A mentira tem uma história cheia de declinações. Por isso é que não devemos ficar encerrados na simples oposição entre a verdade e a mentira, como se não existissem modalizações subtis e aparentemente paradoxais, tais como a verdade da mentira e a mentira da verdade. Nessa história, a relação entre a mentira e a política teve sempre uma grande importância, e para percebermos que é quase de natureza consubstancial o vínculo que une uma à outra nem é preciso evocar o maquiavelismo. No nosso tempo, o da comunicação e difusão de mensagens em massa num espaço público horizontal, rizomático, a mentira entrou num novo regime, do qual as fake news são a manifestação extrema. A noção de «pós-verdade» (que o dicionário de Oxford considerou em 2016 a palavra do ano) surgiu então como uma estranhíssima designação que muitos julgaram tratar-se simplesmente de um novo nome para uma realidade antiga. Mas é outra coisa: a pós-verdade está para além do verdadeiro e do falso, dissolve a diferença entre esses dois pólos. Por isso, não se anula através de um desmentido. Mas não é só destas questões que se ocupa este dossier da Electra, que se detém também noutras paragens obrigatórias: a arte, a ficção, o delírio, os poderes da técnica.