Poeta filósofo, iluminista céptico, repórter intelectual, crítico da cultura e da sociedade, experimentador de formas e géneros literários, Hans Magnus Enzensberger é, inegavelmente, um polígrafo. E para muitos dos seus leitores talvez seja, acima de tudo, um ensaísta. Na sua obra, consoante o caso, o centro pode estar em qualquer parte: num poema, numa montagem narrativa de documentos, numa recolha de ensaios. A autobiografia, porém, é reduzida ao mínimo. Predomina claramente o discurso público, que oscila entre análises detalhadas e documentadas e um tipo irónico de oratória, muitas vezes em forma de elogio e defesa — ou, pelo contrário, de denúncia e sátira.
Nascido em 1929 em Kaufbeuren, nos Alpes suábios da Baviera, Enzensberger é, sem dúvida, o escritor alemão mais ecléctico e cosmopolita da sua geração. Toda a sua obra exibe as marcas de um enciclopedismo cultural e literário muito próprio. Entre os seus escritos mais conhecidos contam-se os poemas de Mausoléu (1976) e O naufrágio do Titanic (1978), a montagem de documentos O breve Verão da anarquia (1972), sobre a Guerra Civil de Espanha, as reportagens de Ai, Europa (1987) e os livros de ensaios A grande migração (1992) e Perspectivas sobre a guerra civil (1993).
Poeta-ensaísta. Poeta e ensaísta. Para exercitar o seu talento literário, Enzensberger precisou sempre de conhecimentos, competências, reflexões, emoções intelectuais, agressividade crítica. Os seus ensaios foram mostrando, cada vez mais, uma escansão, uma tessitura rítmica, uma tonalidade vocal um pouco teatral e ironicamente oratória. As poesias e poemas, por seu turno, apresentam muitas vezes uma construção aforística e dialéctica.
A variedade, a pluralidade, a mobilidade dos pontos de vista, das formas de conhecimento, dos saberes, das linguagens, dos métodos, dos estilos e dos géneros de discurso tornam a produção literária de Enzensberger difícil de definir e etiquetar. A sua obra, como a de qualquer autor, pode ser dividida em diferentes fases. Não é fácil definir todas, mas uma primeira fase vai certamente da sua estreia poética, em 1957, com Defesa dos lobos, até ao início dos anos 70. No centro deste período encontramos duas obras ensaísticas que já se tornaram clássicas: Particularidades (1962) e Política e crime (1964), bem como a fundação da revista Kursbuch.
Os ensaios de Particularidades seguem dois eixos principais: a indústria da consciência e a relação entre poesia e política. São problemas e interesses que ligam o trabalho inicial de Enzensberger tanto a Adorno como a Brecht. Temas herdados — mas Enzensberger procurou ir mais além, superando as definições e as fórmulas precedentes. No ensaio sobre a indústria da consciência, encontramos, desde a primeira página, um jovem Enzensberger declaradamente marxista. No entanto, «a indução social da consciência e a sua mediação apenas se tornam problemas quando assumem uma dimensão industrial. A indústria da consciência é um produto dos últimos cem anos».
O precedente imediato do discurso de Enzensberger é o longo capítulo dedicado à indústria cultural na Dialéctica do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Mas ao substituir-se o termo «indústria cultural» pelo termo «indústria da consciência» propõe-se algo diferente e mais amplo. Se nos deixarmos desencaminhar por uma consideração predominantemente tecnológica e comercial dos mass media, esqueceremos o conjunto de instituições, profissões e actividades que participam na construção social daquilo a que chamamos consciência:
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