Belgrado. A segunda onda da epidemia. Novas medidas anti-epidémicas. Mais um confinamento. As pessoas estão mais ou menos loucas. O grande medo é substituído pela grande loucura. Alguém disse ontem que se o ano de 2020 fosse um país seria a Sérvia. Pequena grande verdade que nos faz rir.
Todas as noites há manifestações de protesto diante do Parlamento. Há dois grupos de manifestantes. O primeiro é uma juventude pacífica que se senta na rua, com máscaras, a cantar, de mãos dadas, e a gritar: «Senta-te, não deixes que te dêem a volta!» O outro é um grupo de manifestantes violentos, provocam conflitos, viram contentores de lixo e agridem a polícia. Uns são «estudantes» e os outros «a direita». Estão todos furiosos com o presidente, com o governo e com a primeira-ministra. A única diferença entre eles é a abordagem. Acontece o mesmo em quase todas as cidades da Sérvia. A situação está escaldante, digamos assim.
O risco que correm é enorme. Os hospitais já estão cheios. O sistema de saúde está por um fio. A loucura e a revolta substituíram o desespero.
Como é que chegámos a isto? A este caos que provavelmente antecede um cataclismo ainda maior.
No início da pandemia, antes de terem sido tomadas as primeiras medidas, o chefe de Estado reuniu um grupo de especialistas médicos. Falaram connosco com sorrisos no rosto. Disseram piadas. Disseram que o coronavírus era o vírus mais engraçado do mundo. Médicos com formação especializada aconselharam--nos a ir a Milão fazer compras porque por lá os preços deviam ter caído. Isto numa altura em que morriam cem pessoas por dia em Itália. Os nossos especialistas, o nosso presidente e a nossa primeira-ministra riam. O país foi tranquilizado e esclarecido no pequeno ecrã. O coronavírus não atacaria os sérvios.
Poucos dias depois, foi transmitida uma conferência de imprensa. Os mesmos intervenientes, mas desta vez empalidecidos. Explicaram-nos que nunca tinham dito que o vírus era engraçado. Pelo contrário, é letal. Mas só para os velhos. Só mata reformados, para as outras pessoas é inofensivo. Mas somos todos letais para os reformados, por isso fomos aconselhados a não nos aproximarmos deles. O presidente sublinhou e implorou: caros cidadãos idosos, peço-vos que não sobrecarreguem os nossos cemitérios! Fiquem longe das vossas famílias, isolem-se!
Depois quase chorou. E depois nomeou todos os cemitérios de que conseguiu lembrar-se e voltou a pedir aos reformados que não os sobrecarregassem.
Os reformados, que são a maioria dos seus eleitores e que adoram o presidente mais do que a Deus porque o ouvem em quase todos os canais disponíveis, são pessoas obedientes. Assustaram-se como crianças. Expulsaram os filhos de casa, compraram lixívia e álcool puro e começaram a limpá-la. O estado de emergência começou. Veio o recolher obrigatório com controlo policial. O isolamento. As medidas anti-pandémicas mais restritivas da Europa. Na Páscoa estávamos em confinamento, longe dos nossos velhos para quem somos letais. Estávamos todos sozinhos. Foi assustador. Aconteceu o mesmo no Dia do Trabalhador.
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