Em Novembro de 1966, a companhia de dança de Merce Cunningham — com o coreógrafo e seu companheiro, o compositor John Cage — esteve pela primeira vez em Portugal. Nesses anos, o país vivia sob uma velha ditadura e estava culturalmente isolado e anacronizado, mas havia gente ávida de abertura e com vontade de agitar a estagnação. Neste ensaio, o bailarino, coreógrafo e editor João dos Santos Martins conta o que se passou naquelas noites surpreendentes e qual foi a recepção de espectáculos nunca vistos. A crítica dividiu-se entre dois espantos opostos: um espanto de incompreensão e um espanto de admiração. Houve artistas como Mário Cesariny e Ana Hatherly que acompanharam Cunningham e Cage, fazendo da presença deles um manifesto. No público de Lisboa, estava a jovem Maria Filomena Molder, depois filósofa, que viu a nova dança de Cunningham com o entusiasmo de quem assiste a uma revelação. Além do seu valor historiográfico, esta investigação minuciosa documenta o assombro gerado pelo desconhecido e mostra como as rupturas artísticas e as criações revolucionárias criam ondas de choque, inspirando os que as recebem com curiosidade expectante ou exasperando os que vivem instalados numa atitude fechada e autossuficiente.