Vista de Delft
Saudades de Velha Deli
Mayank Austen Soofi

Com origens míticas e, ao longo dos séculos, construída, destruída e reconstruída sucessivamente, Deli, a capital da Índia, é uma metrópole feita de várias cidades. A mais fascinante delas, a Velha Deli ou Cidade Murada, é-nos apresentada neste guia geográfico, que é também um dicionário amoroso, com palavras e imagens criadas por Mayank Austen Soofi para esta «Vista de Delft». O autor é um conhecido escritor e fotógrafo indiano, colunista diário do histórico jornal Hindustan Times, com mais de um milhão de leitores. Mayank mantém também uma presença muito influente nas redes sociais (The Delhi Walla, Facebook, Instagram e Twitter). Diz-nos ele: «O quarteirão histórico, repetidamente ferido e maltratado pelo seu passado violento, esforça-se para se adaptar ao caos, conflitos e comodidades do mundo moderno.»

Deli foi sendo construída, destruída, reconstruída muitas vezes. A sua história vem de há muitos séculos, as suas raízes mais profundas vão até um passado lendário que alguns pensam ser real e que outros interpretam como mito. Toda a gente, no entanto, aceita que a Deli moderna é uma metrópole feita de muitas cidades. E sem dúvida que a maior delas é Shahjahanabad, que foi construída para ser a nova capital do imperador Mogol Shahjahan, que também construiu o Taj Mahal em Agra.

Datada do início do século XVII, a chamada Velha Deli é também conhecida como Cidade Murada, apesar de a maior parte desse muro de pedra ter sido perdida no tempo. O quarteirão histórico, repetidamente ferido e maltratado pelo seu passado violento, esforça-se para se adaptar ao caos, conflitos e comodidades do mundo moderno. Qualquer um, fascinado pelas histórias de cidades lendárias — como elas ascendem, decaem e se voltam a erguer —, precisa de estudar a mudança contínua de Velha Deli. Actualmente, os seus bairros e ruas não retêm quase nada do seu carácter original. Ainda assim, escondem um vislumbre dos dias antigos nos nomes dos seus caminhos e localidades. Esses nomes derivam de ofícios e povos, de marcos e paisagens. Saber como eram estas localidades obscuras, e no que se tornaram, pode não nos dizer muito sobre os aspectos notáveis da história de uma cidade. Mas mostra-nos os padrões de vida itinerantes do seu povo. Estes nomes de lugares falam-nos não apenas sobre o modo como éramos, mas também sobre como poderemos vir a ser.

Mayank
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BAZAR URDU (MERCADO)

Um único endereço com o nome de um idioma. A rua do mercado está repleta de tendas de kebab, hotéis, talhos e livrarias. Originalmente um entreposto militar, este era considerado o local ideal em Deli para se ouvir o Urdu coloquial, cujas origens são descritas pela Encyclopedia Britannica como uma «língua natural das pessoas no bairro de Deli, que formavam a maior parte dos que recorriam ao bazar». Fundada em 1939, a famosa livraria Kutub Khana Anjuman-e-Taraqqi-e-Urdu recebe visitantes de todo o mundo à procura de livros raros. Também vende livros em inglês, com títulos como Sexual Etiquette in Islam: Guidance for Husband And Wife.

"Saber como eram estas localidades obscuras, e no que se tornaram, pode não nos dizer muito sobre os aspectos notáveis da história de uma cidade. Mas mostra-nos os padrões de vida itinerantes do seu povo. Estes nomes de lugares falam-nos não apenas sobre o modo como éramos, mas também sobre como poderemos vir a ser."

BAZAR CHAWRI (MERCADO)

Oriundo da palavra chawhat, sânscrito para o ponto onde quatro ruas se encontram, Chawri foi um bairro de cortesãs. Rapazes de famílias nobres aprendiam com as dançarinas as artes da poesia e do amor. A certa altura as mulheres mudaram-se para outro local da cidade, e o Bazar Chawri transformou-se num mercado de artigos em cobre, latão delfte papel. Os comerciantes dizem ser a maior loja de convites de casamento da Índia.

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NAICHA BANDHAN (BAIRRO)

Era a casa dos artesãos que faziam os cachimbos, ou naichas, dos narguilés de água. Séculos atrás, no Império Mogol, os longos naichas subiam da rua para os andares superiores dos estabelecimentos das dançarinas do Bazar Chawri. Os seus clientes (e amantes) fumavam lá dentro enquanto o vendedor de hookahs ficava na rua.

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CHELAN (BAIRRO)

O nome completo é Chelan Ameeran. Este era o endereço da alta sociedade da Cidade Murada. O Dawn, o jornal inglês mais lido do Paquistão, foi fundado aqui por Muhammad Ali Jinnah, também ele fundador do Paquistão. Durante a revolta de 1857 contra a Companhia das Índias Orientais, que levou ao fim do Império Mogol, cerca de 1400 cidadãos de Deli, desarmados, foram mortos pelos britânicos aqui. Hoje a zona é um labirinto de empoeiradas ruas cheias de prédios de minúsculos apartamentos.

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BALLIMARAN(BAIRRO)

Conhecido acima de tudo por ser o bairro de Mirza Ghalib (1797–1869), o maior dos poetas de Deli, que escreveu em urdu e persa. O destino da sua casa espelha a degradação da Cidade Murada. Actualmente um museu, a casa do poeta chegou a ser uma carvoaria até há bem pouco tempo. Nada do seu original restou. Seja como for, o nome do bairro deve-se às varas de madeira, as balli, usadas para ancorar embarcações no rio Yamuna, ali nas proximidades. A zona foi refúgio de uma comunidade de comerciantes convertidos do Hinduísmo para o Islamismo no século XVII quando estavam a caminho de um mergulho religioso no sagrado rio Ganges — após um milagre realizado por um santo muçulmano.

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