Quando saiu em 2010, o meu livro The Virtues of Mendacity: On Lying in Politics tinha na capa uma reprodução da célebre pintura de Grant Wood «Parson Weems’ Fable»1. Nela, Mason L. «Parson» Weems, o autor de uma biografia hagiográfica de George Washington, é retratado a puxar uma cortina de teatro e a apontar para uma cena em que o futuro «pai da nação», então com seis anos, confessa a seu pai ter cortado uma cerejeira. O encómio que o pai faz ao filho, perdoando-o por ter dito a verdade, fez desta uma das histórias mais apreciadas do folclore político americano quando, na década de 1830, foi incluída nos popularíssimos manuais para crianças McGuffey Reader.
Contudo, tal como sugere astutamente Wood ao representar o episódio como uma encenação de Weems, trata-se na realidade de uma fábula descaradamente plagiada do escritor britânico James Beattie. De maneira a insistir nas origens duvidosas das lendas em torno de George Washington, Wood colocou em pano de fundo duas pequenas figuras a colher os frutos de outra árvore. Se virmos mais de perto, é evidente que são escravos negros como os que a família Washington possuía na sua plantação na Virgínia, dez dos quais herdados por George após a morte do pai. Ao longo do tempo, veio a adquirir outras centenas; foi proprietário de escravos durante 56 anos e adiou-lhes a emancipação até depois de morrer. Estes factos inconvenientes e outros igualmente desconhecidos do grande público têm sido usados por alguns revisionistas históricos para pôr em causa o ano de 1776 como a data emblemática da fundação dos EUA, sugerindo antes o de 1619, ano em que chegaram os primeiros africanos à América do Norte, trazidos da colónia portuguesa de Luanda.
Quando, alguns anos mais tarde, o meu livro foi traduzido para russo, os editores aperceberam-se de que a lenda de George Washington e da cerejeira não teria ressonância no público local, e decoraram a capa com uma imagem muito diferente. Escolheram uma fotografia de Churchill, Roosevelt e Estaline sentados lado a lado na Conferência de Ialta em 1945, de sorrisos cordiais no rosto para dar ares de concórdia e harmonia. Os «Três Grandes» tinham aí comparecido para planear o futuro de uma Europa libertada após a derrota da Alemanha nazi. A declaração que se seguiu ao encontro prometia aos europeus «criar instituições democráticas à sua escolha» através de eleições livres. Como ficou claro logo a seguir à guerra, quando fez a promessa, Estaline tinha os dedos cruzados. Outros assuntos delicados, como o destino do Império Britânico, foram prudentemente deixados por resolver. Quando, pouco depois, começou a Guerra Fria, os sorrisos desfizeram-se com a evidência de que a demonstração de união em Ialta tinha sido uma fachada que escondia os eternos conflitos de interesses e de ideologias que dividiam as potências.
Partilhar artigo