Portfolio
Alex Katz: uma grande voz figurativa
Juan Manuel Bonet

Nesta entrevista, o grande pintor americano Alex Katz, com noventa e cinco anos e cujas obras estão nas colecções dos mais importantes museus do mundo, conversa com Juan Manuel Bonet sobre a pintura e os pintores, a cor e a luz, a vida e os lugares dela. É uma conversa encantatória, feita de sabedoria e subtileza. Juan Manuel Bonet é um profundo conhecedor do artista nascido em Nova Iorque. Foi director do Centro de Arte Reina Sofía e do Institut Valencià d’Art Modern (IVAM), onde lhe dedicou uma retrospectiva em 1996. Aqui, faz uma apresentação muito pessoal desta obra tão poderosa, seleccionando também as imagens que a representam. Entre as exposições que ocorrem em várias cidades do mundo, em 2022–23, Alex Katz terá no Outono uma retrospectiva de consagração no Museu Guggenheim de Nova Iorque.

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Ada with Superb Lily, 1967

Em Julho, o pintor nova-iorquino Alex Katz cumprirá noventa e cinco anos. Nascido em Brooklyn, passou a infância em Queens. Ingressou na Cooper Union School of Art and Architecture em 1946. Pinta, portanto, há aproximadamente… setenta e cinco anos. Nos seus ateliers de Nova Iorque e do Maine, os quais tive a oportunidade de visitar em 1996, aquando da preparação da retrospectiva que lhe dediquei no IVAM, de que era à época o director, continua a enfrentar o desafio diário da pintura.

Pintor para pintores, como o foram antes dele Bonnard (de quem falámos na conversa que o leitor poderá ler de seguida) ou Morandi, descobri-o, assim como ao californiano Ed Ruscha, graças a um dos grandes da minha geração espanhola, o desaparecido Carlos Alcolea, outro artista dos pincéis. Foi na bem abastecida biblioteca deste bibliómano que descobri a mina que é a monografia katziana de Abrams, publicada em 1979, da autoria de um crítico tão solvente como Irving Sandler. Por essa razão, dediquei-lhe a mostra de 1996, in memoriam.

Um dos erros mais comuns cometidos pela Wikipédia e por certo tipo de jornalismo, e mesmo, diga-se, por um ou outro historiador de arte, é considerar Katz como precursor da Pop Art. O mesmo erro tem sido cometido a propósito de outro colega seu, o recentemente falecido Wayne Thiebaud, cantor, de um modo diferente do de Ruscha, da Costa Oeste. E não, Katz não é um pop (na conversa, deixa-o bastante claro), mas uma espécie de sucessor, naturalmente que com outros meios, de Edward Hopper. Um pintor de Nova Iorque e da paisagem rural norte-americana. Um profundo conhecedor da tradição do seu ofício, que tem como faróis Velázquez, Vermeer, Goya ou Matisse, e com quem é sempre um gosto «parler peinture», seja sobre Monet, Seurat, Vallotton, o aduaneiro Rousseau ou Marquet, seja sobre a Escola de Nova Iorque ou sobre pintores contemporâneos, como Peter Doig ou Luc Tuymans. Ele admira alguns artistas pop, Lichtenstein, por exemplo, ou o primeiro Rosenquist. Mas é evidente que nunca teve nada que ver com a exaltação do mundo do object trouvé, nem com o jogo com a linguagem da banda desenhada, nem com a crítica sociológica dos meios de comunicação de massas. De alguma forma, só tematicamente coincide com os pop. Em contrapartida, está muito próximo de colegas e amigos figurativos e muito pictoricistas como Jane Freilicher, Philip Pearlstein, Fairfield Porter ou Larry Rivers.

Próximo, de resto — como muito bem explicou o saudoso Kevin Power —, do grande Frank O’Hara e de outros dos poetas da Escola de Nova Iorque, muitos deles também importantes críticos de arte e seguidores tanto dos action painters como de figurativos como os que acabo de mencionar, Katz ilustrou livros de bibliofilia de vários deles, incluindo-os, aliás, na sua galeria de efigiados, umas vezes em telas, outras à linha e, por vezes, na forma de cut outs, de perfis metálicos policromados. O seu preferido foi sem dúvida Frank O’Hara. Também retratou Joe LeSueur, um dos amantes do poeta-crítico, num quadro sofisticadíssimo, Here’s to You (1961). Do ano seguinte é Passing (1961), o seu magistral auto-retrato com chapéu, que está no MoMA de Nova Iorque. Por esse caminho vão outras das suas obras mais definitivas, como The Cocktail Party (1965) ou Thursday Night 2 (1974), ambas modernas conversation pieces. Sempre dentro do espírito do diálogo entre as artes, há que referir o seu gosto pelo jazz e a colaboração com a companhia de dança de Paul Taylor, de resto, tema de vários dos seus quadros de formato monumental.

O Maine, que descobriu nos verões de 1949 e 1950, durante os quais prosseguiu os seus estudos na Skovhegan School of Painting and Sculpture, foi sempre, para Katz, o contraponto ideal à sua cidade natal. Visitá-lo ali é como deambular dentro dos seus quadros. São memoráveis aqueles que evocam a sua própria casa de Verão, sobre cujas paredes de madeira pintada de amarelo, sobre as quais as árvores projectam as suas sombras fugitivas, se recortam as silhuetas dos convidados num quadro estival e feliz como Lawn Party (1965), que pertence à colecção do MoMA. Felicidade também à flor da pele a que ressuma de uma cena campestre como Summer Picnic (1967), entre cujos protagonistas figura o singular pintor, fotógrafo e cineasta Rudy Burckhardt, que conhecemos no Maine graças aos Katz, tal como outra das representadas, a sua mulher, a igualmente interessante pintora Yvonne Jacquette. Além disso, durante essa estada, Katz levou-me no seu Cadillac Eldorado azul-celeste e descapotável a Waterville, para mostrar-me o Colby College Museum of Art onde uma ala inteira, em permanente crescimento, é dedicada à sua obra, o que diz bem da sua generosidade para com uma terra na qual se sente particularmente em casa e para com uma instituição que o acolheu com um entusiasmo que também abarcou outros criadores afins, cujos trabalhos ele foi doando ao longo do tempo. Nada menos do que 878 peças doadas por ele estão registadas, com as suas imagens correspondentes, no website dessa instituição.

Falo dos Katz. Além de Alex, a família inclui a maravilhosa Ada Del Moro (de origem italiana, como o seu apelido de solteira indica), sua mulher desde 1958, e o único filho de ambos, o poeta e crítico de arte Vincent Katz, bem como a mulher deste, a brasileira Vivien Bittencourt. Todos os admiradores da obra do pater familias conhecem as silhuetas dos outros três membros do clã, que posaram para ele inúmeras vezes; em particular, Ada, tema em 2006 de uma inesquecível exposição monográfica no Jewish Museum de Nova Iorque, Alex Katz paints Ada. A este respeito, ele estima que o corpus das suas obras sobre ela possa superar o milhar. No Reina Sofía, está um rutilante retrato dela, de 1993, intitulado Big Red Smile, segunda versão de The Red Smile (1963), que se encontra no Whitney. Igualmente rutilante é Ada with Superb Lily (1967). De Vincent, há já retratos de quando era criança. Poucos pintores do nosso tempo praticaram com tanta originalidade e brilhantismo a arte do retrato como Katz.

Um ciclo especialmente importante (e pelo qual senti sempre especial predilecção) da obra katziana é o dos nocturnos nova-iorquinos. O mais antigo está, desde pouco depois da referida retrospectiva, na colecção do IVAM. Mede 3,35 metros de largura por outro tanto de altura, é de 1986 e intitula-se Wet Evening. Descobri-o em 1995 na exposição individual celebrada pelo pintor na Kunsthalle de Baden-Baden. A esse respeito, remeto o leitor para o diálogo que tivemos, que poderá ler de seguida. Também é importante uma tela de dimensões mais reduzidas e de clima intensamente lírico, quase simbolista: Purple Wind (1995). Em quadros como estes, o pintor soube expressar na perfeição os misteriosos e enigmáticos bairros de edifícios de escritórios, com as janelas iluminadas ao crepúsculo. Não só em Nova Iorque, mas também em Paris, Barcelona, Buenos Aires, São Paulo, Bruxelas (cidade outrora simbolista, precisamente, e hoje capital, sobretudo futurista, da Europa) e muitas outras grandes cidades do mundo, é nele que pensamos quando deparamos com a poesia do crepúsculo, numa zona de características similares.

Sempre o Maine. Dos anos 60 do século passado em diante, esse estado atlântico, de natureza em grande medida virgem e que desde sempre atraiu os artistas, foi uma das principais fontes de inspiração deste enorme paisagista, que, como já referi, o frequenta desde 1949, e que, em meados da década seguinte, o elegeu como seu destino de férias habitual. Da presença do Maine na sua obra falam-nos as suas árvores essenciais (mas também há árvores da sua cidade natal, de Central Park); as suas visões de lagos com algo de monetiano, como aquele junto ao qual acabaria por construir o seu actual atelier de Verão; as suas evocações de pequenos portos; os seus «retratos» de vacas ou de alces ou de gaivotas; e, sobretudo, as suas evocações da orla costeira. Algumas das suas marinhas desse estado são simplesmente prodigiosas, com algo do melhor Albert Marquet, mas mais despojadas, mais essenciais. Recordo, na edição de 2008 da Arco, a feira de arte de Madrid, o amor à primeira vista que senti ante uma dessas marinhas katzianas, azul-alvadia, aérea, esplendente e de dimensões consideráveis, apresentada por Thaddaeus Ropac. Tantas vezes regressei àquele stand, tantas vezes voltei a contemplar — e tão de perto — aquele quadro, que tive a sensação de que as pessoas que estavam a cargo da galeria começavam a suspeitar de algo estranho no meu comportamento.

Em Espanha, o meu país, Katz expôs bastante de 1990 em diante. Mostrou o seu trabalho em galerias de Madrid, Barcelona e Valência. Em 2002, vieram algumas das suas esplêndidas realizações no campo da arte gráfica na mostra que La Caja Negra, sala madrilena especializada nesse âmbito, dedicou aos livros e gravuras de diversos artistas editados por esse grande galerista e editor nova- -iorquino que é Peter Blum, que também fez publicações maravilhosas de Tacita Dean ou de Helmut Federle. A sua retrospectiva mais importante em Espanha até à data foi a do IVAM, de que já falei. Ainda que menos abrangente do conjunto da sua trajectória, notável foi também a exposição que apresentou em 2015 no MACUF, museu da Corunha afecto à companhia eléctrica Unión Fenosa e que infelizmente acabaria por encerrar pouco depois; comissariada por David Barro, um dos melhores críticos da nova geração, que incluía obras procedentes de Portugal (concretamente, da colecção do galerista Mário Sequeira), e era acompanhada por uma monografia, Alex Katz: Casi nada, que destacava a relevância do norte-americano para as novas vozes figurativas, tanto no seu país como em todo o mundo, incluindo Espanha.

A conversa teve lugar há uns meses, online, e permite conhecer ao vivo o discurso subtil de um pintor soberbo, que em breve será objecto de uma nova e presumivelmente consecratória retrospectiva na sua cidade natal, no Guggenheim. Como leitura posterior, recomendo vivamente o seu livro de 2018, que cito numa das minhas perguntas, Looking at Art with Alex Katz, concebido como um dicionário.

JUAN MANUEL BONET  Quando vos fui visitar, a si e à Ada, no Maine, no Verão de 1996, foi como se vivesse dentro de um quadro de Katz, num ambiente semelhante ao de Lawn Party. Lembro-me de haver no meu quarto uma monografia sobre Bonnard. Quando é que descobriu este pintor tão querido dos pintores? E que Mark Rothko também admirava. O que tem Bonnard de tão excepcional?

ALEX KATZ  Houve uma exposição de Bonnard no MoMA; acho que as salas estavam pintadas de um vermelho-tomate. Eu queria estudar Picasso e Matisse, que pintaram volumes de um modo descritivo, e Bonnard abre o caminho para esse tema, portanto fui mais influenciado por Bonnard e Pollock e Monet — pareceu-me que faziam a mesma coisa.

JMB  E Matisse?

AK  Quando estava em Belas-Artes, um professor disse-me que fosse ver uma exposição de Matisse, já ele estava com mais de oitenta anos. E eu nunca tinha visto nada que se parecesse. Desmaiei. Acho que Matisse é dos melhores pintores de todos os tempos, porque faz o mesmo que Velázquez e Vermeer fizeram, mas sem esforço.

JMB  É verdade que também gosta do suíço Félix Vallotton, o frio nabi?

AK  Fiz uma exposição conjunta com Vallotton. As imagens são muito interessantes e muito parecidas com as minhas, embora Vallotton não seja grande pintor. Por isso, fiquei encantado por ter esta exposição conjunta. As xilogravuras de Vallotton são espantosas, e aquela da mulher na cama que estende o braço para o gato ficou-me gravada na memória.

JMB  E o que pensa de Vuillard?

AK  Vuillard teve uma exposição no MoMA ao mesmo tempo que Pollock. Achei-o interessante porque pintava fosse o que fosse que estivesse à sua frente. Aquele quadro com a lâmpada pendurada ao meio da tela, achei-o um espanto. É disso que gosto em Vuillard e, além do mais, é bom pintor. Fairfield Porter preferia Vuillard a Bonnard, eu prefiro Bonnard a Vuillard.

JMB  E então Henri Rousseau? Foi o primeiro pintor de quem teve um livro de arte.

AK  E durante vinte anos não tive outro. Acho as imagens de Rousseau um assombro, e ele fez uma diversidade de géneros. A plasticidade do espaço pictórico, à boa maneira da escola francesa, é muito bem conseguida. Gosto das paisagens, das naturezas-mortas, da figura humana.

JMB  Como é que descobriu o Maine e o que é que representa para si? É lá que continua a passar o Verão?

AK  Em 1949 tive uma bolsa para frequentar a Skowhegan School of Painting and Sculpture, no Maine. Gostei da liberdade que ali encontrei, não estava limitado pelo bairro burguês de Nova Iorque onde vivia. E gostei muito da luz também; era-me familiar; parecia a luz de Queens, onde passei a infância. Tenho ido para o Maine desde essa altura.

JMB  Sou grande admirador das suas marinhas do Maine, tão brancas, tão puras… Penso que, nesta área, você é, de certa forma, o melhor continuador do amor ao mar de Albert Marquet…

AK  Marquet pintava muito bem a água. A água tem que ver com movimento, peso, transparência e luz. Pode-se fazer óptima pintura sem nada disso, mas pouquíssimos pintores reúnem isso tudo. Gosto da Onda Verde de Monet, que está no Met de Nova Iorque.

JMB  Lembro-me da nossa visita ao Colby Museum, que alberga o maior acervo das suas obras. Continua a doar obras para este acervo?

AK  Sim, continuo a doar o meu trabalho ao museu, mas também tenho doado muitos trabalhos de outras pessoas. Na minha opinião, quando se é pintor, os quadros devem ser para todos.

JMB  Disse uma vez que Frank O’Hara é o seu herói. Fez muitas colaborações com os poetas da «Escola de Nova Iorque», e retratou membros desse grupo. O já desaparecido Kevin Power escreveu um ensaio muito interessante sobre esta relação entre poetas e pintores. Como foi a sua relação com a «Escola de Nova Iorque», e especialmente com Frank O’Hara? Tal como na «École de Paris» na época do cubismo, é interessante ver que muitos destes poetas — e não só O’Hara, mas também John Ashbery ou James Schuyler — eram grandes críticos de arte.

AK  Quando fui para a Cooper Union havia um exame de admissão e só 5% dos candidatos entraram. Na Cooper havia gente de grande talento. Quando conheci os poetas de Nova Iorque — Koch, Ashbery, O’Hara, Schuyler, Edwin Denby —, percebi que esses tinham um talento ainda maior, e parecia haver uma afinidade entre nós. Acho que eles faziam uso das suas experiências quotidianas de uma forma muito sofisticada, e era isso mesmo que eu procurava fazer. Gostei mais do O’Hara porque ele, emocionalmente, dava tudo por tudo; mais do que os outros. Na minha opinião, não existe poeta americano que tenha escrito melhores poemas extensos, em verso longo, do que Jimmy Schuyler; são notáveis. Nem o Whitman!

JMB  Alguns historiadores de arte continuam a catalogá-lo como pintor pop. O que tem a dizer sobre o assunto?

AK  A Pop Art serve-se de imagens que são de um outro lugar, imagens de consumo. Não é uma experiência directa. Todas as minhas imagens provêm da experiência directa. E esta é a grande, grandíssima diferença. Tenho afinidades com a pintura clássica, e a Pop, na sua maior parte, tem que ver com uma pintura a partir de novos meios. Penso que o mundo do consumo e o mundo das pessoas são esplêndidas áreas temáticas. Os expressionistas abstractos de antigamente sabiam o que era a forma, mas pareciam pretensiosos. A Pop Art não é de todo pretensiosa, e é pena que tenha chegado ao fim.

JMB  No seu excelente livro Looking at Art, explica a sua constante admiração por Roy Lichtenstein. Há outros pintores pop que lhe interessam?

AK  É sobretudo uma questão de tempo. Na maior parte dos casos, um pintor pop interessa-me durante uns minutos talvez, não mais.

JMB  Fala, nesse mesmo livro, de alguns abstraccionistas geométricos americanos; por exemplo, de Ronald Bladen ou Al Held, que, a certa altura, teve um atelier no mesmo prédio do seu. Menciona também Ellsworth Kelly e a recentemente redescoberta Carmen Herrera. Você tem sido um pintor figurativo numa época de pintores abstractos. A sua visão do abstraccionismo é agora diferente da que tinha aos vinte e poucos anos, quando teve de conquistar um lugar na pintura?

AK  Nem por isso. Penso que o Al fez algumas das melhores obras de arte do mundo nessa altura, e tive a sorte de estar em contacto com elas. Mas esse tempo já lá vai. Acho que em geral a pintura abstracta ficou um bocadinho mais postiça, um bocadinho mais pretensiosa do que era quando apareceu, uma coisa nova que estava no começo. E quanto a essa espiritualidade de que tanto se fala, tenho as minhas dúvidas. É uma verdade petrificada.

"Acho que em geral a pintura abstracta ficou um bocadinho mais postiça, um bocadinho mais pretensiosa do que era quando apareceu, uma coisa nova que estava no começo. E quanto a essa espiritualidade de que tanto se fala, tenho as minhas dúvidas. É uma verdade petrificada."

JMB  Gosto muito do que tem escrito sobre a geometria nas obras de Mondrian, e sobre a sua aversão às teorias do próprio Mondrian. Qual é a parte do trabalho dele que prefere?

AK  Gosto das últimas obras. Gosto muito das obras dos anos 30, mas também do trabalho dos anos 40 porque é… Acho que ele tinha um atelier virado ou a norte ou a sul, e portanto tinha sol e recebia uma luz como a de Nova Iorque. E acho que a luz entrava de frente. Os outros trabalhos parecem ter sido feitos quando havia nuvens. Quadros, os quadros dos anos 30, perfeitos para a Holanda, onde há muitos dias cinzentos. Mondrian pintava linhas perfeitamente rectas! Pertence ao período anterior aos expressionistas abstractos, o período das certezas e dos absolutos. Era outra época.

JMB  Ainda no seu livro, refere que, entre os expressionistas abstractos, prefere Franz Kline. De que aspectos da sua obra gosta mais?

AK  Gosto da maneira como ele pinta; tem afinidades com a pintura europeia. É essencialmente romântica. Como já escrevi, Franz Kline aproxima-se mais de Frank O’Hara do que de Clyfford Still!

JMB  Quantos retratos de Ada já pintou? Um dos meus preferidos é Ada With Superb Lily [1967]. Também gosto muito do Big Red Smile [1993], que se encontra no Reina Sofia.

AK  Perdi-lhes a conta. Mais de mil, talvez. O Red Smile que está no Whitney é um dos melhores quadros da minha vida.

JMB  Como recorda as suas colaborações com Paul Taylor?1

AK  Gostei imenso de trabalhar com Paul Taylor; foi um prazer para mim, tão grande como pintar. As colaborações criam muita energia e, se a colaboração funciona, no final a energia é uma verdadeira bomba.

JMB  Sempre gostei muito dos seus nocturnos de Nova Iorque (aliás, já falou da sua admiração pelos nocturnos de Whistler). Alguns são muito simbólicos, com aquela atmosfera cor de malva, o vento, as árvores no Outono (Purple Wind, 1995), as janelas… Adquiri o Wet Evening [1986] em Marlborough, para o IVAM. Penso que é o primeiro dos seus nocturnos. No catálogo da retrospectiva, de que fui curador, era eu director do museu nessa altura, escrevi mais ou menos isto: «Este quadro de grandes dimensões é um misto de Stieglitz e Rothko.» Não sei se concorda com esta definição. Referia-me, claro está, aos quadros sombrios de Rothko, não aos luminosos, nem aos bonnardesques

AK  Acho a comparação aceitável. Stieglitz é um fotógrafo fantástico e os trabalhos de Rothko entre 1958 e 1962 são fantásticos. Quanto ao Wet Evening, passei vinte anos a olhar da janela aquela vista e um dia vi; claramente. O meu único problema foi se a tela deveria ter um metro quadrado ou mais dez centímetros ou mais cinco. Não tive outros problemas porque eu vi — e podia pintar porque via. O Wet Evening levou-me a outros quadros.

JMB  Sempre o vi como o continuador de Edward Hopper, naturalmente com um tipo de pintura muito diferente. Qual é a América de Hopper? E qual é a sua? Também escreveu sobre Albert Pinkham Ryder, dizendo que, na sua opinião, «é o pintor americano mais completo da sua geração». E falou de Winslow Homer, Marsden Hartley, Milton Avery. Está especialmente interessado na tradição figurativa americana?

AK  Albert Pinkham Ryder poderia ser o melhor pintor americano de sempre. Eu não estou interessado no romantismo. O seu distanciamento do romantismo faz com que a sua arte seja realmente extraordinária. Gosto dos temas, uma casa, cenas rurais. Hopper será talvez o pintor mais famoso da América. Geralmente as pessoas têm mais afinidades com ele do que com qualquer outro pintor. É talvez ilustrativo e as cores são tonais, não vêm da percepção, e a composição é sempre artificial, forçada; mas acabam por ser esplêndidas imagens! Apesar de todos os seus defeitos, as imagens convocam experiências que outros tiveram cinquenta, sessenta, setenta anos depois de ele ter pintado essas obras. O tema não afecta a imagem. É uma pintura tremenda. Se tenho problemas com ela é porque sou essencialmente um pintor clássico e, quando as vejo ao lado de trabalhos dos que se regem pela percepção, as suas obras fazem com que a outra pintura pareça desnecessária.

JMB  E Fairfield Porter ou Jane Freilicher? Não são, digamos, suas almas gémeas?

AK  Pode-se dizer que sim. Gosto do Fairfield porque ele não tem um estilo. Os trabalhos da Jane nos anos 50, achava-os sensacionais porque ela dava sumiço ao desenho e apenas pintava imagens abertas. Temos, acima de tudo, uma afinidade de gosto.

JMB  E as suas obras tridimensionais?

AK  Originalmente, os primeiros cut outs tinham que ver com escala e percepção. Por outras palavras, tinham que ver com o que é o «tamanho real» e, quando se faz uma coisa «em tamanho real», o tamanho real não existe. Uma pequena figura está a uma certa distância de nós, o close-up está mesmo ao nosso lado. Era isso que eram os cut outs. Todos eles dizem respeito à desmaterialização de alguma coisa. A escultura, a partir dos anos 60, centrava-se no volume, depois na massa. A minha escultura não tem volume nem massa. Está lá. De certa maneira, a escultura de Ronnie Bladen centra-se no gesto; a massa e o volume não têm importância. E os cut outs têm afinidades com esse gesto, de certa maneira.

JMB  Fui ver a sua exposição no Albertina Museum de Viena, onde os seus quadros foram instalados ao lado dos desenhos preliminares. Que importância tem o desenho no seu trabalho?

AK  Faço o desenho antes de pintar. Quando se trata da figura humana, o desenho permite que se ponha a tinta na tela de maneira mais imediata, com frescura. A execução não se interrompe, porque não tenho de me preocupar com o desenho, o desenho está ali. Nas paisagens a pintura é mais gestual e não preciso de um esboço ao tamanho da tela, basta pintar; e é assim que tenho feito paisagens nos últimos anos, com menos desenhos preliminares.

JMB  E a sua obra gráfica?

AK  Sempre gostei de fazer trabalhos gráficos. No nosso mundo, os artistas fazem quadros para vender e penso que é muito simpático tornar a arte acessível. O trabalho gráfico é normalmente a fase final de uma imagem: há o esboço, há o desenho, há a pintura e depois há a impressão. Às vezes é o esboço que é melhor, às vezes é a pintura e às vezes é a impressão. A gravura The Green Cap é de longe melhor do que a pintura.

JMB  Inclui, no seu livro, Luc Tuymans, um pintor figurativo belga contemporâneo, cujos trabalhos eu também aprecio muito. Que aspecto da sua obra lhe interessa mais? E Peter Doig?

AK  Luc Tuymans é tecnicamente muito bom. Eu estava na Alemanha na altura em que ele fez uma exposição de telas muito pequenas numa sala muito grande, e aguentou-se. Não sei de outro pintor que conseguisse o mesmo. É fortíssimo, tem mão nas tonalidades. Os temas, para mim, são um tanto sentimentais, mas a técnica, a cor, a pincelada, as imagens, isso é tudo de primeiríssima qualidade, portanto podemos dar um desconto à parte sentimental. Doig faz grandes imagens. A execução é banal. Não se olha para um Doig por causa da execução, olha-se pela imagem. Pela segurança. Não faz um trabalho de enfiada. Põe um bocadinho de tinta aqui, no dia seguinte põe outro. Acumula. Estilisticamente, é muito agressivo.

JMB  Quais são as suas impressões de Espanha e Portugal? Presumo que saiba que tem muitos admiradores em ambos os países, especialmente entre os pintores das últimas gerações.

AK  Em Espanha há uma tradição de excelente pintura, que tem continuado através das escolas de belas-artes. Fico satisfeito por saber que tenho admiradores em Portugal e Espanha, porque, quando se pinta, não se faz ideia de que há quem goste disto ou daquilo, ou até se existem pessoas fora do atelier. Quando era novo, detestava a minha pintura fosse qual fosse o lugar da exposição, e mesmo hoje ainda tenho momentos desses.

JMB  Disse uma vez que a Infanta Margarita, que está no Kunsthistorisches Museum de Viena, foi um quadro que o impressionou quando o viu em Nova Iorque, no início dos anos 50. «Tornou-se, para mim, o exemplo do que a arte deve ser.» Além de Velázquez, que outros artistas espanhóis são importantes para si?

AK  Para mim, a Marquesa de Santa Cruz, de Goya, é o melhor quadro do Louvre. Goya fez retratos fabulosos de homens. Não há ninguém que possa tornar um homem mais interessante do que Goya. A sua pintura é extraordinária, é pintura a um nível que nem se acredita. Gosto muito mais dos frescos da Ermita de San Antonio de la Florida do que dos frescos de Michelangelo. Prefiro a luz Velázquez à de Goya, mas Goya é um artista fantástico. Tenho uma das suas litografias e todos os dias a olho com assombro. Tudo é tão extraordinariamente definido; as vacas, os toureiros e as suas singularidades, e tudo o resto, o fundo, é indistinto.

JMB  Quando escreve que Seurat «retrata toda a gente com amor», está a falar de si mesmo?

AK  Quem me dera! Seja um corretor da Bolsa, seja um mendigo, ambos são retratados com amor. É a arte para todos; não há ninguém que não goste de Seurat.

1. Alex Katz colaborou com o bailarino e coreógrafo Paul Taylor entre 1960 e 1986, concebendo cenários e figurinos. [N. da T.]