os jovens estavam na linha da frente, simbolizados pela figura do teenager. O mundo antigo morrera e os grupos mais bem posicionados para tomar a dianteira nos novos tempos seriam os jovens, que sempre foram tidos como a encarnação de um futuro auspicioso. Aristóteles disse que os jovens «vivem a vida sobretudo em esperança», enquanto para Stanley Hall a adolescência era nada menos que um segundo nascimento. No acto de esquecer, necessário para que o mundo ocidental continue, a juventude foi mais uma vez exaltada — como acontecera depois da Grande Guerra — como tabula rasa.

Desde os finais do século XIX até hoje a definição de juventude teve um percurso sinuoso. As nações e os regimes europeus ambicionaram organizar os adolescentes em benefício próprio, ambição que redundou quase sempre em arregimentação e militarismo — a síndrome que, na sua forma mais extrema, levara a Juventude Hitleriana ao fanatismo suicida. Literatura e arte pretenderam conceber o que seria a independência juvenil, enquanto o grande esforço da psicologia foi mapear e controlar esta fase de instabilidade e inquietação.

Graças à pesquisa pioneira de Stanley Hall na viragem do século, os eua desbravaram o caminho para a abordagem da questão da juventude. O século assistiu à primeira cultura adolescente de consumo em massa durante a década de 1920, e às primeiras tentativas governamentais, uma década depois, para que a organização dos adolescentes fosse mais humanista do que coerciva. As duas abordagens fundiram-se durante a Segunda Guerra Mundial, quando as exigências de um mercado juvenil florescente foram integradas nas políticas sociais que ofereciam algum grau de autonomia aos adolescentes.

Chegado a um estatuto de relevo através de uma intrincada ecologia da pressão de pares, dos desejos pessoais e de um marketing inteligente, o teenager resolveu a questão colocada pela guerra: em que tipo de sociedade de massas vamos viver? Ao contrário do fascismo ou do comunismo, o futuro americano seria organizado em torno do prazer e da aquisição — mobilizando a produção em massa para produtos de lazer descartáveis, como as revistas, os cosméticos e a roupa, ou o equipamento militar.

Os Aliados venceram a guerra no momento exacto em que o novo produto americano saía da linha de montagem. Especificamente definido em 1944 e 1945, o teenager tinha sido pesquisado e desenvolvido durante uns bons cinquenta anos — o período que marcou a ascensão da América ao poder global. O teenager foi a imagem psíquica mais completa de toda uma era: viver no agora, à procura de prazer, à fome de produtos, corporizando a nova sociedade global de massas onde a inclusão social apenas seria concedida a troco do poder de compra.

Durante os últimos setenta anos (ou mais) tem sido este o ritual básico que facilita a transição entre a infância e a vida adulta no Ocidente. Muitos analistas conservadores têm visto os jovens como carneirada cega, manipulável por capitalistas sem escrúpulos, mas o modelo da «Era Teen» foi projectado para incluir os adolescentes no processo. Os produtores de roupas, de cosméticos e afins perceberam que recrutando os jovens como parceiros criativos (se não mesmo como parceiros comerciais) teriam mais hipóteses de vender os produtos que os adolescentes talvez quisessem realmente comprar.

As múltiplas variações sobre o tema deram origem à grande eflorescência das culturas juvenis nas últimas sete décadas e ajudaram também a forjar as mais importantes liberdades sociais que muitos têm vivido no Ocidente. Na Grã-Bretanha, a cultura pop dos anos 60 andou de mãos dadas com uma legislação progressista em matérias de divórcio, igualdade sexual e homossexualidade, enquanto nos EUA coexistiu com o poderoso impulso pela igualdade consubstanciado nos movimentos de direitos civis, direitos da mulher e dos gays.

No entanto, parece que as coisas estão a mudar. O período de reconstrução, no pós-guerra, ofereceu alguma estabilidade que hoje se esgotou, que foi subvertida e se subverteu por uma voraz facção de extrema-direita. A autoridade moral dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, a América e a Grã-Bretanha, foi levada à falência por Trump e pelo Brexit. Entretanto o ideal do teenager está ameaçado, devido às suas ligações com um modelo económico com grandes volumes de negócio e grandes custos que está a tornar-se insustentável em termos de recursos globais.

O livro Teenage termina em 1945 em parte porque fazia sentido para mim terminar o livro com um começo. Por outro lado, queria apresentar uma polémica velada: temos vivido assim, mas a situação não é imutável. Tudo se move, e move-se rapidamente; são essas circunstâncias que forçam a mudança. Ao apresentar a história oculta do modelo de juventude que hoje conhecemos, quis mostrar que a cultura juvenil não é automaticamente hedonista, democrática e até progressista. O teenager não é necessariamente um facto permanente da vida.

Ns últimos setenta anos houve grupos de jovens que eram militaristas e nacionalistas, como a Jungdeutschlandbund na Alemanha. Houve grupos francamente hedonistas, como as Bright Young Things da Grã-Bretanha dos anos 20 ou os College Kids na América. Houve fascistas: a Juventude Hitleriana, em particular, uma organização de inscrição obrigatória que afirmava: «a mocidade deve ser liderada pela mocidade». Houve grupos do regresso à natureza, como o alemão Wandervögel ou o britânico Kindred of the Kibbo Kift. Variações como estas são ainda possíveis.

É importante ouvir os jovens porque eles estão no fio da navalha neste mundo que os adultos criaram. Os velhos tempos já passaram. A actual marginalização de muitos jovens europeus em relação à segurança do emprego, por exemplo, às transições tradicionais para a vida adulta (casamento, compra de casa), e mesmo à vida política tal como a conhecemos, pode criar uma situação perigosa, propícia ao extremismo e a uma desestabilização ainda maior. No lugar deles, quem os poderá culpar?

*Tradução de Maria Jorge de Freitas