Assunto
Turismo: o necessário decrescimento
Thierry Paquot

Da viagem de lazer e iniciação dos jovens da nobreza, a que se deu o nome de «Grand Tour», ao turismo de massa do nosso tempo, há uma diferença que o teórico do urbanismo Thierry Paquot sublinha de maneira enfática, partindo da ideia de que o passeio turístico já nada tem a ver com o conceito de viagem e defendendo que é urgente interromper o movimento crescente do turismo mundial.

A prática do Grand Tour que os filhos dos aristocratas ingleses realizavam na Europa no final do século XVII, e sobretudo ao longo do século XVIII, de modo a concluir a sua educação, conduzia-os a cidades de elevada reputação cultural, tanto em França como em Itália, os dois principais destinos dessas estadas de vários meses, ou mesmo de anos. O «turista» (a palavra surge em francês no início do século XIX, sendo consagrada por Stendhal com as suas Mémoires d’un touriste, de 1838) inscreve-se geralmente numa categoria social privilegiada ou numa «boémia» dispondo de relações, desse modo beneficiando de boas condições de acolhimento. O turismo desenvolve-se devido ao comboio, que facilita as viagens, oferecendo em simultâneo a rapidez e a pontualidade das deslocações, acompanhadas por um conforto apreciável (vagões-cama, carruagens-restaurante, carregadores, depósitos de bagagem, etc.). Malas por medida (é o início do luxo não ostentatório) e vestuário e calçado destinados aos viajantes completam a indumentária do turista perfeito. Novos destinos são propostos, geralmente para estadas de curta duração, como as estâncias termais ou balneares, numa altura em que a natação começa a ser prescrita pelos médicos. Seria um erro falar de «democratização do turismo», uma vez que este não diz então respeito senão a uma população abastada pouco numerosa, que frequenta os mesmos hotéis e joga nos mesmos casinos. No entanto, as primeiras «viagens organizadas» incluem, desde meados do século XIX, representantes daquilo que ainda não se designa como «classes médias».

Paralelamente às primeiras agências de viagens (como a de Thomas Cook, na Grã-Bretanha, que inicia os seus périplos organizados em 1841), são publicados os primeiros «guias turísticos» (o Baedeker em 1828, o Murray em 1836, e o Joanne em 1851, pela Hachette, que se tornará mais tarde o Guide Bleu), os quais não apenas indicam os «pontos de vista» e os «monumentos» excepcionais, ou as «especialidades locais», como fornecem igualmente alguns conselhos práticos. As Exposições Universais, que, desde a de Londres em 1851, se realizam regularmente nas grandes cidades, estimulam o turismo, que é praticado de acordo com várias modalidades facilmente combináveis entre si, como o turismo de lazer, o turismo de negócios e o turismo sexual. Estes «acontecimentos» requerem a construção de hotéis, de restaurantes e de lugares de distracção (como teatros, cabarets, museus, grandes armazéns, piscinas, hipódromos, ringues de patinagem, parques e jardins…), mas também de redes de transportes urbanos. Progressivamente, essas cidades electrificam-se, ornamentam-se e modernizam-se. O turismo participa do crescimento económico da cidade e esse crescimento junta-se, em maior ou menor grau, ao do território. A Exposição de Paris de 1900 recebe mais visitantes do que o número de habitantes do «Hexágono»: 60 milhões contra 40! Uma parte não negligenciável são turistas vindos por vezes de muito longe, e não apenas excursionistas de um só dia. O comboio é completado pelos navios de cruzeiro e, pouco depois, pelos aviões, rivalizando estes meios de transporte em termos de luxo, de modo a atrair uma clientela endinheirada. Um economista americano, Thorstein Veblen, elabora The Theory of the Leisure Class (1899) para designar esses turistas sazonais que vivem dos seus bens e que impõem o seu modo de vida nos palácios das capitais e noutros locais chiques de vilegiatura. Assim, o «Grande Hotel» mune-se de um salão de cabeleireiro, de lavandaria e de limpeza a seco, de um quiosque de jornais, de uma tabacaria, etc., servindo o pequeno-almoço em modo self-service, o que constitui o último grito da moda! Este turismo topo de gama, com os seus ritmos específicos (o Verão é passado na montanha para se respirar o ar puro, o Inverno na margem do Mediterrâneo, naquilo que ainda não se designa por Côte d’Azur, de modo a beneficiar do seu clima ameno) e as suas actividades próprias, ignora um novo tipo de turismo, desta vez popular, que resulta da legislação relativa às férias pagas. No entanto, num efeito de mimetismo (as famosas Lois de l’imitation, tão bem analisadas por Gabriel Tarde desde 1890), os «veraneantes» provenientes do povo (aquele que, em França, ocupa as fábricas em Junho de 1936) esperam assemelhar-se aos «burgueses» que a câmara de filmar de Jean Vigo examina clinicamente, com o olhar de um entomólogo, em À propos de Nice (1929).

Depois da Segunda Guerra Mundial, o turismo intensifica-se e é em nome do crescimento económico que numerosas políticas estatais são postas em prática, as quais encontram por parte dos eleitos uma reacção favorável. Qualquer presidente de câmara deseja possuir o seu festival, o seu Carnaval, a sua feira, pretextos para investir na indústria turística, a qual supostamente proporciona um elevado retorno. Na verdade, muito rapidamente a economia turística se internacionaliza e transcende o domínio do local. Verificam-se naturalmente alguns recuos, mas estes revelam-se afinal bastante modestos, uma vez que os gelados e os bilhetes postais provêm igualmente de empresas multinacionais! O turismo surge, para muitos, como a solução que permitirá desenvolver o Terceiro Mundo e substituir a fábrica deslocalizada. «Inventa-se» o turismo «equitativo», o turismo «durável» e o turismo «solidário», que devem contribuir para o enriquecimento local, sem perturbar as tradições nem modificar as paisagens. Apesar da boa vontade dos «agentes» destas novas formas de turistificar — tanto os «moradores» autóctones, como os «turistas» cosmopolitas —, o balanço permanece medíocre e o turismo contamina a sociedade visitada ao ponto de lhe alterar as características. O turismo, como a técnica, não é «neutro»: um rolo compressor impõe os 3 turnos contínuos de 8 horas de trabalho, inclusivamente em sociedades em que o quotidiano é dividido por cinco orações, ao mesmo tempo que produz a condescendência, a submissão, a gorjeta, a representação de papéis nos quais se pode perder a própria alma… O turismo em si próprio não se pode corrigir nem evoluir no seu decurso, instaurando uma ordem hierárquica intrínseca. O viajante respeita o tempo e o espaço da sociedade que descobre, enquanto o turista circula num constante aqui, desprovido de qualquer ali, instalando-se no espaço do outro sem contar com a sua presença e de acordo com a sua própria temporalidade, não se preocupando com os ritmos daquele que constrange a tornar-se um anfitrião tipificado. Reivindicar a viagem contra o turismo equivale à defesa de uma ética do encontro. O viajante acolhe o inesperado, a surpresa, como um benefício, enquanto o turista o entende como algo disfuncional e objecto de contencioso. O viajante parte sem conhecer a data de retorno, o turista adquire um bilhete de ida e volta e, aconteça o que acontecer, respeita o seu timing. O viajante adapta-se ao longo da sua exploração — frequentemente deslocando-se a pé — e o seu corpo habitua-se às modificações alimentares e climatéricas temporárias, sem que a sua saúde se altere. O turista apanha frio devido ao ar condicionado, ou à sua ausência, e toma medicamentos para evitar a tourista, doença bem conhecida, ou para eliminar os efeitos do desfasamento horário. O viajante descobre-se através da descoberta de um novo lugar ou do encontro com pessoas diferentes. O turista associa-se a outros turistas para almoçar à mesma mesa ou para se sentar ao seu lado no autocarro durante as excursões…

"O turismo, como a técnica, não é «neutro»: um rolo compressor impõe os 3 turnos contínuos de 8 horas de trabalho, inclusivamente em sociedades em que o quotidiano é dividido por cinco orações, ao mesmo tempo que produz a condescendência, a submissão, a gorjeta, a representação de papéis nos quais se pode perder a própria alma."

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© Olivo Barbieri

 

Contabilizavam-se 25 milhões de turistas no mundo em 1950, perto de 300 milhões em 1980, mais de 680 milhões em 2000, mil milhões em 2012, e existirão certamente dois mil milhões em 2020. A extensão do domínio turístico acelera-se em poucos anos, nos quais se modificam igualmente os seus fluxos. Os três destinos principais em número de turistas foram, durante muito tempo, a França (com 83 milhões em 2016), os eua e a Espanha, classificação a necessitar de ser reconsiderada com a chegada maciça dos turistas chineses e indianos, os quais visitam prioritariamente o seu próprio país, sendo a esmagadora maioria dos 750 milhões de turistas na Índia, no ano de 2015, os próprios indianos (98%). Também aí, a economia turística é distinta daquela dos territórios. Certas cidades atraem torrentes impressionantes de visitantes, como Nova Iorque, Londres, Paris, Veneza, Istambul, Xangai, Rio de Janeiro, Tóquio, etc., sendo estas tão significativas que ultrapassam o número dos seus habitantes regulares. Assim, contam-se, por exemplo, 26 turistas por cada veneziano, 16 por cada parisiense, 15 por cada habitante de Amesterdão, 12 por cada residente de Praga, 10 por cada um de Barcelona, Roma, Munique… A média para as cidades europeias era de 7,14 em 2014. Daí a sensação, experimentada pelos habitantes de certos bairros, de já não estar em sua casa, mas numa espécie de «safari humano», no qual turistas armados de câmaras e de telemóveis vêm fotografá-los sem qualquer constrangimento, não hesitando em penetrar nos pátios, nos becos, nos jardins…

O documentário de Eduardo Chibàs, Bye Bye Barcelona (disponível online), descreve o descontentamento dos habitantes face ao afluxo descontrolado de turistas arrogantes. Num dia de Março de 2014, mas que poderia ser hoje, vários gigantescos navios de cruzeiro, com as dimensões de edifícios de vários andares, despejam no porto de Barcelona 64 mil visitantes, sim 64 mil! Cada um deles deseja ir à Sagrada Família, à Torre Agbar, ao Parque Güell, ao Aquário gigante, ao Museu Miró, às ramblas… Em 2015, Barcelona recebeu 29 milhões de turistas. Criada em Novembro de 2015, a Assembleia dos Bairros para um Turismo Sustentável (abts) apoia a acção da presidente de câmara, reeleita sob a bandeira da coligação Barcelona en Comù, no sentido de reduzir drasticamente o número de turistas. Uma «zona de exclusão hoteleira» foi delimitada no centro da cidade, encontrando-se doravante na periferia os únicos hotéis autorizados a ser construídos, enquanto os quartos e apartamentos alugados através da plataforma Airbnb, ou de uma das suas 21 congéneres, se encontram submetidos a uma regulamentação mais rigorosa, sendo verdade que, nesses bairros, o alojamento «normal» destinado aos barceloneses representa apenas metade do parque imobiliário! O que é o mesmo que dizer que alugar um apartamento ao ano se torna uma raridade… Esta excessiva ocupação por turistas obriga ao estabelecimento de quotas para visitar a maior parte dos lugares sobre-frequentados, como o Parque Güell, que passou a acolher 400 visitantes por cada meia-hora… Este revezamento dos turnos de turistas permite a cada grupo entrar à vez, sem ter tempo para aí permanecer ou para grandes devaneios. É uma visita em passo de corrida, tal como nos outros lugares célebres, que se trata imperativamente de ver, ou mais exactamente de entrever, não sendo isso, no entanto, particularmente trágico para o turista, dado que este prepara minuciosamente o seu périplo e já viu e armazenou tudo mentalmente antes da chegada ao local. O resultado? Observam-se em algumas paredes stencils reveladores de uma cólera surda, como «Turistas = Terroristas», o que mostra bem como os barceloneses estão exaustos e se recusam a tornar-se Mickeys de uma cidade temática!

É necessário reconhecer que a sazonalidade que marcou a infância do turismo já não existe, funcionando este durante todo o ano, sem tréguas, sem respiração, sem qualquer pausa, nem que seja aquela que seria necessária para reparar os danos provocados pelo seu carácter excessivo, uma vez que «demasiados turistas matam o turismo». Este aforismo circula agora noutros locais turísticos, como Berlim, onde, desde 1 de Maio de 2016, como modo de combater o aumento das rendas e a redução da oferta de alojamento, o Airbnb deixou de poder oferecer apartamentos mobilados. A municipalidade de Amesterdão reduziu o número de festivais (300 por ano), com o objectivo de desencorajar uma parte dos turistas. Bruxelas e Bruges estão tentadas a fazer o mesmo… É necessário reconhecer que estes turistas se comportam sem qualquer constrangimento nessas cidades que não são as suas: estes pândegos alcoolizados não se coíbem de gritar nas ruas a meio da noite, alguns apresentando-se despidos em lojas de conveniência abertas a horas tardias para adquirir algumas garrafas, enquanto outros não hesitam em improvisar uma «soirée dançante» com música de fundo num apartamento alugado, sem se preocupar com os vizinhos que têm horários diferentes! Em Paris, um efeito inesperado do aumento da oferta do Airbnb no bairro de Saint-Paul foi o encerramento de duas escolas, mas seria necessário investigar para avaliar igualmente a substituição de certos tipos de comércio (padaria, talho, cabeleireiro, limpeza a seco…) por outros destinados a uma clientela de passagem, pelo menos em alguns bairros. Em 2018, o site parisiense do Airbnb propõe 65 mil alugueres, dos quais pelo menos 10% ilegais, dado serem «permanentes». Um estudo sobre a oferta do Airbnb realizado entre Abril de 2012 e Maio de 2013 dava conta de 20 locatários anuais por cada apartamento proposto, o que torna aleatório o encontro entre proprietários «ocasionais» e «turistas»… Acrescento que estes apartamentos se encontram geralmente mobilados sem qualquer originalidade, com móveis em kit adquiridos na ikea (que, com 340 lojas em 28 países em 2016, homogeneiza os gostos e torna os alojamentos impessoais e intermutáveis).

"É necessário reconhecer que a sazonalidade que marcou a infância do turismo já não existe, funcionando este durante todo o ano, sem qualquer pausa, nem que seja aquela que seria necessária para reparar os danos provocados pelo seu carácter excessivo, uma vez que «demasiados turistas matam o turismo»."

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© Paulo Catrica

 

A presidente da câmara de Paris, Anne Hidalgo, aposta no crescimento do turismo, encontrando-se, de resto, novos hotéis em construção na Paris intramuros, e também na vizinhança imediata da capital, verdadeiro parque de edifícios sem qualquer encanto, envidraçados e brilhantes, que rodeiam a via periférica… Num texto programático, redigido por ocasião das eleições municipais num estilo insípido, Mon combat pour Paris, a candidata — estamos então em 2013 — entusiasma-se com os 29 milhões de visitantes anuais e anuncia, extasiada, a boa nova: «Perspectiva extraordinária, a Organização Mundial do Turismo estima que poderemos duplicar o número de visitantes nos próximos quinze anos». O mais curioso neste livro são as contradições, que se sobrepõem sem que isso a espante: deseja uma cidade «verde», «durável», «inteligente» — palavras tóxicas em voga na tecnocracia da moda —, mas também «densa», «turística» e em altura («Viva as torres!», exclama a candidata, sem se preocupar com o seu custo energético, nem com a sua falta de urbanidade). Neste texto no qual tudo se mistura de forma indiscriminada, domina a ideologia socialista do produtivismo à maneira digital, não havendo, por isso, qualquer problema em considerar o turismo como uma oportunidade. Não se hesita em citar Keynes: «A dificuldade não consiste em compreender as ideias novas, mas em libertar-se das ideias antigas.» Comecemos então por romper com as evidências datadas (como «o turismo é uma alavanca económica») e acolhamos as novas práticas, suportadas numa visão ecologista do mundo, uma visão processual, transversal e inter-relacional de cada situação. A partir daí, a nossa apreciação crítica do turismo, urbano ou não, conduzirá simultaneamente a novas atitudes por parte dos viajantes e a uma atenção acrescida relativamente à forma de os receber… Mas as velhas ideias agarram-se às mentes obsoletas, ao ponto de Laurent Fabius, ministro dos Negócios Estrangeiros durante a presidência de François Hollande, proclamar que a França devia ambicionar chegar aos 100 milhões de turistas por ano! Não foi o próprio Presidente a declarar, a 27 de Agosto de 2013: «O turismo deve ser erigido em grande causa nacional»? Não se trata de forma alguma de diabolizar o «turista», mas sobretudo de lamentar aquelas e aqueles que aceitam o consumo standardizado de um tempo e de um lugar sem neles verdadeiramente inscrever a sua singularidade. É a condição massificada deste tipo de turismo que denuncio, e sei perfeitamente que existem mil e uma outras formas de visitar um país, a sua história e o seu presente. Falo de «turismo massificado», e não de «turismo de massas», porque no estado actual das desigualdades socioeconómicas as «massas» se encontram excluídas de tal consumo turístico, reservado a uma população solvente, que circula de forma «massificada», indistinta, reproduzindo os mesmos estereótipos.

A condição turística, para os turistas massificados, é «energívora» em deslocações, e frequentemente cronofágica e normalizadora, sem proporcionar ao país visitado o maná que este esperava receber. Um estudo sobre a pegada de carbono do turismo mundial, publicado a 7 de Maio de 2018 na revista Nature Climate Change, analisa os fluxos turísticos aéreos entre 160 países ao longo do período 2009–2013, naturalmente considerando as emissões associadas ao transporte dos turistas (querosene dos aviões e gasolina das viaturas), mas também ao transporte daquilo que lhes é indispensável (restauração, actividades hoteleiras, mercadorias consumidas…). O resultado é eloquente: o sector turístico emitiu o equivalente a 3,9 mil milhões de toneladas de CO2 em 2009, e 4,5 mil milhões de toneladas em 2013, ou seja, 8% das emissões mundiais de gases com efeito de estufa (o transporte marítimo atinge 3%). Como o turismo massificado, de acordo com a Organização Mundial do Turismo, cresceu 7% em 2017 relativamente a 2016, e em 2018 aumentará 5% em relação a 2017, é evidente que a sua pegada de carbono progredirá de forma correspondente. Os norte-americanos são responsáveis por um quarto desses 8%, seguidos de perto pelos chineses, grandes compradores de estadas turísticas, e depois pelos países com uma população consumidora de deslocações, que são, como poderíamos esperar, a Alemanha, a Índia, o México, o Brasil, o Canadá, o Japão, a Rússia e o Reino Unido. O estudo aponta igualmente para a existência de uma pegada de carbono absurda por parte dos países insulares (as Maldivas, as Seychelles, as Maurícias, Chipre…), resultante do afluxo turístico. Dado que a contenção na utilização do avião não acontecerá tão depressa, e que a quantidade de turistas transportados vai ainda crescer, é provável que a pegada de carbono dessa actividade vá literalmente levantar voo! Calcula-se que existam, em média, 100 mil voos comerciais diários no mundo inteiro, os quais mobilizam 17 700 aeroportos. Os passageiros chegam às suas instalações de viatura particular, táxi, autocarro ou metropolitano, meios de transporte que utilizam combustíveis poluentes, o que mostra bem como a adição de carbono é de difícil absorção… A redução do número de voos, incluindo aqueles relacionados com motivos profissionais, impõe-se como uma exigência ética e depende da boa vontade de cada um. Por exemplo, à minha pequena escala, privilegio as deslocações de comboio e recuso os convites para locais longínquos, mesmo para júris de teses, os quais podem realizar-se através do Skype. Mas isto não é mais do que uma gota de água no oceano de gasóleo…

Embora massificado, o turismo conhece actualmente diversas modalidades e seria exagerado considerar todos os turistas como simples consumidores da indústria turística, necessariamente tolos ou patetas. Existem sempre margens pouco frequentadas, apreciadas por viajantes atentos simultaneamente às temporalidades e às territorialidades das populações que visitam e que desejam encontrar. Apesar disso, o «ali» parece cada vez menos procurado, a favor de um «aqui» ilimitado, invariavelmente presente, tranquilizador, contínuo e globalizado. O termo «ali» significa «num outro lugar», vem do latim alior, derivado de alius, que significa «outro» e que se encontra tanto em alienus («alienado»), como em alter («outro»). Mas o ali que está aqui em causa possui uma outra dimensão, como na expressão «Vai ver se eu estou ali!», que poderíamos modificar para «Ir ali ver se lá nos encontramos». Ali conserva aqui o sentido de «um outro lugar», com uma conotação activa e iniciática. Vou ali precisamente para deixar o aqui e me tornar «outro».

 

"A globalização uniformiza não apenas as paisagens, mas igualmente as temporalidades e as territorialidades. A arquitectura, e de forma mais geral as construções, participam activamente desta homogeneização formal que faz com que o ali se assemelhe ao aqui."

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© Pauliana Valente Pimentel

 

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© Patrícia Almeida

 

A mecanização dos transportes que se seguiu à generalização da máquina a vapor (comboio, barco, automóvel), e depois ao aperfeiçoamento do avião, reduziu consideravelmente a extensão geográfica, acelerando o tempo necessário para se ir de um ponto de partida a um de chegada. Já no século XIX se considerava que o comboio aproximava dois lugares e modificava a percepção temporal, sendo, de resto, em 1891 que se decide estabelecer para a França e para a Argélia a «hora republicana», de modo a facilitar as correspondências com outros comboios, ferries, carruagens, barcos… Esta capacidade de se estar muito rapidamente num outro local influencia consideravelmente as nossas representações do tempo e do espaço, que deixam de constituir obstáculos impostos por uma geografia de relevo por vezes acidentado (o comboio desloca-se através de túneis e de pontes, que lhe evitam qualquer dificuldade física), ou por uma duração absurda. Os progressos técnicos e tecnológicos multiplicaram essas impressões — se, no século XVIII, Madame de Sévigné demorava vários dias para ir de um local a outro, uma hora ou duas são actualmente suficientes! Sem nos movermos, comunicamos em tempo real e estamos aqui e ali em simultâneo. Esta ubiquidade, que caracterizava os romances de ficção científica mais audaciosos ainda há uma quinzena de anos, torna-se banal. É precisamente esta nova situação que se opõe à viagem. Observo, na linha de rer que apanho para vir a Paris, turistas que conversam com familiares ou amigos que permanecem no seu país. Encontram-se em Paris (pelo menos fisicamente, vejo-os à minha frente, posso tocar-lhes, não são virtuais!), e daí a alguns minutos estarão no palácio de Versalhes, continuando ao mesmo tempo em sua casa, num outro aqui.

Os membros de uma família indiana que visita a capital francesa eventualmente comunicam em hindi, pedem uma informação ao guarda do museu em inglês, e conversam ao telemóvel ainda numa outra língua. Têm consciência do desfasamento horário e não se encontram plenamente em Paris, mas, como devem prová-lo, enviam uma selfie aos familiares, distantes mas ao mesmo tempo tão próximos. Esta contracção espacial contribui para impedir que o ali no qual esta família se encontra possa produzir sentido para os seus olhos e ouvidos. Cada um deles está ainda no seu país, ou, mais precisamente, este encontra-se neles. Inserem o seu aqui num ali que não lhes interessa verdadeiramente, desde logo porque já o viram em inúmeros sites da Internet na preparação da sua visita. Sabem tudo a seu respeito e a surpresa não tem lugar nesta deslocação que não os transporta, no sentido de uma emoção (do verbo «mover»). É como se não chegassem a sair do mesmo sítio. «Aqui» é um advérbio de lugar que indica um local preciso, oposto ao «ali», funcionando este último como um álibi. Efectivamente, estando ali, um indivíduo não se encontrava aqui no momento dos factos, não pode ser implicado, a sua inocência salta à vista… Mas a deslocação sem transporte constitui uma estranha novidade: parto para não partir, vou daqui a aqui. É verdade que apanhei o avião e que agora me encontro num comboio suburbano, mas as minhas cyberligações protegem-me de toda a desorientação e, como qualquer turista se encontra reduzido a esta situação, nem sequer me dou conta daquilo que não me acontece, que deveria no entanto ocorrer, dado que já não estou em minha casa, mesmo permanecendo aqui…

A globalização uniformiza não apenas as paisagens, mas igualmente as temporalidades e as territorialidades. A arquitectura, e de forma mais geral as construções, participam activamente desta homogeneização formal que faz com que o ali se assemelhe ao aqui. Os aeroportos, os hotéis, os museus, os restaurantes, os autocarros, não desorientam em nenhum grau o turista-massificado que pratica, onde quer que se encontre, as mesmas actividades nos mesmos horários, que engole os mesmos pratos insípidos, veste as mesmas roupas-tipo, em suma, se conforma à imagem que é suposto dar de si. Pertence, durante a duração da sua estadia, a um clube do qual domina os códigos e os valores. O estabelecimento de uma cartografia quase exaustiva do planeta Terra, com a sua toponímia, as suas escalas, as suas fronteiras, os seus lagos, mares e oceanos, os seus rios e afluentes, as suas cidades e regiões, que pode ser associada a outras cartografias temáticas e dinâmicas (demografia, religiões, línguas, matérias-primas, fontes de energia, agricultura, etc.), fornece-nos um conhecimento actualizado em permanência, que torna caduca a informação recolhida no local junto dos nativos. Este apagamento do ali é, sem dúvida, uma das causas do desaparecimento do género literário dito «utópico» e da sua substituição pela ficção científica, que, depois da Lua, se debruça sobre o planeta Marte, ou se projecta a 3 000 anos de distância… Sem ali já não existe utopia (as «utopias», segundo Thomas More, alimentam-se das narrativas de viagens de navegadores, missionários, aventureiros, comerciantes, etc.), sem ali a viagem empobrece, dado que este se encontra ligado à nossa condição humana, a qual, em última análise, não se cumpre a não ser através da descoberta do outro em nós próprios.

O decrescimento ao qual apelo não é uma punição. Não se trata de nos privarmos de um conhecimento essencial (aprendemos através dos encontros, das leituras e das viagens), mas de medir o seu impacto ambiental e, com base nele, escolher aquilo que não aumenta os desafios que a Terra e os seus habitantes são obrigados a enfrentar. Esta redução do turismo é apenas um elemento de toda uma forma de estar-no-mundo no momento do Antropoceno, a qual exige a adopção de um decrescimento em todos os domínios da nossa vida quotidiana. Trata-se de encontrar novas formas de satisfação e de não lamentar não se ter ido ao topo do Evereste ou à Terra do Fogo, acrescentar os nossos resíduos aos daqueles que aí nos precederam…

*Tradução de João Reis