Num certo momento desta entrevista, diz Paulo Nozolino: «Comecei a olhar para o chão em vez de olhar para o céu. Comecei a olhar para o que as pessoas deitam fora em vez de para aquilo que os arquitectos constroem.» Esta orientação do olhar, assim descrita pelo fotógrafo, tem um significado simultaneamente estético e ético. Há uma rigorosa compenetração destas duas dimensões nas suas fotografias, assumida como uma responsabilidade e oposta à esterilização das imagens, ao regime de proliferação anestésica que elas nos oferecem hoje sob a forma de banal e imparável espectáculo. Este olhar atraído para a imanência e para os abismos da opacidade confronta- se com a alteridade mais radical: as ruínas, os dejectos, a destruição, a morte. Em suma, o mal. Daí a violência que elas transportam, na sua obsessiva representação dos escombros e das tragédias da história. Auschwitz e Sarajevo são os lugares extremos e sem redenção, sem céu nem horizonte, apenas chão juncado de cadáveres, onde Paulo Nozolino viu uma fisionomia alegórica da História e dos seus horrores. Os escombros do mundo e os corpos que são apenas torsos: há um olhar que em todo o lado vê um processo catastrófico em acção.
Por outro lado — ou talvez do mesmo lado —, o chiaroscuro de muitas das suas fotografias remete para um imaginário barroco e para a pintura que lhe corresponde. Paulo Nozolino situa-se no cruzamento das artes e dos tempos, é um fotógrafo da consciência trágica que obriga o espectador a olhar para as regiões inferiores e a decifrar os hieróglifos funestos da precariedade, da violência e da morte.
António Guerreiro
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