DIOGO VAZ PINTO Como é que foi despertado este seu interesse pela vida nocturna, pelos nossos padrões de sono ao longo dos tempos?
ROGER EKIRCH Antes deste At Day’s Close tinha escrito dois outros livros, e ambos versavam sobre os primeiros tempos da história da América, que era a matéria da minha licenciatura. Na altura, eu e um colega nascido em Paris discutíamos os temas de investigação que gostaríamos de vir a desenvolver. Foi ele que teve a ideia de trabalharmos sobre o sono, sobre como tinha evoluído a forma como dormíamos. Achei o tema fascinante, e a verdade é que já me tinha perguntado porque é que não havia nenhum estudo significativo sobre os nossos hábitos de sono ao longo dos tempos. Acontece que esse meu colega não chegou a acabar a licenciatura e eu herdei o projecto, em meados da década de 80. O problema é que, com o passar dos anos, os horizontes do projecto original continuavam a desdobrar-se e, se inicialmente pensei que devia restringir-me aos arquivos em língua inglesa, comecei a reunir cada vez mais informação das colónias britânicas, assim como dados que me chegavam da Europa continental. A certa altura, quando estava imerso no levantamento de informação, fiz duas descobertas que ajudaram a aliviar a minha ansiedade por não saber se teria matéria suficiente sequer para preencher um capítulo. A primeira foi a descoberta de que até ao começo da modernidade, entre os finais da Idade Média até à Revolução Industrial, as pessoas levavam o sono muito a sério, independentemente da sua classe social. A partir do momento em que se alcançava alguma segurança económica, a compra de uma boa cama era uma das prioridades. No testamento, era comum a cama ser dos artigos mais proeminentes, com o qual o testamentário mostrava a sua preferência por um dos herdeiros. Isto é um indicador da importância dada ao sono. A segunda descoberta que fiz, nos Arquivos Nacionais, em Londres, foi uma série de depoimentos, tanto de vítimas de crimes como de testemunhas, sobre o «primeiro sono». Isto intrigou-me e tentei perceber o significado da expressão. Felizmente, por essa altura já havia algumas bases de dados com obras literárias, sobretudo poemas e peças de teatro, em que me foi possível pesquisar o termo tanto de originais em inglês como de obras traduzidas, e foi assim que começaram a surgir pistas. Dei-me conta de que havia uma familiaridade na forma como era referido esse padrão de sono, hoje estranho para nós. Eram referências bastante usuais, o que dava a entender que qualquer pessoa de então sabia do que se tratava. O que se subentendia era que, entre dois períodos de sono, havia em média uma interrupção de, pelo menos, uma hora, durante a qual as pessoas se ocupavam com uma série de afazeres: meditar, rezar, ter relações sexuais, realizar tarefas domésticas, ocupações que não exigissem grande iluminação. Em 1995, deparei-me com um artigo do New York Times com os estudos clínicos conduzidos por Thomas Weir, um psiquiatra e especialista do sono, no National Institute of Mental Health, estudos que
envolveram quinze homens voluntários que durante a noite não tinham qualquer acesso a luz artificial e que, ao fim de três semanas, começaram a revelar um padrão bifásico ou segmentado do sono. As descobertas deste estudo não eram exactamente coincidentes com o que eu havia descoberto nos arquivos históricos, mas eram bastante próximas. E Weir tentava explicar este fenómeno, enfatizando a ausência da luz artificial, o que estava de acordo com os indícios no meu levantamento. Contactei-o e iniciámos uma correspondência em que ficou claro que ele estava tão entusiasmado como eu em relação à complementaridade das nossas pesquisas. A partir de perspectivas diferentes chegámos a resultados bastante similares. Depois do livro, entre os vários artigos que publiquei, o mais importante é de 2015, no qual tento demonstrar que nas sociedades ocidentais, até à generalização do uso de luz artificial, este era o padrão de sono dominante. Mas o facto é que este padrão se mantém até muito mais tarde, bem depois da Revolução Industrial, em comunidades onde a noite ainda impõe o seu manto de escuridão. Há referências que vão até ao século XX e, no meu levantamento, encontrei algumas que remontam à Grécia e à Roma antigas. Até Homero parece referir-se a este sono segmentado.
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