Portfolio
Jorge Queiroz: o banho de Arquimedes
Antonia Gaeta

Jorge Queiroz concebeu este portfólio para a Electra e as imagens que vemos transportam a revelação e a ocultação que lhes dão o imperativo de uma descoberta continuada. Exímio desenhador e originalíssimo pintor, o autor de O Banho de Arquimedes tem uma carreira internacional que não se confunde com outras, feitas de submissão a lógicas fáceis e alheias. Com um olhar que não esquece as sucessivas épocas da história da arte, Jorge Queiroz dá à sua obra a oportunidade de construir uma contemporaneidade pessoal, em diálogo com os movimentos artísticos que, desde finais do século XIX, configuraram a nossa modernidade. Aquilo que, na ciência, interessa à sua arte serve-lhe de impulso para a prática de uma prestidigitação em que a imaginação formal e a imaginação material se perseguem uma à outra. Este portfólio é apresentado pela curadora Antonia Gaeta, para quem «a obra de Jorge Queiroz está impregnada da convicção de que o que se ama perdura, da procura da luz tanto como narração quanto como presságio.»

Acontece-me com frequência sentir a necessidade de voltar a folhear um livro logo após o ter terminado, como se alguma coisa estivesse a faltar. Faço o que fazia quando me preparava para um exame nos tempos de escola: releio em voz alta, sublinho e, num caderno, anoto o que achar importante. No que diz respeito às leituras, chego sempre atrasada, não me importo de reler e nunca acompanho a moda do momento. Cada livro tem o seu tempo e mais do que uma forma de o interpretar, e, embora tente envolver-me com livros que penso que deveria ter lido, raramente funciona.

A obra de Jorge Queiroz é o livro que leio continuamente: um trabalho artístico fiel a si próprio; a forma de descrever o prazer estético. O amante ideal das suas obras quiçá precise de padecer de insónia e ter tempo de ver e rever a mesma obra durante horas até à exaustão. Ou talvez precise de estar disposto a ser levado para os mistérios da alma, ou necessite daquela suavidade sublime que advém do conhecimento da pintura de mais do que uma época (desde a pintura medieval, o renascimento italiano, Bosch, passando por Artemisia Gentileschi, Velázquez, Goya). A obra de Jorge Queiroz está impregnada da convicção de que o que se ama perdura, da procura da luz tanto como narração quanto como presságio.

Entre quem fica e quem parte rapidamente, ainda há quem reflicta sobre como lembrar e pensar o apocalipse visual de um trabalho ricamente estratificado, que recompensa o tempo dispensado à sua frente.

Queiroz

A Rosa, a gata berbere, partiu no solstício.

Umas patas verdes, singelas e com garras, uma ala solitária num canto, túneis ópticos e um bode- -dentadura. Os roedores nas tocas e um banho quente ao luar… Espera, há um magma por baixo da superfície de qual mundo?

O meu amigo Isócrates diz que não existe distinção entre corpo e mente e enquanto exercito o corpo estou a permitir à mente treinar e vice-versa. Quando te educas ao pensar, diz ele, estás a transformar o teu corpo e quando treinas estás a permitir à tua mente aceder a novos caminhos.

Arquimedes viu-se obrigado a compreender se o ouro que tinha sido confiado pelo rei Hieron a um ourives tinha sido realmente utilizado para a preparação de uma coroa votiva ou, como o rei suspeitava, se tinha também sido utilizada prata. Arquimedes mergulhou na sua banheira, cheia até à borda, e reparou que a quantidade de água que saía por fora ocupava o mesmo espaço que o corpo que tinha entrado nela, causando o seu transbordar. Para descobrir o erro, bastava-lhe determinar o peso e o volume da coroa, e depois comparar este último com o de uma amostra de ouro puro de igual peso. O ingenio ao serviço da inventio.

A fábula mística, o futuro próximo das palavras, a oscilação intermitente dos sonhos, um ponto de interrogação cercado por inóspitos e fogo.

Abordo o assunto sem empalidecer nem angustiar. O inteiro Universo é atravessado de forças vitais que podem eventualmente, embora nem sempre com sucesso, ser reconhecidas e dominadas. Os antigos, encabeçados por Plínio, o Velho, definiam a lua como o funil que convergia as energias até ao planeta Terra.

Queiroz

Na Odisseia, Homero narra a volta de Ulisses a Ítaca, onde Penélope o espera há mais de uma década sem nunca ter perdido a esperança. Ulisses passa por todo o tipo de desafio, mas termina voltando ao lar. Séculos depois, Konstantinos Kavafis aborda de maneira diametralmente oposta o caminho de volta a casa, dando vida a uma maravilhosa procura da felicidade onde Ulisses aproveita o caminho e vive tudo o que precisa de viver. Ítaca será sempre a meta de chegada, mas porquê apressarmo-nos a chegar?

Queiroz

Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos (1584) de Giordano Bruno:

ELPINO: Como é possível que o universo seja infinito?

FILÓTETO: Como é possível que o universo seja finito?

ELPINO: Julgam que se pode demonstrar essa infinidade?

FILÓTETO: Julgam que se pode demonstrar essa finidade?

ELPINO: De que extensão falas?

FILÓTETO: E tu de que limites falas?1

Queiroz

Parar de ler e apenas olhar para as palavras enquanto imagens.

Não sei para onde vou com isto, mas estou lendo um texto muito interessante de Ilya Kabakov sobre a «instalação total», e esta ideia de poesia, geometria e movimento levou-me a uma ideia que ele desenvolve bastante que é a de construir instalações que se centram, mais do que nos próprios objectos, na análise dos espaços que existem entre as coisas, nos intervalos, nas distâncias. Quiçá logo tenha alguma pergunta, embora ainda não chegue a formular-se, e a coisa melhor é dar-lhe tempo. Seguimos!

Na primeira pessoa, sempre. Mal-entendidos continuarão a alimentar-nos vita natural durante e a pouca informação fiável sobre antecedentes familiares e a nossa juventude… Sinto-me aliviada.

Queiroz
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Queiroz

1. Tradução de Aura Montenegro, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 27.