A vontade que tenho de escrever está sempre presa entre dois tipos de excesso. Um deles é fácil de explicar. É o desejo de ter sempre mais. Mais atenção. Mais vendas. Mais fama. Mais glória. Que cada livro exceda o anterior. É um desejo frustrante, porque tantas vezes frustrado.
É o desejo de um certo tipo de luxo, de um deslocamento da vida quotidiana. Nos dias de hoje, luxo significa algo como conforto para lá da necessidade. Estou em digressão com o meu novo livro. Em Veneza, o hotel é banal e a cama só tem duas almofadas. Em Roma, num hotel de luxo, tenho seis. O luxo expressa-se através de detalhes sensoriais que comunicam tempo e despesa adicionais. Neste tipo de luxo, a quantidade expressa qualidade.
Há um sentido mais antigo de luxo, enquanto vida sensual, frívola, sexy. Uma vida que não é dedicada à reprodução de mais de si mesma. Uma vida que se desloca em direcção à diferença e se afasta de mais do mesmo. Um luxo que não se consegue quantificar, apenas sentir. Às vezes, quero esse outro luxo, na vida e na escrita.
Escrever pode ser um luxo, mas de que tipo? Em O Prazer do Texto, Roland Barthes escreve: «O luxo da linguagem fará parte das riquezas excedentes, da despesa inútil, da perda incondicional? Uma grande obra de prazer (a de Proust, por exemplo) participará da mesma economia das pirâmides do Egipto?»1 A forma‑mercadoria recupera a escrita. A sua luxuosa inutilidade torna-se valiosa no mercado. Será essa uma recuperação completa? Será reversível? Talvez a escrita possa ser a dança do autor com o luxo, volteando-o e sendo volteado por ele.
Há também a escrita por necessidade. Consigo pagar a renda porque consigo escrever. E há ainda aquilo que escrevemos livremente, que resulta do prazer de desfrutar de um pequeno excedente de vida. Que tipo de luxo quero para esta escrita? Estou dividida. Fantasio com um tipo de escrita que é um sucesso comercial, mas nunca fui especialmente bem-sucedida nesse plano. Aquilo que escrevo acaba sempre comprometido entre a liberdade e a necessidade. Talvez seja um lugar de negociação entre desejos rivais por diferentes tipos de luxo.
Neste dilema, tenho-me sempre guiado pela escrita de Georges Bataille, e sobretudo pelo seu carácter excessivo. Como escreve em A Parte Maldita: «não é a necessidade, mas o seu contrário, o luxo, que põe à matéria viva e ao homem os seus problemas fundamentais»2. O luxo, para Bataille, é a condição de toda a vida, já que esta extrai, directa ou indirectamente, a energia do sol, utilizando-a para se desenvolver, crescer, expandir-se, proliferar. Tudo o que esteja acima ou além da mera sobrevivência é luxo. «Na efervescência geral da vida, o tigre é um ponto de extrema incandescência. E esta incandescência incendiou-se, com efeito, na profundidade recuada do céu, na consumação do sol.»3 A vida é a dádiva irrecuperável da energia da luz solar transformada em fecundas formas e floreados exuberantes que, ardentes, atravessam os éones.
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