O ensaísta francês e professor de literatura contemporânea Lionel Ruffel faz, num texto dirigido ao editor da Electra, António Guerreiro, uma incursão pelas Curiosidades Estéticas de Baudelaire e chega, através delas, às «curiosidades literárias», a uma literatura não «normalizada», sem género definido: em suma, uma literatura queer.

A curiosidade enquanto faculdade intelectual é um factor decisivo de uma capacidade humana chamada criatividade, que associamos geralmente à criação artística, mas tem também uma função importante na investigação científica. É precisamente da criatividade como impulso que está presente tanto na ciência como na arte que nos fala, neste texto, o astrónomo português Pedro Russo, professor na Universidade de Leiden (Holanda).

«Porque em Paris cada esquina nos segreda História» — é assim que termina a evocação desta cidade construída, mais do que qualquer outra, de espaço-tempo. Na apresentação que dela faz, o músico e escritor Adolfo Luxúria Canibal mistura memórias de todos e memórias só dele. O seu olhar não ignora outros olhares, mas dá ao que vê a autenticidade da experiência pessoal de quem aí viveu durante cinco anos. Desta cidade «cosmopolita e aldeã», na qual viver é uma arte e onde a realidade nunca se despede do seu imaginário, fala-nos com uma voz nostálgica o vocalista dos Mão Morta, enquanto por nós passa, como uma sombra feita de luz, o vulto de Isidore Ducasse, o Conde de Lautréamont.

Neste «Livro de Horas», a conhecida pianista sul-coreana Yeol Eum Son fala do presente e do passado com um gesto que junta o mundo através dos músicos que se encontram para tocar. A pandemia atravessa este diário para nos lembrar que vivemos sob ameaça. E o concerto que a artista decidiu, à última hora, cancelar fica como o símbolo de uma frustrada desilusão que se quer tornar uma esperança alegre. Essa esperança é a música que, agora silenciada, um dia se voltará a ouvir.

Dos anos 20 do século XXI, olhamos os anos 20 do século XX, e perguntamos o que aconteceu então e o que acontece agora. Vemos assim que nas grandes diferenças há algumas semelhanças, que não são analogias, mas homologias (crises, pandemias, etc). O historiador americano Bradley W. Hart, que recebeu o Sybil Halpern Milton Memorial Book Prize de 2019, é professor na Universidade do Estado da Califórnia e especialista neste período histórico sobre o qual publicou vários livros. Neste «Registo», faz o retrato de uma década instável e contraditória, perigosa e fascinante. Nesses anos, em que «nunca houve um regresso à normalidade», tudo parecia poder acontecer.

A partir de que momento se tornou dominante referir a educação como investimento, amor como contrato, família como parceria, amizade como rede, futuro como dividendo? Quando se naturalizou este tipo de linguagem que mantém com o mundo uma relação de transacção, segundo a qual a experiência se define pelo retorno e a subjectividade se orienta pelo valor? Um indicador da mutação profunda reside no modo como a palavra especulação se inscreveu com tanta veemência e vulgaridade no imaginário contemporâneo. Se o uso corrente a despromoveu ao lugar-comum pela associação a mercados financeiros, negócios e falcatruas, continua a emitir em surdina séculos de significação, quando especulador designava profeta místico, estudioso dos astros, fabricador de espelhos ou artista visionário. São as declinações esquecidas da categoria maior da era do capital financeiro que define o inconsciente político.

Nathalie Quintane e Olivia Rosenthal são dois nomes destacados do campo literário e artístico, em França. A ambas foi pedida uma leitura ou um comentário de uma frase de Virginia Woolf que estabelece uma relação entre a condição da mulher e o acesso à «profissão» de escritor baseada em determinações materiais. Daqui resultaram dois textos que projectam a afirmação de Woolf num horizonte actual.

* Comunicação de Virginia Woolf à Liga Inglesa das Mulheres, 1931.

Inumeráveis são hoje os discursos sobre a comida e tudo o que a rodeia. Objecto antropológico por excelência, consagrado na fórmula «somos o que comemos», tornou-se um assunto de alto teor cultural e social estudado ao mais alto nível e com um lugar privilegiado nos media e na edição. 

Nesta edição de Electra, o dossier, para falar do nosso tempo, fala da comida. Nos dias que correm e nas horas em que corremos para metas que parecem afastar-se sempre de nós, a comida é hoje um assunto planetário, que atrai e enfeitiça, convoca e mobiliza, fascina e até fanatiza. E que, nalgumas partes do mundo, muitas vezes falta. (...)

O historiador francês Patrick Rambourg, autor de uma Histoire de la cuisine et de la gastronomie françaises (2010), descreve neste artigo o nascimento, no século XVIII, e o desenvolvimento do restaurante, essa instituição parisiense exportada para todo o mundo. O restaurante francês, dotado da aura gastronómica de Paris, torna-se assim um lugar de sociabilidade e de convívio requintados.