A prática do Grand Tour que os filhos dos aristocratas ingleses realizavam na Europa no final do século XVII, e sobretudo ao longo do século XVIII, de modo a concluir a sua educação, conduzia-os a cidades de elevada reputação cultural, tanto em França como em Itália, os dois principais destinos dessas estadas de vários meses, ou mesmo de anos. O «turista» (a palavra surge em francês no início do século XIX, sendo consagrada por Stendhal com as suas Mémoires d’un touriste, de 1838) inscreve-se geralmente numa categoria social privilegiada ou numa «boémia» dispondo de relações, desse modo beneficiando de boas condições de acolhimento. O turismo desenvolve-se devido ao comboio, que facilita as viagens, oferecendo em simultâneo a rapidez e a pontualidade das deslocações, acompanhadas por um conforto apreciável (vagões-cama, carruagens-restaurante, carregadores, depósitos de bagagem, etc.). Malas por medida (é o início do luxo não ostentatório) e vestuário e calçado destinados aos viajantes completam a indumentária do turista perfeito. Novos destinos são propostos, geralmente para estadas de curta duração, como as estâncias termais ou balneares, numa altura em que a natação começa a ser prescrita pelos médicos. Seria um erro falar de «democratização do turismo», uma vez que este não diz então respeito senão a uma população abastada pouco numerosa, que frequenta os mesmos hotéis e joga nos mesmos casinos. No entanto, as primeiras «viagens organizadas» incluem, desde meados do século XIX, representantes daquilo que ainda não se designa como «classes médias».
Paralelamente às primeiras agências de viagens (como a de Thomas Cook, na Grã-Bretanha, que inicia os seus périplos organizados em 1841), são publicados os primeiros «guias turísticos» (o Baedeker em 1828, o Murray em 1836, e o Joanne em 1851, pela Hachette, que se tornará mais tarde o Guide Bleu), os quais não apenas indicam os «pontos de vista» e os «monumentos» excepcionais, ou as «especialidades locais», como fornecem igualmente alguns conselhos práticos. As Exposições Universais, que, desde a de Londres em 1851, se realizam regularmente nas grandes cidades, estimulam o turismo, que é praticado de acordo com várias modalidades facilmente combináveis entre si, como o turismo de lazer, o turismo de negócios e o turismo sexual. Estes «acontecimentos» requerem a construção de hotéis, de restaurantes e de lugares de distracção (como teatros, cabarets, museus, grandes armazéns, piscinas, hipódromos, ringues de patinagem, parques e jardins…), mas também de redes de transportes urbanos. Progressivamente, essas cidades electrificam-se, ornamentam-se e modernizam-se. O turismo participa do crescimento económico da cidade e esse crescimento junta-se, em maior ou menor grau, ao do território. A Exposição de Paris de 1900 recebe mais visitantes do que o número de habitantes do «Hexágono»: 60 milhões contra 40! Uma parte não negligenciável são turistas vindos por vezes de muito longe, e não apenas excursionistas de um só dia. O comboio é completado pelos navios de cruzeiro e, pouco depois, pelos aviões, rivalizando estes meios de transporte em termos de luxo, de modo a atrair uma clientela endinheirada. Um economista americano, Thorstein Veblen, elabora The Theory of the Leisure Class (1899) para designar esses turistas sazonais que vivem dos seus bens e que impõem o seu modo de vida nos palácios das capitais e noutros locais chiques de vilegiatura. Assim, o «Grande Hotel» mune-se de um salão de cabeleireiro, de lavandaria e de limpeza a seco, de um quiosque de jornais, de uma tabacaria, etc., servindo o pequeno-almoço em modo self-service, o que constitui o último grito da moda! Este turismo topo de gama, com os seus ritmos específicos (o Verão é passado na montanha para se respirar o ar puro, o Inverno na margem do Mediterrâneo, naquilo que ainda não se designa por Côte d’Azur, de modo a beneficiar do seu clima ameno) e as suas actividades próprias, ignora um novo tipo de turismo, desta vez popular, que resulta da legislação relativa às férias pagas. No entanto, num efeito de mimetismo (as famosas Lois de l’imitation, tão bem analisadas por Gabriel Tarde desde 1890), os «veraneantes» provenientes do povo (aquele que, em França, ocupa as fábricas em Junho de 1936) esperam assemelhar-se aos «burgueses» que a câmara de filmar de Jean Vigo examina clinicamente, com o olhar de um entomólogo, em À propos de Nice (1929).
Depois da Segunda Guerra Mundial, o turismo intensifica-se e é em nome do crescimento económico que numerosas políticas estatais são postas em prática, as quais encontram por parte dos eleitos uma reacção favorável. Qualquer presidente de câmara deseja possuir o seu festival, o seu Carnaval, a sua feira, pretextos para investir na indústria turística, a qual supostamente proporciona um elevado retorno. Na verdade, muito rapidamente a economia turística se internacionaliza e transcende o domínio do local. Verificam-se naturalmente alguns recuos, mas estes revelam-se afinal bastante modestos, uma vez que os gelados e os bilhetes postais provêm igualmente de empresas multinacionais! O turismo surge, para muitos, como a solução que permitirá desenvolver o Terceiro Mundo e substituir a fábrica deslocalizada. «Inventa-se» o turismo «equitativo», o turismo «durável» e o turismo «solidário», que devem contribuir para o enriquecimento local, sem perturbar as tradições nem modificar as paisagens. Apesar da boa vontade dos «agentes» destas novas formas de turistificar — tanto os «moradores» autóctones, como os «turistas» cosmopolitas —, o balanço permanece medíocre e o turismo contamina a sociedade visitada ao ponto de lhe alterar as características. O turismo, como a técnica, não é «neutro»: um rolo compressor impõe os 3 turnos contínuos de 8 horas de trabalho, inclusivamente em sociedades em que o quotidiano é dividido por cinco orações, ao mesmo tempo que produz a condescendência, a submissão, a gorjeta, a representação de papéis nos quais se pode perder a própria alma… O turismo em si próprio não se pode corrigir nem evoluir no seu decurso, instaurando uma ordem hierárquica intrínseca. O viajante respeita o tempo e o espaço da sociedade que descobre, enquanto o turista circula num constante aqui, desprovido de qualquer ali, instalando-se no espaço do outro sem contar com a sua presença e de acordo com a sua própria temporalidade, não se preocupando com os ritmos daquele que constrange a tornar-se um anfitrião tipificado. Reivindicar a viagem contra o turismo equivale à defesa de uma ética do encontro. O viajante acolhe o inesperado, a surpresa, como um benefício, enquanto o turista o entende como algo disfuncional e objecto de contencioso. O viajante parte sem conhecer a data de retorno, o turista adquire um bilhete de ida e volta e, aconteça o que acontecer, respeita o seu timing. O viajante adapta-se ao longo da sua exploração — frequentemente deslocando-se a pé — e o seu corpo habitua-se às modificações alimentares e climatéricas temporárias, sem que a sua saúde se altere. O turista apanha frio devido ao ar condicionado, ou à sua ausência, e toma medicamentos para evitar a tourista, doença bem conhecida, ou para eliminar os efeitos do desfasamento horário. O viajante descobre-se através da descoberta de um novo lugar ou do encontro com pessoas diferentes. O turista associa-se a outros turistas para almoçar à mesma mesa ou para se sentar ao seu lado no autocarro durante as excursões…
Partilhar artigo