Metropolitano
A escola das barricadas
Gilles Delalex

A partir de uma exposição apresentada em 2024 no Museu de Artes Aplicadas de Viena (MAK) e de um seminário realizado, ao mesmo tempo, na Universidade Técnica desta cidade, o arquitecto e investigador Gilles Delalex, fundador do Studio Muoto e um dos curadores do Pavilhão da França na 18.ª Exposição Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza, em 2023, responde neste ensaio a uma pergunta intempestiva: tal como aconteceu com as várias ideologias políticas — social-democracia, liberalismo, comunismo ou fascismo —, pode o pensamento anarquista gerar uma arquitectura? Com esta questão, que cruza a perspectiva histórica com a observação do presente, é a arquitectura que se interroga a si própria.

Como é que a figura da barricada se relaciona com a forma dos nossos edifícios e cidades actuais? Podemos aprender alguma coisa com a sua arquitectura, a sua história e o modo como faz referência à perspectiva anarquista, a qual tem estado amplamente ausente do nosso pensamento urbano, marcado pelos grandes dogmas do urbanismo e do planeamento urbano? Pode o pensamento anarquista produzir um tipo particular de arquitectura, da mesma forma que cada ideologia política — social-democracia, liberalismo, comunismo ou fascismo — produziu o seu? Esta foi a questão que colocámos durante um seminário orientado pelo Studio Muoto na Universidade Técnica de Viena, na Primavera de 20241. O seminário respondeu a uma exposição realizada em simultâneo no MAK, o Museu de Artes Aplicadas de Viena, intitulada Protest Architecture: Barricades, Camps, Superglue, a qual apresentava uma arquitectura de revolta, sob a forma de maquetes particularmente realistas, reproduzindo acampamentos e instalações temporárias erguidos durante contextos de revolta reais2. Neste texto, queremos considerar esses dois eventos paralelos para interrogar a possibilidade de uma arquitectura conciliável com o pensamento anarquista, ou seja, aberta à ocupação e livre da pressão da todo-poderosa opinião pública. Será ela possível? E com o que é que se pareceria?

Numa época em que a regulamentação prolifera, ao ponto de se sobrepor a si própria, as nossas cidades e edifícios estão a tornar-se uma expressão cada vez mais imediata da nossa democracia, do seu princípio de escolha, do seu modo de governação e do seu poder regulador. Cada material usado numa fachada é discutido, cada plano tem de ser aprovado. O lado positivo deste processo é as nossas cidades e edifícios terem um aspecto limpo e seguro, e manifestarem uma certa harmonia, com a redução de conflitos entre residentes. O nosso ambiente urbano é o produto daquilo que concordamos ser bom, daquilo que a maioria de nós acha que deve ou não ser permitido. No entanto, esta situação levanta a seguinte questão: nesta procura pela perfeição colectiva, não estaremos a sacrificar grande parte da nossa liberdade?3

"Numa época em que a regulamentação prolifera, ao ponto de se sobrepor a si própria, as nossas cidades e edifícios estão a tornar-se uma expressão cada vez mais imediata da nossa democracia."

Uma das alternativas a este processo é a anarquia, a qual implica um modo de decisão muito diferente do da democracia, no sentido em que não reconhece formas de governo centralizadas ou totalizadoras, reivindicando uma sociedade em que as regras são construídas de baixo para cima. Enquanto a democracia se rege pelo princípio da decisão por maioria, a anarquia apela ao consenso ou mesmo à divergência, isto é, a modos de decisão que não exigem a aprovação da maioria. No entanto, a referência à anarquia tornou-se actualmente tabu, uma vez que a noção se encontra carregada de preconceitos4. Considerar uma forma de anarquia levanta imediatamente o espectro da falta de estrutura, que resultaria no caos e minaria os fundamentos e as conquistas da modernidade. Quando se fala de sociedades anárquicas, pensa-se geralmente em locais remotos e marginais, ou em sociedades violentas dominadas por senhores da guerra, que impõem um clima de desordem e de terror para manterem o poder. Outra imagem que a ideia de anarquia convoca é a de lugares de protesto — acampamentos de rebeldes, cidades de barracas e muros de barricada. Esta corresponde a uma iconografia pitoresca, na qual o anarquismo se forma a partir de estruturas temporárias feitas de materiais recuperados e organizados de uma maneira precária, não planeada. Na nossa visão, evoca uma estética da ocupação mais decorativa do que eficaz. A questão é, assim, a de ser possível imaginar uma arquitectura anarquista assente não apenas numa estética de bricolage decorativa, mas que proponha uma outra vocação para a arquitectura, que seria simplesmente a de tornar as pessoas livres.

1. O seminário de design intitulado School of Barricades foi conduzido pelo Studio Muoto, na Primavera de 2024, na Universidade Técnica de Viena.
2. A exposição Architectures of Protest, Barricades, Camps, Superglue esteve patente no MAK, em Viena, entre 2 de Fevereiro e 8 de Agosto de 2024. Foi uma iniciativa conjunta do DAM (Deutsches Architekturmuseum, Frankfurt) e do MAK.
3. Em relação a esta questão, ver o programa de ensino «Anarcity», conduzido pela Why Factory, na Universidade de Delft.
4. Sobre esta alegação, ver Irène Pereira, «Vivre en Anarchiste», Revue du Crieur, n.° 11, Paris: Éditions La Découverte, 2018, pp. 40–47. Nesse artigo, Irène Pereira explica que o imaginário anarquista é frequentemente associado a uma posição anti-urbana, referindo-se à estética dos movimentos hippies dos anos 60 que procuravam a liberdade fugindo das cidades, entendidas, de forma negativa, como lugares de regulação e de códigos sociais, marcados pelos problemas da coexistência em ambientes densamente povoados. Pereira invoca a posição alternativa expressa por David Graeber e David Wengrow, que defendem que as sociedades igualitárias podem coexistir com a vida urbana, numa vasta área, e que uma sociedade anarquista não significa inevitavelmente uma redução a tribos arcaicas vivendo distantes umas das outras. Também problematiza outra ideia preconcebida, relacionada com o mito das origens. Para encontrar exemplos de sociedades livres e sem Estado, os movimentos anarquistas frequentemente recuam muito na história das civilizações, como se essas sociedades precedessem toda a civilização e a disseminação de Estados-nação desde o Renascimento. Muitos anarquistas defendem que uma sociedade livre só poderia ter existido em pequenas sociedades primitivas, constituídas por caçadores-recolectores. Neste ponto, a autora refere-se novamente à posição adoptada por Graeber e Wengrow, que contestam o mito rousseauniano das origens, a ideia de que as sociedades livres só poderiam ter existido antes da era moderna. Para eles, este mito reflecte a transposição de uma concepção metafísica e religiosa para o domínio das ciências sociais, interrogando se a anarquia não poderá antes encontrar-se no extremo oposto do espectro deste mito, ou seja, não no passado de uma civilização avançada, mas na sua plena realização e no seu mais elevado grau de perfeição.

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