Com um traço pessoalíssimo e logo reconhecível, estes desenhos têm, do arquitecto e do mestre, o sentido do espaço, da estrutura, da resistência. E têm, do artista e do viajante, o instinto do instante, da liberdade, da captura. Há neles o jogo do inteligível e do sensível, do visível e do invisível, do constante e do mutável, do fixo e do fugidio, do próximo e do distante. Estão lá Parménides e Heraclito, o Ser e o Devir. Têm tentação e tentativa. São esboços, apontamentos, prenúncios de projectos. São exercícios, projectos, obras. São introspecções, mnemónicas, adivinhações. São geometrias, geografias, geomancias.
Os cadernos de desenhos de Álvaro Siza são um inventário obsessivo, obstinado, observador e até observante de uma visão e de uma vida. De um desses cadernos, inédito, o grande arquitecto destinou a Electra as páginas em que registou uma viagem ao Peru, feita em Agosto de 1995. A maioria dos desenhos é de Machu Picchu. O traço atento de Siza tanto corre de si para o mundo como do mundo para si, do interior para o exterior como do exterior para o interior, de um dentro voltado para fora para um fora virado para dentro.
Os desenhos que revelamos neste Livro de Horas formam um diário visual de uma beleza rigorosa e inquieta. São como palavras, frases, anotações, interjeições, exclamações, interrogações. Às vezes, poemas. Não são desenhos de paisagens: são paisagens de papel feitas de desenhos — o seu traço tem qualquer coisa de vegetal e de mineral.
Os cadernos de Álvaro Siza, com os seus desenhos reiterados, retomados, renovados, são o outro lado, o mais secreto e o mais subtil, de um homem a quem o mundo nunca deixou de pedir que o contemple — e que o complete com o seu traço inciso e interminável.
José Manuel dos Santos
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