«O desenvolvimento sustentável é aquele capaz de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras poderem satisfazer as suas.» A história breve do conceito de desenvolvimento sustentável (DS) é bastante conhecida. Ganhou direito de cidade, com a definição que abre este artigo, no quadro das Nações Unidas em 1987, no famoso Relatório Brundtland sobre ambiente e desenvolvimento. Já em 1980, na World Conservation Strategy da iucn, a maior e mais respeitada organização dedicada à conservação da natureza e biodiversidade, o DS ensaiava uma modesta aparição.
A paisagem mediática do nosso tempo transformou-se radicalmente com os novos media e as redes sociais: as regras e a configuração do espaço público foram completamente alteradas, as antigas hierarquias foram quebradas, os poderes fragmentaram-se, o real e o virtual, tanto quanto a verdade e a mentira, tornaram-se reversíveis. No início, pensou-se que estava a ser criada uma sociedade transparente, mas hoje é evidente que triunfou a opacidade. Sob esta condição, o jornalismo já não se pode arrogar, como outrora, de ser o «quarto poder» e muito incerto é hoje o poder que lhe resta. Os artigos aqui reunidos procedem ao exercício de pensar e traçar uma cartografia teórica destas e de outras questões.
O conflito israelo-palestiniano entrou numa fase marcada pela lei que define Israel como «Estado- -nação do povo judeu» e o hebreu como a sua única língua oficial. Uma filósofa italiana, Donatella Di Cesare, e um importante autor francês de estudos literários, Éric Marty, ambos com obra e intervenção pública sobre Israel, o judaísmo e a questão judaica, comentam esta lei, avançando por caminhos diferentes, quanto ao seu sentido, o seu alcance e as suas consequências.
Na Fundação Calouste Gulbenkian de Paris e com curadoria de Helena de Freitas, uma exposição pôs lado a lado e frente a frente, obras de Rui Chafes e de Alberto Giacometti. Ímanes uma da outra, elas atraíram-se e atravessaram o olhar de quem as viu, na evidência do que as aproxima e distingue. Conhecedor das obras de Giacometti e Chafes, o escritor, filósofo e curador Federico Nicolao fala-nos delas e da exposição onde se encontraram.
Por outro lado, depois de visitar a exposição de Paris, o poeta Manuel de Freitas escreveu uma carta a Rui Chafes. O ponto de partida dessa carta é uma citação de Alberto Giacometti que diz a imperfeição, a virulência e a violência da poesia, da pintura e da escultura. O poeta fala-nos da sombra, do silêncio, do abismo e da noite que nesta exposição se tacteiam. E, como acontece sempre com Manuel de Freitas, fala-nos da morte.
Os ideais da juventude foram um dos motores da história social, cultural e política do século XX. No nosso tempo, em que já não há lugar para os ideais que foram historicamente uma prerrogativa dos jovens, deu-se, no entanto, o triunfo da juventude como ideal e aspiração, isto é, do estilo jovem e da cultura que lhe corresponde. Este desejo que deixou de ter idade, assim como as dificuldades de acesso à plena autonomia da condição adulta, tornaram muito fluidas as fronteiras das categorias geracionais e abriram uma injustiça entre gerações: muitos dos privilégios de que gozaram os mais velhos despareceram para os mais novos. À altíssima quota que a ideia de juventude detém no mercado de valores estético-sociais não corresponde a situação real dos jovens que, por um lado, são nalguns aspectos uma geração dilapidada e, por outro, só eles estão aptos a acompanhar o tempo que acelerou vertiginosamente. O dossier que aqui apresentamos percorre estas questões.
A «adolescência», uma categoria psico-sociológica surgida no início do século XX, forneceu à América e à Europa projecções de bem-estar, educação e progresso. Os jovens adquiriram assim um estatuto importante e foram o sujeito de uma nova cultura, cuja história é traçada neste texto por um jornalista e crítico de música inglês, Jon Savage, autor de Teenage: The Prehistory of Youth Culture: 1875–1945 e de Teenage: The Creation of Youth Culture, assim como de outros livros sobre música e cultura pop e punk-rock, onde se destaca uma história dos Sex Pistols.
A moderna obsessão com as idades da vida produziu não apenas a juventude e as representações dela, com as suas mitologias, mas também a velhice. Trata-se de uma produção cinemática da vida, muito ao gosto dos totalitarismos, escreve José Bragança de Miranda com o olhar crítico e treinado na decifração dos hieróglifos do tempo presente e das suas manifestações.
Partindo de dois exemplos cinematográficos, o professor — mas também, ou sobretudo, poeta e tradutor consagrado — que neste texto reflecte sobre a sua experiência de lidar com jovens em idade escolar, apresenta o seu próprio filme, coloca-se em cena, numa relação sem ilusões com as personagens «inquietas» dos alunos que seguem as várias etapas de um sinuoso «caminho mental».
Este texto-testemunho de uma jovem professora de liceu nos arredores de Paris fala de uma relação cheia de optimismo com os jovens estudantes, geralmente designados como «problemáticos». E, contrariando os mais persistentes estereótipos, revela como os alunos, ao contrário do que seria de esperar, acreditam nos valores republicanos que fundam a escola francesa.
Cinco jovens de diversas proveniências e com experiências profissionais e estudantis diferentes, falam de si e do mundo a partir dos seus observatórios pessoais, desenham atmosferas, ambientes e trazem até nós algumas tonalidades afectivas da nossa época, apelando a uma escuta que exige atenção e liberdade.
A juventude como categoria sociológica é uma invenção do século XX. A sua significação política foi, nalguns momentos (por exemplo, no Maio de 68), de enorme importância. Extinta essa significação política, qual é hoje o significado social e político da juventude? A resposta deste texto de abertura é a de que a juventude foi absorvida pelos mecanismos biopolíticos que governam os corpos e as suas performances.
Pasolini teve uma relação intelectual problemática, de ordem teórico-política, com os jovens estudantes que, por volta de 1968, foram protagonistas de revoltas e motins. Neste texto, Vinícius Nicastro Honesko, professor na Universidade Federal do Paraná, autor de Pier Paolo Pasolini: Estudos Sobre a Figura do Intelectual, escreve sobre as implicações que teve, no pensamento de Pasolini, a ideia que está na base da sua redefinição da figura do estudante: a de que aos jovens estava agora vedada a possibilidade de uma «experiência revolucionária».
Autor de uma vasta obra, da qual faz parte um livro intitulado Generazioni (2014), o filósofo italiano Remo Bodei, actualmente professor na Universidade da Califórnia, Los Angeles, parte neste texto da verificação de que há uma fractura geracional que marca a nossa situação histórica. E isso leva-o a reclamar que se assuma, em vários planos, uma responsabilidade em relação às gerações mais jovens, numa época em que se multiplicaram as incertezas em relação ao futuro.
Uma experiência de juventude numa terra que é, segundo o autor, «O último subúrbio de Lisboa». Narrada na primeira pessoa e filtrada por um olhar que adquiriu, entretanto, a linguagem e as ferramentas analíticas para compreender os ódios e as leis cruéis desse mundo cheio de fronteiras e territórios demarcados, essa experiência adquire aqui um valor paradigmático.
Pensar os animais e a animalidade, ao mesmo tempo que cresce a noção de que os humanos têm deveres para com eles e que é intolerável tratá-los como «coisas» e negar-lhes a faculdade de sentir e sofrer, tornou-se uma questão maior do nosso tempo, presente não apenas em movimentos cívicos com grande actividade na esfera pública, mas também no campo das ciências sociais e humanas, onde emergiu uma área de estudos de grande importância sobre os animais. A ética, a política, a sociologia, a antropologia, a filosofia: todos estes domínios disciplinares se encontram hoje convocados para essa vasta operação que retirou os animais do silêncio a que o pensamento filosófico — mas não a literatura nem a arte — os votou. O dossier que aqui apresentamos trata destas questões, numa lógica interdisciplinar.
O cientista Vasco M. Barreto, investigador da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, discute neste artigo o conceito de «especismo», de enorme relevância para os movimentos de defesa dos animais, mostrando que ele se baseia nalgumas falácias, aporias e esquecimentos, dos quais o pensamento do filósofo australiano Peter Singer, autor do famigerado Animal Liberation, é um exemplo.
A questão dos direitos dos animais implica uma noção de política que a desloca para lá dos seus limites tradicionais: pensar e defender uma «política animal» que, no seu sentido mais alargado, é uma ecopolítica, eis a tarefa a que se entrega o filósofo búlgaro Boyan Manchev neste artigo que prossegue trabalhos anteriores sobre a «liberdade selvagem».
Os comportamentos territoriais dos pássaros e as analogias políticas e da imaginação que eles suscitam são uma matéria de investigação para a filósofa das ciências belga Vinciane Despret, figura importante dos animal studies que descobriu, no seu percurso filosófico, a importância da etologia.
Massimo Filippi, professor de neurologia em Milão, é um consagrado teórico do antiespecismo (leia-se, entre outros, o seu Questioni di specie, de 2017) e um irredutível crítico da divisão intransigente entre Humano e Animal que, segundo ele, produz e legitima os «crimes» contra os animais. Este seu artigo pode ser lido em confronto com aquele que vem a seguir, de Vasco M. Barreto.
A paleoantropologia e a etologia, duas disciplinas a que António Bracinha Vieira dedicou uma parte do seu trabalho de professor e investigador, fornecem matéria científica importante para pensar o que nos une e separa dos outros seres vivos que partilham connosco a biosfera, ao mesmo tempo que o antropocentrismo e os seus sonhos de omnipotência seguem o seu rumo.
Na obra do sociólogo italiano Alessandro Dal Lago, há um livrinho polémico intitulado Genocidi animali (2018), escrito com dois amigos, Massimo Filippi e Antonio Volpe, que causou controvérsia por causa da palavra «genocídio». Este artigo, que começa por uma narrativa biográfica, é uma incursão na «história da indiferença dos filósofos para com o mundo animal».
Nunca antes tinha havido, como no nosso tempo, tanto debate público sobre os animais, tanto cuidado e preocupação com o destino e o tratamento a que estão sujeitos; nunca antes os animais, e não apenas os animais de companhia, tinham sido integrados com uma tal dimensão no mundo humano e social. Há hoje uma «questão animal» muito viva e de grande alcance que mobiliza simultaneamente os campos da filosofia, da ética, da política (ou da biopolítica), do direito, da ecologia. De tal modo que se difundiu a ideia de que teve lugar, nesta época em que vivemos, um animal turn, à imagem de «viragens» anteriores que ganharam o direito a marca registada nas humanidades e nas ciências sociais, tais como o linguistic turn.
Nunca antes tinha havido, como no nosso tempo, tanto debate público sobre os animais, tanto cuidado e preocupação com o destino e o tratamento a que estão sujeitos; nunca antes os animais, e não apenas os animais de companhia, tinham sido integrados com uma tal dimensão no mundo humano e social. Há hoje uma «questão animal» muito viva e de grande alcance que mobiliza simultaneamente os campos da filosofia, da ética, da política (ou da biopolítica), do direito, da ecologia. De tal modo que se difundiu a ideia de que teve lugar, nesta época em que vivemos, um animal turn, à imagem de «viragens» anteriores que ganharam o direito a marca registada nas humanidades e nas ciências sociais, tais como o linguistic turn.
Berthe Morisot (1841–1895) e Dora Maar (1901– –1997), duas mulheres e duas artistas. Nos tempos em que viveram, a sua condição de mulheres causou grave prejuízo à sua condição de artistas. Por isso, é hoje impossível olhar as obras delas sem olhar o que as condicionou, determinou e limitou. As exposições retrospectivas, apresentadas em Paris, no Museu d’Orsay e no Centro Pompidou, mostram essas obras que não se separaram dessas vidas e que tiveram de conquistar, nelas, a sua possibilidade e o seu risco. É disso que nos fala, com inteligência crítica e compreensiva, a historiadora, investigadora e curadora Helena de Freitas. As suas palavras são atravessadas pela altiva e corajosa melancolia com que estas artistas se afirmaram perante um mundo que as negava.
A destruição parcial, por um incêndio, da Notre-Dame e a resposta imediata de Emmanuel Macron, prometendo que a catedral iria ser reconstruída em tempo recorde, desencadearam uma discussão pública, entre os especialistas, sobre os modos dessa reconstrução e a política do património (o que significa também: a politização patrimonial). Este é o assunto em discussão nos três artigos que se seguem, assinados respectivamente por Salvatore Settis, um dos assinantes de uma carta aberta dirigida ao presidente francês para que seja respeitado o Código do Património, por Carlo Pùlisci, historiador de arte italiano, com muitos trabalhos publicados sobre catedrais, igrejas e a cultura do restauro, e por Pedro Levi Bismarck, arquitecto e investigador na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Somos aqui confrontados com três pontos de vista diferentes que passam, sucessivamente, pelas questões da memória cultural e da crise do património (Settis), pela história e cultura do restauro (Pùlisci) e pela crítica política da lógica e da retórica patrimonialista (Levi Bismarck).
A catedral de Notre-Dame de Paris dispensa, provavelmente, apresentações. O incêndio que atingiu a igreja a 15 de Abril e os subsequentes debates sobre a sua reconstrução, apresentados nas primeiras páginas das revistas de grande parte do mundo, na Internet e nos telejornais, trouxeram o monumento para a ribalta, fazendo crescer de modo exponencial — e não propriamente lisonjeiro — a sua «celebridade».
Dizia Alexandre Alves Costa, numa das suas aulas, que a destruição da Abadia de Cluny durante a Revolução Francesa — paradigma de todos os excessos e luxos do Ancien Régime — constituía uma perda irreparável para o património da arquitectura, mas era também sentido e afirmação de uma conquista histórica irrepreensível. De facto, a história da arquitectura não é outra coisa que a história da sua permanente destruição. A longa e incessante lista dos edifícios incendiados, saqueados, implodidos.
Em todo o mundo, a conservação e a alimentação da memória cultural são cada vez menos importantes nas prioridades políticas e nos investimentos públicos. Museus, monumentos, arquivos e bibliotecas são contrapostos ao vibrar sempre renovado das novas tecnologias; e espalha-se a convicção de que o planeamento do futuro deve fazer-se a preço de uma progressiva marginalização do passado, entendido como peso passivo e não como força activa, uma reserva de energia cultural e moral.
Numa altura em que por todo o lado se clama por uma política que coloque no seu centro as exigências éticas, é altura de interrogar essa sutura entre a ética e a política, assim como os equívocos e as consequências dessa reivindicação para o conceito de política. Ao desafio respondem Donatella Di Cesare, filósofa italiana bem conhecida pelos seus livros sobre Heidegger e os judeus (a partir dos «cadernos negros» do filósofo alemão) e sobre a «filosofia da migração», e Bruno Peixe Dias, doutorando na área da filosofia política.
Que ligação haverá entre ética e política na época do triunfo planetário do mercado e dos fluxos da rede global, do colapso ecológico e do sonho hiperbólico do pós-humano? Enquanto já se vai cumprindo a catástrofe produzida pela fusão entre tecnoeconomia e biosfera, a existência que sobrevive no mundo, imunizado e fechado, sem ter já um exterior, voltou-se sobre si mesma, tomada por um medo abissal de tudo o que vem de fora, subjugada por uma exofobia inédita, incapaz de pensar mais além. É hoje mais fácil imaginar que nos tornaremos imortais do que conceber o fim do capitalismo.
Um dos regressos mais desejados nos tempos que correm parece ser o da ética à política, desejo que vem acompanhado da constatação de um abandono mais ou menos duradouro. A presença deste desejo e desta constatação podem ser verificadas em forças e agentes normalmente apontados como antagónicos. Se pegarmos numa das oposições de maior circulação nos dias que correm, constatamos que tanto os defensores do liberalismo democrático como os movimentos comummente designados de populistas dão lugar de destaque à ética.