Que significa hoje prestar atenção à arquitectura? O que é a arquitectura nesta economia da atenção que engole o mundo, na qual cada neurónio que dispara é registado em tempo real e monetizado num vasto sistema de micro-extracção? O que é a arquitectura quando os humanos não são mais do que contínuas fontes e recipientes de dados, observados em permanência por uma Inteligência Artificial que identifica padrões na complexidade aparentemente acidental e produz novos padrões de toda a vez que isso possa garantir vantagem financeira, ou seja, sempre? Que é a arquitectura quando o cérebro se tornou a nova área de produção, mesmo durante o sono, e quando o trabalho se tornou uma espécie de sonambulismo? Terá alguma coisa mudado em relação a outros tempos? Será que a própria ideia de que vivemos num novo mundo de atenção hipermercantilizada faz parte de um grilhão que desde tempos antigos, imemoriais, sujeita a nossa espécie? Para prestarmos atenção à maneira como hoje prestamos atenção à arquitectura, não precisamos de pensar como o fazíamos, «nós», anteriormente? Que tal uma história um pouco mais longa, agora que vivemos uma história dia-a-dia, até mesmo segundo-a-segundo, de cliques, pesquisas, publicações, compras e gostos? Uma história, então, que não procure as realidades autênticas de que nos distraímos. Pelo contrário, uma história do presente, uma história da desatenção programada.
No seu sentido mais óbvio, prestar atenção à arquitectura é olhar para um edifício. Não de relance, mas sim entregando-lhe inteiramente a nossa atenção, mesmo que só por um instante. Olhar para um edifício nunca é simples, normal ou inocente. É preciso interromper os ritmos inconscientes da vida quotidiana, abrandar, hesitar, parar de pensar em tudo o resto e sintonizar os sentidos para um objecto enorme e aparentemente estático — e atentar em algumas das suas principais qualidades: qualidades visuais como forma, textura, cor, luz, sombra, reflexos, padrões, sequências, ritmos, espaçamentos, escalas; qualidades hápticas como toque, suavidade, temperatura, humidade, odor, movimento, circulação de ar, vibração; qualidades acústicas como reverberação, rangidos, vento, abafamento, silêncio; sentidos da vida orgânica, decomposição, organização, inscrições; e por aí em diante. Não há limites para aquilo em que se pode atentar num edifício, nem para as maneiras de atentar. Tudo o que é perceptível pode ser abordado, sejam poucas ou muitas coisas, em qualquer combinação ou sequência, por alguns segundos ou algumas horas, de maneira intermitente ou contínua. Tal como um edifício é composto por inúmeros elementos ocultos, o seu efeito palpável é composto por inúmeras sensações. A reunião dos materiais produz edifícios que reúnem sensações. Os arquitectos constroem a possibilidade de nos sintonizarmos conscientemente com essas sensações. Contudo, prestar atenção à arquitectura não é apenas experienciar sensações, é atentar nelas, é vermo-nos a ver, sentirmo-nos a sentir e ouvirmo-nos a ouvir. Prestar atenção é uma acção, uma forma de trabalho auto-reflexivo.
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