A obra literária de Almeida Faria é feita de diferentes géneros e registos, às vezes no interior do mesmo romance, como acontece, por exemplo, em Paixão, o primeiro livro da sua «Tetralogia Lusitana», que, na sua complexa elaboração de várias vozes, se aproxima do romance polifónico. Desta vez, respondendo a um desafio que lhe foi lançado pela Electra, fez uma incursão no registo diarístico. O diário que escreveu para esta secção da revista que se chama «Livro de Horas» começa num dia triunfal, o 16 de Junho, o Bloomsday que Joyce inscreveu no calendário da literatura europeia moderna. Este diário começa assim por ser uma homenagem à ficção literária, aos seus feitos grandiosos (uma homenagem que se prolonga na evocação de um nome importante da literatura europeia, um escritor europeu por 118excelência, o alemão Hans Magnus Enzensberger, com o qual Almeida Faria mantém um já antigo diálogo). E, registando alguns dias de uma estadia em Munique, incluindo o dia da partida de Lisboa e terminando no dia do regresso, este diário é também uma tomada de distância em relação às coisas nacionais. De certo modo, esse gesto de distanciamento que consiste em colocar-se de fora (e o fora é um país estrangeiro) e daí lançar um olhar crítico e cosmopolita para dentro é um mecanismo comum à obra narrativa de Almeida Faria.